Quem sou eu

Belém/Ribeirão Preto, Brazil
Amazônida jornalista, belemense papa-xibé. Mãe, filha, amiga... Que escreve sobre tudo e todos há décadas. Com lid ou sem lid e que insiste em aprender mais e mais... infinitamente... Até a morte

Aos que me visitam

Sintam-se em casa. Sentem no sofá, no chão ou nessa cadeira aí. Ouçam a música que quiser, comam o que tiver e bebam o que puderem.
Entrem...
Isso aqui está se transformando em um pedaço de mim que divido com cada um de vocês.
Antes de sair me dê um abraço, um afago e me permita um beijo.

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sexta-feira, 30 de novembro de 2007

A minha Belém

Os que me conhecem há anos e nunca estiveram em Belém, dizem que já a conhecem por mim. Meus filhos, minha cidade, minha profissão estão, plageando o Chico, feito tatuagens em meu corpo, na minha alma, no meu coração.
Reconheço todas as suas falhas, problemas, limitações, os (des)governantes e as abordagens cruéis que alguns coleguinhas teimam em passar para o restante do País.
Não.. por favor isso não quer dizer omitir, mentir e informar apenas o belo, o exótico, o que agrada aos sentidos. É preciso sim denunciar, expor essas feridas e buscar, de todas as formas, curá-las.
Mas além do abominável trabalho escravo, das aberrações contra o meio ambiente, dos intermináveis conflitos pela terra e agora mais recentemente a falência do sistema penal que levou ao País e ao mundo o que de mais horripilante pode aconteer a uma mulher, Belém também tem outros lados, mas que nem sempre viram notícia.
A minha Belém calorenta (temperatura sempre rondando os 30 graus, mas com uma sensação térmica de 40), tem muitos encantos que tanto me encantam.
Como não parar pra juntar a manga que cai no meio da rua ? Manga fresca, madura que ameaça os vidros dos carros e as cabeças dos pedestres. A marca do centro da cidade. Mangueiras frondosas, formando tunéis, que nessa época do ano parecem árvores de natal com bolas que variam da tonalidade verde-intenso a amarelo-ouro.
A minha problemática Belém tem chuva que neste momento começa a se formar no céu para cair por volta das 2 horas. Isso !! a famosa chuva das 2 que pode antecipar alguns minutos ou mesmo atrasar algumas horas. Chega, refresca e nós, obedientemente, esperamos que ela cesse e o toró se transforme em apenas um chuvisco. Saimos beirando pelas coberturas e úmidos vamos trabalhar, estudar, passear.
Tem açaí. Mas sem granola, guaraná ou banana. Açaí puro, grosso, batido nas rústicas casas que mantêm inalteradas a bandeira vermelha sem letreiros, mas que tudo dizem : aqui vende-se açaí. Açái com açúcar e farinha de tapioca ou farinha d'água acompanhado de um peixe salgado bem fritinho (pirarucu de preferência), carne seca ou camarão. Tem pupunha, bacuri, graviola, taperebá, muruci, castanha-do-brasil, jambo, jambu, tucupi, abricó, cajarana, muitas variedades de jaca, mangaba. Tem tapioquinhas que se faz em casa ou se vende na rua.
Ahhh tem ainda o tacacá, maniçoba, pato no tucupi, caranguejo (toc-toc ou na casquinha), siri, cariru, vatatá...
Queria que o mundo conhecesse também essa Belém. Que visse com outros olhos este lugar problemático - como a grande maioria das cidades que beira os dois milhões de habitantes- mas que mantém intactos os seus encantos e seduz os que se dispõem a olhá-la apaixonadamente, minimizando os defeitos e valorizando as qualidades. Exatamente como os apaixonados fazem....

quinta-feira, 29 de novembro de 2007

Parabéns ao fígado !!

Tenho evitado falar sobre a doença, exames, consultas, medicamentos e o futuro meio tenebroso que está por vir. Mas hoje é especial. Justificado ! Meu fígado renasceu. O órgão mais tímido e introvertido do corpo humano acaba de receber parabéns do médico. Voltou a funcionar normalmente, a apresentar o TGO, TGP, Gama GT, bilirrubina etc...etc... dentro das médias. Fígado regenerado, bons prognósticos à vista.
Uma constatação que fez muito bem ao médico e a mim. Fui (e terei que continuar sendo !!) muito disciplinada e venci mais essa. A dieta que tem quase nada entre os permitidos, prosseguirá, com algumas exceções que serão degustadas e brindadas como prêmios. Entre elas o açaí com farinha de tapioca (vez ou outra), uma farinha d!água torradinha, uma vez por semana, acompanhando uma bela e suculenta costela de tambaqui na brasa e (pasmem!) até mesmo um vinho branco em dose homeopática. O bolo da mamãe, aquele sem coberturaou bolo de vó como chamamos na família, também PODE (lembraram de algum personagem do Zorra Total ?) Chope, cerpinha ? Nem pensar ! Continuem firmes no cardápio, porém, o leite de cabra, o queijo branco, as verduras só no vapor, peixe em abundância e carne vermelha com restrições. Só frutas e nunca suco, açúcar mascavo e nada de pão ou biscoitos. Macarrão, pizzas, doces em geral (só os dietéticos)tudo continua vetado.
Fiquei feliz com a felicidade estampada no rosto do médico. Não disse, mas parecia dizer: vencemos !!
A nova cirurgia acontecerá só no próximo ano, mas o afastamento de um mundo agitado demais, estressante demais prossegurá. Mas isso, pela relevância e amplitude, fica para um outro tópico.
Agora quero pensar só no Natal, reveion (acho que em Salinas) e mais dieta, mais caminhadas, mais conquistas.
É a redescoberta ....

terça-feira, 27 de novembro de 2007

A capela do Gentil

Obrigações maternas levaram-me hoje ao Colégio Gentil Bittencourt. Entrei na capela. Assim como a instituição de ensino, ela tem mais de 200 anos. Pequena, meio escura, vitrais antigos homenageiam (hoje reparei!) apenas santas. Não há nenhum santo entre os escolhidos.
Entro, sento, rezo e choro. Não consigo reprimir ou mesmo disfarçar a emoção que toma conta de mim quando me sinto invadir por aquele ambiente.
Estava sozinha. Eu e as imagens, eu e aqueles bancos de madeira de lei. Eu e muita energia.
Ali está uma das três imagens oficiais de Nossa Senhora de Nazaré. A única que tem um arco de luzes constantemente acesas a sua volta. Reinando na penumbra.
Conversei durante minutos com a pequena imagem. Simbolismo. Mãe das mães. Como se fóssemos velhas amigas e Ela pudesse entender minhas aflições, meus medos, minhas angústis, minhas preocupações. Mas também percebesse em minhas lágrimas a fé, a esperança, a alegria de estar viva, a crença de que tudo será mais leve do que imagino, do que a minha criativa e doente mente me faz fantasiar, antecipar.
Rezei com fé. Pedi com humildade por todas nós e principalmente pelas pessoas que tenho acompanhado na comunidade do Orkut que unem-se pela dor, pela similaridade, pelo caminho turtuoso que hoje são tão iguais. Uma vitória a cada dia. Uma nova batalha a cada hora. E a fé inabalável na cura, na vontade de viver.
Gosto de percorrer aqueles corredores centenários, observar cada detalhe da arquitetura, deter-me nas portas, janelas, grades, desenhos.
Sei que meu olhar agora é mais atento. Vejo o velho com um olhar novo. O velho-novo, o novo-velho repaginado.
Saí mais leve, mais aliviada, mais plena.
Mas pedi, acima de tudo, pelos filhos. Sempre eles os primeiros do topo, os que nos perturbam, preocupam, angustiam e nos fazem imensamente feliz.
Impulsionam à vida, leva-nos a crer no futuro e a ter saudade do passado.
Eles.... sempre eles ...

segunda-feira, 26 de novembro de 2007

Repensando a vida

Por mais que eu tente (e até consiga) é quase improvável esquecer que tenho algo grave a resolver, que não sou a mesma, que mudei, o mundo ao meu lado mudou, minhas prioridades agora são outras, meu olhar tem outros focos, meu pulsar acelerou, minhas apreensões alteraram-se.
Hoje conversando com um amigo no msn, falei da partida para esse lugar que não sabemos muito bem qual é. Paraíso ou o inferno ? Início ou o fim ?
Disse-lhe que estou tendo o privilégio de transformar essa passagem em uma festa. Sim, com purpurina, fogos, luzes e muitas plumas e cores. Algo meio gay, transformista.
Partir, mas me despedindo. Dizendo que vou e sem muito choro, mas com a sensação do dever cumprido, de ter estado aqui e de ter vivido, sofrido, chorado, mas ter sido muito, muito feliz.
Não é agouro, como diriam os antigos. São viagens...
Sim... porque poderia ser diferente. Um aneurisma, um infarto, uma pancreatite aguda ou mesmo um acidente de carro,de avião, não me dariam essa chance de me organizar, de ver a vida sob o prisma do que já não tem porque temer a morte.
Tudo bem que posso demorar mais do que muitos que agora estão sem nenhuma patologia. Que "se acham" imortais.
Estou tendo a oportunidade de me rever, me reavaliar, de me organizar para viver o que nem imaginava um dia passaria. Justo eu que sempre fiz os exames todos direitinho. Nunca atrasei os periódicos ...Fui, contudo, uma premiada.
Minha vida agora esmerasse num futuro atemporal. Tem dias que nunca chegam ou se atropelam e chegam rapidamente.
Não sinto nada neste momento. Apenas fome vez ou outra ou um desejo incontido e inconformado de querer (e não poder !) sentar em um barzinho e tomar uma cerveja e comer uma picanha ouvindo um cantor entoando Chico ou Djavan. Fisicamente estou bem. Muito bem por sinal ! Mas sei que dentro de mim, naquele lugar invisível uma revolução celular pode estar em plena atividade. As sadias querendo expulsar as cancerosas. Umas vencendo, outras rendendo-se.
São batalhas silenciosas, traiçoeiras. Lutas sem pódio, mas com derrotas e vencedores que comemoram.
Eu sei que vou um dia. Todos iremos ...
Mas hoje prefiro assim : com possibilidades de pensar na partida, de imaginá-la e como a expectativa é que a data ainda está distante, com tempo suficiente para viver mais ainda, mais intesamente, pulsando mais, arrebentando mais, doando-me mais.
Vida !! Viva !!

domingo, 25 de novembro de 2007

Redescobrindo-me

Sempre fui jornalista. Nunca tive outra profissão. Fiz vestibular para Letras na Universidade Federal do Pará e cursei quatro semestres. Mas foi no período do básico, em contato com os demais cursos da área, é que vi que de fato Gil Vicente e Camões (com todo respeito!) não seriam nunca minhas grandes paixões. Gostava de ler, mas muito mais sobre tudo o que fosse atual, emoções mais próximas, informações mais relacionadas ao meu mundo, ao hoje. Depois de alguns semestres abandonados, fui cursar jornalismo. A essa época já era "foca" em A Província do Pará e segui na Universidade apenas para oficializar a escolha.
Depois de A Província (a grande escola !!) fui para o jornal O Estado do Pará até dedicar-me integralmente às assessorias de imprensa (Prefeitura, Cesep, Ficom e finalmente Embrapa) e aos diversos frilas (Conselho Regional de Psiologia, Cikel, Conselho Regional de Química....)
Há muito perdi o temor, quase fobia, que me levava a fazer (e a dizer) besteiras impensáveis em plenas faculdades mentais. Mais de dez pessoas e eu à frente era suficiente para que eu surtasse. Assim foi quando prestei concurso para professora do Curso de Comunicação Social da UFPa, em 1983. Estava tão nervosa que fumei o giz e escrevi com o cigarro.
Hoje sou outra... Irreconhecível. Falo com facilidade à frente de até mil pessoas, não tremo e até gosto.
Auto-confiança que aliada à experiência profissional levaram-me a aceitar ao convite feito pela colega Heliana Martins (àquela época coordenadora do curso) para lecionar na Faculdade de Tecnologia da Amazônia (Faz) em um curso recém-criado, o de Comunicação Institucional.
Fui nervosa, é claro, mas cheia de boas intenções. Um só turma no início. A pioneira do curso. Uma deliciosa experiência dividida com eles. Devo ter agradado, afinal fui escolhida como paraninfa da turma.
Ir para a sala de aula tem sido para mim mais do que uma nova opção profissional. É uma redescoberta. É descobrir que além do jornalismo tenho outros prazeres. Nunca sinto-me cansada. Raramente falto e conversar, estar com eles, vendo que posso repassar um pouco do que acumulei nesses mais de 30 como jornalista, sendo 25 como assessora de comunicação, alimenta minha alma e aumenta minha curiosidade pela área de comunicação nas instituições levando-me a estudar semppre, a compreender melhor esse novo mundo.
E ontem, a Lorena Matoso, uma ex-aluna que em breve receberá o título de tecnóloga em Comunicação Institucional, mais uma vez emocionou-me e me trouxe a certeza de que a doação é bem compreendida, que de fato eles percebem minhas intenções, minha honestidade em dividir.
Ao escrever a DEDICATÓRIA NÃO PUBLICÁVEL de seu TCC em seu perfil no Orkut dedicou um parágrafo inteiro para mim.
Emoção pura que divido com, muita honra e vaidade, com vocês.
"Eu sempre ouvi falar que TCC era uma desgraça e descobri que não é nada disso. É muito pior (...)
À amada ex-professora Ruth Rendeiro, carinhosamente chamada por mim de “co-orientadora”, por todo o lado prazeroso do TCC, por todas as dicas, as idéias, livros emprestados, por me mostrar o porquê das coisas serem tão difíceis assim, sendo que as minhas angústias são mínimas perto das suas. Obrigada é muito pouco pra lhe dizer, Deus está com você, lembre-se disso."
Próximo dos 50 anos, a nova profissão me invade e me apaixona.
Quero ter outras Lorenas ...
Mais um motivo pra prosseguir ...
Pra lutar ...
Pra viver ...

sábado, 24 de novembro de 2007

O Ver-o-Peso

Aquele espaço com cheiro característico, amontoado de gente de diferentes origens, suadas, restos de frutas e verduras que viram lixo. A diversidade amazônica exposta, explicitamente arreganhada e que sempre me apaixonou.
Gosto de ir ao Ver-o-Peso, a feira cantada em verso e prosa pelos paraenses que chegam a afirmar que ela é a maior a céu aberto da América Latina.
Nem me importo se não é...
Tudo bem que temos que estar sempre alertas, ser assaltado é um risco constante e escorregar caindo no meio da sujeira também. Tem ainda os desonestos disfarçados que roubam no peso e na qualidade do produto. Mas o lugar é único.
Quase todos os sábados passo por lá. Vou, principalmente, comprar peixe. Agora só filhote, pescada amarela, pirarucu ou tambaqui. Antes, extrapolava : tamuatá para ser degustado no tucupi; pratiqueira para ser bem fritinha e servida acompanhada de feijão grosso. Tem ainda a gó, mapará, pescada branca, dourada, sarda...
A cada sábado descubro um novo lugar, vejo com um novo olhar o que há anos meus olhos já conhecem. O pu-pu-pu que passa sem pressa pela baía de Guajará levando os ribeirinhos de volta pra casa. Amanheceram na capital trazendo seus frutos e verduras. Ou encontro uma nova peça de artesanato em exposição. Linda, diferente, encantadora.
Nas compras, além de muito peixe, as frutas. Algumas que só encontramos na confusão organizada do Ver-O-Peso. Banana inajá (lembra Fernando Jares ?), jambo rosa, fruta-pão, abricó, mangaba fresca, jaca manteiga, cajarana, sapotilha, ingá.
Jambu em abundância, pimenta-de-cheiro, tucupi, cariru, macaxeira, plantas e mandingas que curam, que atraem bos fluidos e afastam mal-olhado. Aumentam a libido, arranjam emprego e até marido.
No alto, a voar livremente os urubus, que inutilmente tentam dar vencimento à enorme quantidade de lixo. Comida em abundância.
Os mesmos da música do Antonio Carlos Maranhão : "e os urubus famintos anjos negros, cansam do céu e vêm a lama descansar. E a noite vem em lua nova ou lua cheia e lá nos galhos das mangueiras, voam pra se agasalhar".
Tantos sabores, tantas cheiros, tantas cores...
Volto suada, melada e revitalizada pelas delícias adquiridas e pelo prazer de me redesrobrir paraense.
Uma papa-chibé autêntica, cara redonda, nariz de batata e orgulhosa dessa terra com todos os seus dissabores, escândalos e injustiças.
A Belém do Ver-o-Peso !

sexta-feira, 23 de novembro de 2007

Diversificando os assuntos

Hoje recebi um telefonema da amiga Gladys Martinez que fez um comentário interessante : como me procurar para saber como eu estou se basta vir a este blog e ter idéia a quanto anda o tratamento, a minha cabeça, a minha vida etc...etc... ?
Como adoro ser paparicada, carregada no colo (não literalmente por causa dos vários quilos), vou tentar diversificar os assuntos, assim darei motivos para que os amigos me procurem mais. Será ?
Bem... pelo menos nesse período de diea rigorosa, exames esporádicos e apenas uma leve lembrança da doença.
Que tal falarmos de chuva ? Pode parecer banal para muita gente, mas para mim é um tema fascinante. Adoro chuva e a que é marca registrada de Belém, mais ainda
E como o tempo dela está se aproximando ...
Cheguei mesmo a sugerir uma pauta ao mago do jornalismo rural, o José Hamilton, sobre essa relação única que temos com a chuva.
Chuva que refresca
Que traz manga fresquinha descendo ameaçadora da mangueira
Que ajuda a lavar o carro, a calçada
Que forma time de futebol no meio da rua
Que marca e desmarca compromissos
A que dá preguiça, a que desmancha o penteado
Molha roupa, caderno, pés
Mas que é sempre bem-vinda
A pauta não rolou (ou ainda, mas a minha paixão pela chuva continua.
Quando as nuvens no céu escurecem e o vento aumenta, hora de fechar as janelas e tirar a roupa do sol.
Menos calor, mais umidade, mais verde...
Estamos nos aproximando do nosso inverno. O período em que chove o dia todo.
O verão, que se despede, é o período em que chove todo dia, as nossas duas únicas estações.
Que venha senhora poderosa !
Que venha banhar meu rosto e lavar minha alma.

quarta-feira, 21 de novembro de 2007

A volta ao Teatro

Não...não foi uma repetição sem sentido. A emoção novamente aflorou, agora mais serena, com menos novidade, permitindo observações que no dia anterior foram sufocadas pela plenitude da contemplação.
Eu, Manoel, Leonardo (de novo !!!), Rulton e Vanessa (colega de trabalho) ficamos na primeira filha, quase dentro do palco. Foi possível dessa vez me deliciar mais com as músicas do Chico. Primeiro as infantis (auuu iaa miau miauu cocorocó) e depois com Geni em espanhol (deduzo para que as freiras na platéia não ficassem tão chocadas com o "joga merda na Geni, joga bosta na Geni"), Meu Amor, O Malandro, Therezinha... A penumbra do teatro criava um ambiente propício a viagens, a devaneios.
Dessa vez a professora Auxiliadora (a faz-tudo : coreógrafa, cenógrafa, estilista etc etc) se superou.
Entre as dezenas de meninas, uma especial brilhava aos meus e aos outros olhos. Ela era a minha menina, já não tão menina !!!
O melhor de tudo é que por algumas horas simplesmente esqueci que em breve irei ao médico, que ele me avaliará, dirá com todas as letras o que acontecerá com o meu mês de dezembro, como está de fato meu fígado, meu peso, minha dieta tão rigorosa e que me afasta de quase tudo e de quase todos.
Nem lembrei ....
Cantei com a gata (Nós gatos já nascemos pobres, porém já nascemos livres ...), com as galinhas, com o cachorro e depois com os amores do Chico, com os amores da vida. "O primeiro me chegou como quem vem do florista ... ou O meu amor tem um jeito manso que é só seu ...)
Não havia tempo para pensamentos malignos, para imagens grotescas, para pensar em remédios, para sofrer por antecipação ...
Nem lembrei dessas coisas ...
Ri de novo, cantei de novo, me senti viva como antes...

terça-feira, 20 de novembro de 2007

A atriz que se revela

Teatro da Paz. Lindo, majestoso, imponente, único. Quantas vezes já fui ali. Quantas vezes já me emocionei, mas certamente nenhuma como ontem à noite.
No palco, sozinha, emocionando a platéia (como o pai, avó, primos, irmão, tia...), estava a minha filha. Isso mesmo !! Minha menina de ainda 11 anos. Sabia que este ano seria diferente dos anos passados, quando ela apenas (?) dançava. Faz isso com enorme prazer e dedicação desde os três anos. Mas não tinha a exata dimensão do quanto seria belo, do quanto ficaria feliz, do quanto ela tem talento.
Não.. não é a mãe babona que está falando. Todos foram unânimes em parabenizá-la pelo desempenho, pela performance impecável.
Sempre gostou de dançar, de música, mas desconhecia que conseguiria ficar diante de um grande público, sozinha no palco de um dos mais belos teatros e dar seu show.
Foi na apresentação do Grupo de Danças do Colégio Gentil Bittencourt. Além de estar no segmento da Ópera do Malandro, do Chico Buarque, também foi a âncora do primeiro ato dos Saltimbancos. O jumento que convence os demais bichos a fugir, o que fala, reclama por não ser um animal de estimação. Voz alta, bonita, clara e sem microfone.
Uma noite para nunca ser esquecida.
A minha pequenina cresceu. Não em centímetros, mas como pessoa, como artista, como ser humano.
Feliz, mas humilde. Realizada, mas ciente de que é apenas uma pessoa iluminada.
Hoje verei de novo. Hoje me emocionarei mais uma vez !!
Vou estar lá, entre as dezenas de pessoas que vão aplaudi-la. DE PÉ !!!

domingo, 18 de novembro de 2007

Turista em minha própria terra

Já disse que tenho mudado hábitos, procurado outros prazeres, (re)descoberto lugares e me permitido ser uma outra Ruth. Limitações à parte, alegria sempre !
Hoje fui a lugares turísticos de Belém. Ser uma turista em minha própria terra. Olhar os lugares que conheço desde que nasci com olhares de quem os vê pela primeira vez.
Primeiro a praça da República (lá vou sempre !. Comprar artesanato, bijus, camisetas, tomar água de coco (até recentemente eram latinhas de cerveja estupidamente geladas para amenizar o calorzão). Depois uma passada na casa da irmã no caminho para Icoaraci. Na Vila Sorriso outro coco e um peixe (filhote) maravilhoso na chapa. Vento, água escura em abundância e um rio que de tão grande, tão largo parece o mar.
Uma parada rápida na feira para comprar jaca. É fruta ! Posso comer !
Uma passada na feira de artesanato do Paracuri e já à tarde o Pólo Joalheiro São José Liberto com direito a tapioquinha de manteiga e café fresquinho.
O lugar é lindo, mesmo que tenha uma energia pesada. Explicável por ter sido, durante décadas, o Presído de Belém. Muitos morreram naquele pátio agora repleto de pedras que reluzem no sol ou encantam à noite.
As peças dos artesãos paraenses são verdadeiras obras de arte. Muiraquitãs (já tenho dois), imagens estilizadas de Nossa Senhora de Nazaré (já tenho duas), peixe-boi (comprei uma hoje), araras, tucanos, imagens rupestres, tudo com muito originalidade, criatividade e beleza.
Eu, Manoel e Anaterra estamos cansados.(O Raul não quis ir. Está na fase de trocar esse tipo de passeio pelas conversar na Net. Compreensível...). O dia foi intenso, mas delicioso.
Uma velha turista em Belém que passou a amar mais ainda a sua cidade.

sábado, 17 de novembro de 2007

A surpresa alheia

Não consigo ficar em casa apenas lendo, vendo TV, na Net ou ouvindo música. Por mais que tudo isso me dê um enorme prazer. Tenho que sair, ver pessoas, descobrir lugares, comprar novidades. Devo ser uma das poucas pessoas que adora ir ao supermercado. Não só vasculhar as prateleiras em busca do novo, como também observar as pessoas. Uma mania de adolescente que me acompanha até hoje. A partir das compras nos carrinhos tento deduzir quem é aquele ser que está ali ao meu lado, mas que nunca havia encontrado antes. Se ele (ou ela) tem porções pequenas, quantidades quase individuais e com grande praticidade, deduzo logo que vive só. De repente o carrinho está abarrotado de fraldas descartáveis e Leite Ninho: nenê novo em casa. Ou só refri diet, verduras, leite desnatado, queijo branco e uma grande variedade de frutas , é a galera da geração saúde com certeza e por aí vai...
Tenho ido a esses lugares com mais freqüência. Shopping, praças, supermercados, Estação das Docas, Ver-o-Peso, Icoaraci, igreja de Nazaré. Uma substituição natural aos barezinhos de calçada, aos churrasquinhos ou pizzarias.
Se por um lado essas mudanças ainda me causam impacto (sair da FAZ e nbão parar num botequinho pra tomar uma gelada com o Manoel às sextas-feiras tem sido um suplício), outro fator me incomoda bastante: a reação das pessoas que me conhecem e sabem que estou com câncer.
Não sei se chego a decepcioná-las por não estar pálida, esquálida, careca, de robe de estampa de florzinha suave do Ceará com dois bolsisnhos na lateral, chinelos de hospital e passos trôpegos. As que não conseguem disfarçar a surpresa, indagam logo que souberam que eu estava doente como se a notícia não passasse de um boato. Outras nem tocam no assunto e muitos evitam falar "dessa doença". Sim, porque há outros que para não dizer a palavra câncer, usam, como os médicos, CA ou simplesmente se referem a ELA.
Quanta bobagem !!
De fato não tive muitas mudanças visuais perceptíveis. Apenas as que provoquei: cortei o cabelo bem baixinho, clareei e emagreci alguns quilos. Mas porque me punir se estou me sentindo bem ? Se acredito que ficarei curada ? Se quero viver mais ? Se ainda nem comecei o tratamento do câncer ? Se neste momento o que sinto é apenas uma grande frustação por não poder saborear uma picanha ou um caranguejo devidamente acompanhado de umas cerpinhas estupidamente geladas ?
A surpresa é evidente e eu chego mesmo a me divertir ...

sexta-feira, 16 de novembro de 2007

Furei o diário

Ontem, pela primeira vez desde o dia 24 de setembro, não escrevi um texto para o blog. Não deu... A festinha pelos 5.0 do maridão quase amanheceu. Mesmo sem beber nada (só água) e comer apenas um pouco da salada quase light, dormi tarde demais, conversei, me diverti. Família, amigos (mais os deles, mas estavam a Ieda e o Gui para um papo mais pessoal)e o sono no dia seguinte era enorme. Acordei tarde, com preguiça...
No almoço, a família novamente reunida : Ruthlene, Thaís, Thomaz, Rulton, Socorro, Leonardo, tia Jorgete e uma festinha quase exclusiva para os vizinhos na calçada sombreada. Muita música, cervejaq (para eles), pratinhos que iam e vinham com os tira-gostos e de repente o dia acabou.
Hoje, meio feriado, um passeio no shopping com o Leonardo, umas comprinhas e agora os preparativos para a aula que darei à noite. Isso mesmo, haverá aula !!!
Não me sinto pressionada a ir até lá, pois sei que muitos alunos comparecerão. Os feriados de 2 e 15 de novembro mexeram com o nosso calendário e é preciso correr para finalizar o semestre.
Uma vida quase normal. Não fosse um pulguinha que teima em me incomodar. Por que não faço logo a cirurgia de retirada e pesquisa do material ainda restante da primeira e dos lifonodos ? Será que estou tão debilitada do fígado assim ? Esse tempo não está longo demais e pode influenciar no câncer ?
Perguntas sem respostas. A nova consulta só acontecerá dia 29 de novembro. O que me leva a deduzir que antes do dia 5 de dezembro não operarei. Tudo bem que posso analisar sob outro prisma : todo esse cuidado significará êxito na cirurgia e nos efeitos colaterais do tratamento do câncer. O fígado (já sei!) é um dos órgãos mais afetados pela BOMBA da quimio.
É que está demorando demais ... Sinto que às vezes me engano. Deixo a vida me levar e vou curtindo cada dia como se lá adiante não me esperasse um cruzamento, como se não estive à espreita um tormento.
Não é uma sensação muito boa...

quarta-feira, 14 de novembro de 2007

Um dia agitado demais

Hoje nem tive tempo de lembrar que tenho um câncer, que preciso iniciar o tratamento, que meu fígado tem que estar potente para não sucumbir diante das drogas poderosas. Desde ontem entrei numa roda-vida.
Cheguei tarde da Unama (Universiade da Amazônia), onde ministrei uma palestra sobre a relação joprnalistas / cientístas para os estudantes de Comunicação, a convite das professorad Ivana e Cenira. Adoro aquele cenário de curiosidade, de dúvida, de tantas indagações. Sinto-me velha, quase idosa ao falar que sou do tempo de A Província do Pará, da máquina datilográfica, do telex... Mas me delicio com a constatação de que já vivi muito e intensamente, aproveitando tudo o que me foi colocado no banquete da vida.
Dormi cansada e acordei cedo. O dia começou com os preparativos para a homenagem que faremos à noite ao Manoel (meu marido) que amanhã chega aos 5.0, mas que será antecipado para que as pessoas que viajarão possam vir. Arroz paraense (jumbu, tucupi e camarões salgados graúdos), pizza de jambu, pastéis da Cairu e uma suculenta salada compõem o cardápio. Cervejas e refrigerantes à vontade e muita música (antigas como ele gosta) e papo, muito papo sabe Deus até que horas.
À tarde ainda fui à FAZ dar prosseguimento ao projeto de reestruturação da Assessoria de Comunicação da Faculdade. Um desafio que tem me preenchido o tempo e que me dá prazer. Escrevi, popus, conversei, reuni e de repente o tempo passara.
A roda-vida nem permitiu que eu percebesse que quase não tomo café, que o leite foi abolido, que vou ao shopping e já não como pão de queijo nem tomo chope.
Começo a achar que já estou me acostumando.
Oxála que sim !!

terça-feira, 13 de novembro de 2007

A boa nova

Cada dia é uma superação, um novo passo, agora mais lento, mais preciso, mais oscilante, mais seguro, mais mensurado, avaliado. Cada dia um novo medo, uma nova alegria e uma vida (re)descoberta a partir de detalhes.
Hoje foi assim. Um dia mesclado. Pela manhã a ultrassom do fígado. Ansiedade e algumas palavras ditas pelo médico e de novo o pânico se instala. "Talvez uma biópsia dê mais detalhes". Não quis acreditar. Sabia que o TGO, TGP, Gama GT e a própria glicose eram apenas sinas do meu corpo dizendo que estava na fora de frear. As cervejas freqüentes demais (pequena quantidade, mas sistemática), os churrasquinhos (picanha, porco, coração de boi e raramente um frango) mais freqüentes ainda. Aliam-se os medicamentos da primeira cirurgia.
Sabia que a dieta já fizera efeito. As limitações já poderiam ser avaliadas. Não pensei duas vezes : vou repetir, por minha conta, os exames que só deveriam ser feitos no final do mês. Não suportaria esperar mais 13 dias. Fui sem requisição médica e particular. Algumas horas depois a constatação : todos os índices estavam a metade do que fora feito em setembro. Eu sabia !! Eu sabia!!
O leite de cabra, o iogurte natural, os legumes e verduras, o peixe e proibição aos pães carecas quentinhos com manteiga ou a farinha d'água torradinha com pratiqueira frita estava sendo compensada.
Mais uma vitória !!
Avante !!

segunda-feira, 12 de novembro de 2007

Recomeçando os exames

Amanhã cedo farei o primeiro exame que dirá se todo o esforço e medicações que estou tomando estão sendo eficientes. Uma ultrassonografia do fígado apontará se houve ou não redução da esteatose e indicará aos médicos os próximos procedimentos. Espero que sim. Que ele tenha rejuvenescido.
Há cerca de 20 dias minha vida sofreu uma mudança muito brusca, principalmente alimentar. O café da manhã, a única refeição mais farta, não inclui leite de gado, pão, torrada ou sucos. Prioritariamente são frutas in natura, queijo branco, iogurte natural com gotas de limão, leite de cabra e café com açúcar mascavo. No almoço tudo muito moderado. Peixe (preferencialmente, frango ou carne vermelha magra, um pouquinho de arroz ou batata, legumes no vapor e nada de farinha ou grãos. Lanche ? se é que se pode chamar de tal: uma fruta ou chá. Jantar: frutas ou uma sopa de legumes e acabou pelo dia. Comida de novo só no dia seguinte. Às vezes, para consegui dormir, tomo um mingau (de tapioca ou de maisena pode !!!)ou um chá com leite de cabra. Já sonhei com um churrasquinho de porco do "seu" Zeca, da Primeiro de Dezembro, devidamente acompanhando de uma Cerpa bem gelada. Só sonho ...
Mas sei que preciso ser disciplinada. Meu fígafo combalido dos exageros de décadas, está pedindo socorro e dando-me uma nova chance. Terá que estar forte para enfrentar as quimios, radio e um montão de medicamentos que ainda não aprendi o nome, mas que já li a respeito e sei bem dos efeitos colaterais.
Um fígado que já tinha dado aviso, mas que preferi, em nome das orgias etilícas e gastronômicas, ignorar. Agora dependo dele, estou na mão desse órgão meio tímido, que raramente se manifesta, embora seja quase sempre acusado, erroneamente, por qualquer mal estar.
A fase atual, quase de normalidade, amanhã será de novo quebrada. Só não será de todo porque à noite, à convite de colegas da Unama, vou ministrar uma palestra sobre jornalismo científico dentro de uma abordagem do relacionamento jornalistas / cientistas. Assuntos que me apaixonam, que me ocupam a mente e que reduzem o tempo para viajar em temas menos prazerosos como a morte, as dores, as complicações, o medo, os remédios, os novos exames, o hospital, a cirurgia....
E os dias vão passando ...

domingo, 11 de novembro de 2007

Uma festa atípica

Ontem fui à minha primeira festa atípica. As que terei que me acostumar daqui pra frente. Totalmente limitada no comer e beber, compareci para matar a saudade e prestigiar os ex-alunos que em 2006 compuseram a primeira turma de Comunicação Institucional da FAZ e me homenagearam esconhendo-me como paraninfa.
Nem cervejas, refrigerantas, salgados ou qualquer outra comida. Só água ! Mas comprovei que um encontro pode ser alegre, festivo e repleto de amizade mesmo sem esses ingredientes. É claro que senti falta. E muita !! Mas dancei, ri, me diverti nas poucas horas que lá fiquei.
Abracei e recebi o afago carinhoso do Paulo, Michelly, Karla, Adrielle, Fábio, Jaqueline, Josiane, Outeiro, Patrícia, Simone,Keneth, Lena, Mira e como um filme recente, relembramos fatos marcantes.
Eles foram os meus primeiros alunos formais. Foi com eles que debutei como professora de curso superior. Entenderam todas as minhas limitações, perdoaram meus deslizes e abonaram minhas falhas. Tudo bem que me esforcei muito para não decepcioná-los. Se por um lado tinha uma enorme dificuldade em me organizar didaticamente para repassar minha experiência, por outro tentava compensar com abordagens novas, dinâmicas, atraentes. Cada aula era uma novidade talvez maior para mim do que para eles. Foram meus cobais, foram meus parceiros nessa descoberta que agora me apaixona.
Quase aos 50 anos descubro essa nova profissão e isso devo muito a eles. Sinto-me plena em sala de aula. Nem cansaço, nem doença, nem preocupações se aproximam de mim quando estou à frente da turma, explicando, fazendo com que eles entendam toda a magnitude que visualizo no trabalho do profissional de Comunicação.
Mais do que ensinar, do que levar informação, quero lhes repassar a possibilidade de sermos profissionais competentes e éticos; eficientes e justos; produtivos e honestos; atuantes e companheiros. Sei que é possível. Nada é excludente.
Fazê-los pensar, duvidar, questionar, contribuir para que tenhamos uma sociedade melhor é a base das aulas, das discussões em sala.
A maioria já é vencedora. Só de estar lá todas as noites. Pais de família, adultos que trabalham o dia inteiro e à noite voltam aos bancos escolares em busca de conhecimento ou de melhorias em suas vidas profissionais. Guerreiros que têm limitações, mas que não desistem e que por isso têm a minha admiração.
Sei que eles percebem a minha honestidade de propósito, minha sinceridade em, de alguma forma, ajudá-los a ser mais um cidadão pensante e que possa interferir mesmo que seja em um microcosmo chamado assessoria de comunicação.
Ontem, vendo os primeiros deles felizes, alguns despontando no mercado do trabalho, conscientes de seu papel e unidos comemorando o primeiro ano de formados, experimentei a sensação de dever cumprido.
Mesmo sem cervejas, refrigerantes ou salgadinhos ...
A foto ao lado resume tudo.

sábado, 10 de novembro de 2007

O novo visual

Depois que saí do fundo do poço, que comecei a racionalizar e entender a dimensão de minha realidade, comecei a agir com a praticidade que sempre me marcou. Primeiro cortei os abundantes cabelos naturalmente encaracolados que exigiam uma passagem no "seu" João todas as semanas para retocar a pintura, fazer luzes ou mesmo hidratar. Se ele terá que cair, que eu e as pessoas não se assustem com o novo visual. Na última quinta-feira radicalizei. Cortei baixinho, moderno, mais para o loiro (dizem as colegas da especialização que mulher não envelhece, fica loira). O corte Joãozinho da minha adolescência. Além de me preparar psicologicamente para um mudança quase previsível decorrente da quimioterapia, cuidar dele, caso não caia demais, também exigiria uma dedicação física que certamente não terei. Uma nova Ruth surgiu no cenário valorizando brincos e outros acessórios.
Quis um novo visual também no lugar onde devo permanecer mais tempo. O quarto está passando por reformas. Cores vibrantes em contraste com paredes claras, cama nova, abajour potente para as leituras na madrugada, nova disposição dos móveis e o notebook funcionando em toda a casa com uma mesinha nova dedicada a ele.
Uma renovação externa que reflete o que internamente vivencio. Uma nova vida, um novo olhar, um caminho tortuoso, mas feliz.
Na mudança o primeiro título de pós-graduação. Durante anos deixei escapar as oportunidades de fazer pós, mas agora preparo-me para o desfecho. Depois de três dias de aulas com a Ana Prado, a monografia começa a tomar forma, a se delinear e a finalização já passa a ser real. Antes parecia tão distante, tão demorado... Lamentarei porque não mais conviverei com pessoas tão interessantes e tão diferentes entre si. Sentirei falta da sala de aula como aluna, mas há outros projetos à frente me aguardando.
Não importa se algumas vezes terão que ser interrompidos, se houver paradas estratégicas para uma recuperação mais demorada.
O essencial é continuar caminhando...
E lá vou eu ...

sexta-feira, 9 de novembro de 2007

O lado bom ...

A relatividade está aí para ratificar : nada é todo ruim ou de todo bom. É claro que não posso estar abençoando descobrir que estou com um câncer, que o fantasma da doença será meu companheiro eterno, que no transcorrer dos próximos anos posso ter outras surpresas desagradáveis, que o fígado agora desnudo é frágil e não suportará mais agressões e que não terei direito mais a alguns de meus maiores prazeres: cozinhar, comer e beber em companhia de amigos e parentes. Um acontecimento quase festivo para mim. Dizem que sou boa na cozinha que meus quitutes encantam os que já tiveram o privilégio de degustar meu arroz paraense ou minha maniçoba, o cozidão de rabada e peito(famoso entre os jornalistas mais antigos)ou um vatapá, caruru, feijoada...
Rituais planejados com carinho, embalados pela MPB, principalmente o Chico Buarque, mas que abre espaço para o Chico César, João Bosco, Tim Maia, Miúcha, Tom, Caetano... Um cardápio, como dá pra perceber, fundamentado na gordura, no excesso de caloria.
Coisas do passado ...
O ruim está em pensar com mais freqüência na morte, na mutilação, nas dores, limitações. Se ter a certeza da efemeridade, de que a eternidade não é humana como algumas vezes julgamos. O presente chama-se presente porque é um PRESENTE. Ele é a nossa única certeza. O hoje.
Não vislubrar com nitidez o futuro me angustia. Como viverei, estarei, agirei daqui a seis meses, um ano ? Ahh... é angustiante demais. Justo eu que sempre gostei de me planejar com bem antecedência. Raramente faça algo por impulso. Avalio prós e contras e só aí meto a cara sem volta.
Mas o câncer veio para me dar presentes também. E ontem recebi mais um.
Por volta das 19 horas de Belém recebi um telefonema de Brasília. O grupo de colegas que como eu integra a comissão encarregada de analisar as propostas de projeto das área de Comunicação e Transferência de Tecnologia ligou para dizer que estava sentindo a minha falta e me desejar pronta recuperação. Kátia, Lineu, Araê, Sumara, Raul e Robinson me fizeram rir, sentir saudade e acreditar que no próximo ano talvez volte àquela atividade exaustiva e ao mesmo tempo tão engrandecedora.
Nunca, em momento algum, pensei que um dia chegaria a esse topo. Avaliar o que todos os outros colegas das Unidades da Embrapa do país inteiro propõem é muita responsabilidade, mas ao mesmo tempo um grande reconhecimento. São cinco dias a cada semestre com oito, dez horas muito cansativas, mas de aprendizagem intensiva. Um privilégio ler, discutir e dividir com pessoas tão competentes essa tarefa.
Não chorei, mas senti vontade. As vozes familiares. Cada um com seu sotaque, indicando a diversidade regional na representação e a peculiaridade na demonstração explícita do seu afeto.
A Kátia doce, meiga como sempre. Irmãzona. O Lineu com a voz forte do gaúcho falando de saudade e se despedindo, já que não estará mais no grupo no próximo ano. A Sumara eufórica com o casamento, esbanjando felicidade. O Raul mais moderado, mais formal, mas sincero demais nos votos de saúde. Tem ainda o Araê, equilibrado, moderado, voz serena. O professor da turma. E o mais novo do grupo que em breve será o grande maestro : o Robinson. Amigo que desde o primeiro olhar sabíamos que teríamos uma história. O tempo só tem ratificado a cumplicidade e confiança.
Falei com cada um. Senti cada afago, imaginei o olhar e agradeci por estar tendo o privilégio de usufruir de tantas demonstrações de afeto. Colegas, amigos que construímos ao longo da vida e que agora dão seu testemunho de que o caminho trilhado era o mais viável.
Felizmente estou tendo tempo para me abastecer desse carinho...
Poderia ser pior ...

quinta-feira, 8 de novembro de 2007

E a vida continua ...

Se por um lado posso dar uma pausa nas atividades na Embrapa, ter o tempo que neste momento necessito, há outras que prosseguem naturalmente. O cursos de especialização da Unama está na fase final. Aulas de reposição e a monografia me separam do título e não posso recuar agora.
Gosto daquele ambiente onde pessoas adultas, maduras, cheias de responsabilidades e compromissos voltam a ser crianças. Alexandre, Andrea Cunha, Andrea Lima, Rogério, Anete, Juliana, Erika, Anderson, Fernanda, Danielle, Samira, Èlida, Natasha, Fernando Jares, Ana Tereza uma turma pequena e muita unida. Hoje os reverei. Abraços apertados, beijos demorados de alegria e saudade É a primeira turma de Comunicação Institucional na Amazônia. Preciso estar motivada para concluir o curso. A Embrapa financiou e não posso voltar atrás. Mas há momentos que me pergunto para quê ?
Tem ainda a FAZ. Terminarei o semestre como havia planejado e ainda estou discutindo com a direção uma proposta de reestruturação da Assessoria de Comunicação da instituição. Uma atividade dinâmica, para hoje, sem muitos planos para o futuro. Não preciso me lançar para daqui a seis meses, um ano. É o presente. O que vivo neste momento.
A vida continua, mesmo que eu esteja diferente, mesmo que já não seja a mesma, mesmo que o mundo tenha outro significado agora para mim.
Pego-me olhando o Raul demoradamente e perguntando-me como ele estará daqui a mais 10 anos, aos 26 anos. Espero que tão responsável, sério e decidido como hoje. Sim, ele é um rapaz decidido, firme em suas posições, ideais e valores. Não suporta bebidas ou cigarro, o que me dá uma enorme segurança. Não puxou à mãe. Bebi até uns três meses atrás e fumei durante muitos anos. Felizmente está fazendo o que eu disse. Não o que eu fiz.
A Anaterra ainda uma criança que agora aflora, que começa a perceber as mudanças em seu corpo. Linda. Eu acho que ela é linda (toda mãe acha sua cria linda. Até as corujas) com os longos cabelos negros, traços indígenas e um belo sorriso. Como ela será daqui a 10 anos, próximo dos 22 ?
Perguntas sem respostas...

quarta-feira, 7 de novembro de 2007

O novo cotidiano

Felizmente as mudanças existem. Muitas abruptas que nem permitem racionalizá-las. Outras mais lentas que conduzem à reflexão, à reestruturação diária.
Estou passando por muitas...
Dias atípicos com atividades novas, ocupações até então inexistentes, horários alterados. Uma reorganização mental e física.
Começa pelo despertar sem pressa com permissão até para assistir os telejornais ainda na cama. Um café da manhã demorado, com ingestão de produtos que não eram habituais como queijo branco (preferia o cheda, o prato ou o do Marajó), leite de cabra (nunca gostei de leite), frutas in natura (tomava suco) e o mais difícil : sem pão (adoro pão !).
Não estou indo à Embrapa. Uma decisão dficíl, mas necessária. Pensei muito, avaliei demais e com a ajuda da terapeuta o veredicto : Embrapa só depois da establiziação das doenças. Da saúde plena.
São quase 24 anos de dedicação intensa, de mergulho em desafios e muitas vitórias, mujitas conquistas. Muita aprendizagem, muitas descobertas, muitos amigos, mas não sinto-me bem em voltar.
Como centro de pesquisa e que tem uma administração organizada, rígida e que busca cumprir metas, a Embrapa planeja-se demais e eu não estou em condições de me planejar para os próximos meses. Como vou fazer meu SAAD para 2008 (o sistema de avaliação e acompanhamento de desempenho ) se não sei como estarei em janeiro ? Como posso assumir compromissos de editar informativos, de pautar matérias, de propor eventos, de alinhavar parcerias, estimular relacionamentos com a Mídia se nem sei se estarei trabalhando em março ou abril ? Como assumir projetos se não tenho a mínima noção se estarei andando ou vomitando em maio ?
Minha vida é uma icógnita ...
É óbvio que ninguém sabe o seu amanhã, que nem mesmo os mais saudáveis podem garantir a vida dentro das próximas horas. Mas eu possa assegurar que existe grande probabilidade de eu não estar bem nos próximos meses.
Não sou mais a mesma e nunca mais serei !!
Por mais que algumas pessoas tentem banalizar o câncer, ele é eterno. Quando sabemos que temos a doença, ela já está instalada há muito tempo. Silenciosamente, como um inimigo mudo, traiçoeiro que ataca devagar.
Serão idas e voltas constantes. Um dia bem, outro cheio de dores. Uma manhã de sol outra nublada. Uma noite de gargalhadas outra de lágrimas. Um dia alegre, outro depressivo e assim vivendo até quem sabe uma bala perdida ou um acidente de trânsito (ou de avião, mais em moda utimamente) me leve definitivamente.
Não conseguirei estar na Embrapa pela metade. Sou intensa demais, quero tudo perfeito, completo, sem erros, o melhor que eu consigo. Minhas limitações psicológicas e em breve físicas me impedirão de continuar agindo assim.
Também não aceitarei ser preservada, realizar apenas trabalhos mais leves, menos estressante como uma iniciante, uma inválida. Vou ficar mal...
Estou oficialmente de licença e creio que permanecerei ainda por muito tempo.
À disposição sempre para opinar, realizar algo aqui e ali, mas sem compromissos empregatícios, sem SAADs, sem horário, relatórios, balanços, planejamentos.
Cobraria principalmente de mim por não estar sendo a empregada, a jornalista que sempre fui.
Necessito dessa parada estratégica.
Quem sabe um dia eu volto ...

terça-feira, 6 de novembro de 2007

Meu limão

Conhecer as pessoas, descobrir o que está em seu íntimo, analisar (re)ações, percepções; avaliar emoções sempre me encantou muito. O desvendar do que não está explícito é apaixonante. Por isso faço terapia, por isso busco nos conhecimentos dos psicólogos e psiquiatras uma melhor compreensão do meu eu. Esse encantamento tem mais de dez anos quando as fobias ficaram muito latentes e começaram a interferir na minha qualidade de vida. Medo de quase tudo, temores infundados, percepções doentias e que me maltratavam sempre. Era como se houvesse um diabinho e um anjinho dentro de mim sempre em eterno conflito.
Fui procurar ajuda. Racionalmente sabia que tinha algo errado. Mas não tinha controle sobre o que a minha mente doentia produzia.
Cresci demais ao me desnundar internamente. Permiti ir ao fundo do poço do meu eu e o terremoto de sentimentos que aflorou se por um lado trouxe muita dor, por outro permitiu que eu passasse a conviver melhor comigo, com as minhas fragilidades, meus temores e certamente melhor com os outros também. Passei a saber quem sou eu de fato.
Considero fundamental olhar com outros olhos tudo aquilo que eu não tenho competência para ver. Olhos de profissionais que enxergam além das emoções. Que teorizam encima do que fiz, do que penso, de como ajo e reajo diante de situações mais conflitantes. Como essa agora. Importante conhecer-me para administrar os medos, as superações, as recuadas e ainda sonhar.
Sei que há limões mais azedos do que outros, mas sei também que posso transformá-los em deliciosas limonadas e se duvidarem em saborosas caipirinhas. É o que estou tentando agora.
A doença está aí, as limitações que vão da alimentação ao trabalho, mas não parei um só minuto. Não quero ter piedade de mim.
Choro sim, principalmente no silêncio da noite ou quando as situações me fragilizam. Tenho medo dos tratamentos de quimioterapia, dos medicamentos fortes que ainda tomarei para que o câncer não atinja outros lugares do meu corpo. Sei que ainda vou sofrer muito diante da expectativa que me acompanhará durante toda a vida. Quem tem câncer nunca mais se livrará da ansiedade dos exames em busca de metástases ou recisivas. Ou da surpresa desagradável das células enlouquecidas se apossarem de outros órgãos.
Mas meu mundo não é só isso. Tenho lido demais. Livros que estavam mofando na estante por falta de tempo. Nos últimos anos minha dedicação era quase exclusiva ao Wilson Bueno, Paulo Nassar, Gaudêncio Torquato, Margarida Kunsch, Jorge Duarte ou outros fantásticos teóricos da Comunicação Institucional. Hoje estou lendo O Segredo e o livro mais recente da Lia Luft. Tem mais uns dez aguardando a vez.
Estou iniciando uma reforma no nosso quarto. Escolho tintas, reformo móveis e quero cores vivas, alegria estampada na parede.
Tenho este blog, as comunidades que a cada dia fortalecem mais os laços dos que estão passando por situações similares, os amigos presentes e os que se comunicam pela Net. Tanta coisa para fazer...
Ahhh... meu limão não é tão azedo assim. Por enquanto só posso tomar a limonada (com adoçante ou açúcar mascavo), mas sei que no futuro uma caipirinha me será solenemente servida.

segunda-feira, 5 de novembro de 2007

Meu SUPERCARTÃO

Que belo presente ! Não pelo seu valor monetário, mas pelo simbolismo, pelo que ele representa. Ontem a Renata (a chefinha) e a Célia Libardi fizeram a entrega do SUPERCARTÃO que os colegas da área de Comunicação da Embrapa e que estavam no encontro em Brasília enviaram para mim.
É quase indescritível o que senti.
Uma paz enorme recheada de alegria, emoção, bem querer, poesia, doação, admiração, respeito,afago. É como se cada um tivesse me abraçado individualmente.
São mais de 50 bilhetinhos espalhados no enorme papelão. Uns mais longos como o do Robinson ("Os corredores deste hotel ficaram sem o cheiro teu, sem o odor de patichouli amazônico... Nossos debates ficaram sem uma voz forte, determinada em tocar em pontos que muita gente evita tocar ...Mas tudo bem : você está aqui em nossos corações e nas nossas mentes") ou mais concisos como os do Clênio ("Volte logo ! Saúde!") ou da Kátia ("Muita Luz. Amo você !).
Expressão materializada da união de pessoas tão diferentes, que vivem em lugares tão antagônicos, mas que estão unidos pelos mesmos objetivos, que buscam os mesmos resultados. O suficiente em um primeiro momento para se aproximarem e se aliarem. O tempo, porém, nos revela mais do que isso. Explicita identificações, similaridades e cria laços. Como os que sinto quando olho o SUPERCARTÃO.
Visualizo cada rosto, cada característica. São individualmente diferentes, mas sinto a força positiva que emana do grupo. A sinceridade contida nas palavras.
Não compareci ao encontro. Poderia ter ido, já que estou bem disposta, sem sentir dor ou qualquer outro tipo de incômodo. Mas estou evitando planos a médio/longo prazos. Preciso viver o presente. Meus planos são para no máximo amanhã.
Não seria uma boa companhia. Meu riso não seria tão espontâneo e freqüente. Minhas intervenções talvez não fossem tão convincentes e a minha contribuição insignificante.
Não sairia para tomar uma chope depois do dia cansativo e nem poderia saborear os excessos que sempre marcam esse tipo de encontro.
Seria uma Ruth pela metade.
O SUPERCARTÃO, contudo, demonstrou que eu estive semana passada em Brasília. Fui acariciada, acarinhada, colocada no colo por cada um dos que assinaram aquela emblemática demonstração de amizade e respeito.
Saibam que vocês me fizeram muito, muito feliz.
Obrigada !

domingo, 4 de novembro de 2007

Uma leve amnésia ...

Em dias como esse, de grande movimentação, chego a esquecer que estou em tratamento. Pouca coisa dói. A aparência é a mesma. O cabelo está como sempre (só mais curto), as roupas são as mesmas (as poucos ficando frouxas)e a rotina parece inalterável. Sei que não é real. Não estou de férias como algumas vezes chego a me iludir. A proximidade que tenho com os filhos, tão rara no cotidiano corrido entre aulas, jornalismo e os afazeres domésticos, me conduz às deliciosas férias que temos passado juntos. Ouro Preto, Santarém, Fortaleza,Brasília semanas inteiras de grande convivência exatamente como agora. Só que preciso acordar.
Este momento é de tratamento, de fortalecimento do fígado. Ontem senti pela primeira vez o quanto é difícil resistir. Aniversário do meu sobrinho Rultinho, pizzas, bolos, coca e eu tomando chá de canela com leite de cabra. Fiquei arrasada. Mas já passou.
Na sexta-feira, feriado de Finados, fomos à Estação das Docas. A Anaterra e Leonardo (o sobrinho mais novinho) se deliciaram com o grupo do Cata Lendas. Ontem, sábado, pela manhã Ver-o-Peso pra comprar peixe fresco. Mais uma vez o divertido Leonardo nos acompanhou. À tarde shopping Castanheira e à noite o aniversário. Hoje um almoço barulhento em família e alguns amigos. Peixe (tainha) na brasa, salada, baião-de-dois e muita conversa, música (só samba, rock, nada de música triste !).
Uma leve amnésia toma conta de mim. Tenho dormido sem pensar na doença (ou doenças ?), sem me lastimar por estar adiando tanto a cirurgia. Não tenho sofrido antecipadamente nem viajado em cenas dramáticas.
Preciso viver intensamente cada dia e com a felicidade me rondando.
Quero me abastecer para encarar os dias difícies que estão por vir ...

sábado, 3 de novembro de 2007

Por que falar ?

Sempre fui escancarada. Minha vida tem poucos, raríssimos segredos. Falar, escrever, comunicar, discutir, analisar, entender, conversar, ajudar, dividir são algumas das minhas ações mais rotineiras. Minhas caracterísitcas explícitas.
Sei que existem pessoas que preferem se calar, se reservar o direito de serem as únicas conhecedoras de seus íntimos. Compreendo e respeito. Eu, porém, necessito verbalizar sentimentos, apreensões, alegrias, medos. E falar da doença, especificamente do câncer, tem me ajudado a desopilar o pensamento, a organizar as emoções, a penetrar mais fundo no que me atemoriza.
Não quero piedade ou fazer um marketing pessoal em torno da doença. Fundamental neste momento é ter a exata dimensão do que ela representa em minha vida e o quanto interferirá nos meus planos, no meu futuro. Conversar com pessoas (sobretudo as da comunidade de Combate ao Câncer de Mama)tem me permitido visualizar um novo mundo. Assustador pela dor, pelas mudanças radicais que vão do visual ao social, mas proporcionalmente intenso, corajoso, superador. Ali estão pessoas que lutam contra o câncer há anos que tiveram recisivas, metástases, mutilações e que não se entregaram. Vivem cada dia como se fosse o último. Não o último de despedida, mas de renovação. Que na sua dor encontram tempo e generosidade para acalentar os outros, os que acabam de chegar, como eu, ainda perplexos por descobrir que uma doença que parecia tão distante de mim, estava se fortalecendo e crescendo em minhas entranhas.
Falo para os filhos com naturalidade. Eles têm acompanhado "pari-passo" os exames, as consultas, meus medos e conquistas. Nem mesmo minha mãe, de 72 anos, está sendo preservada. Não quero mentiras. Dos médicos quero a verdade completa mesmo que ela doa. Ao saber dos meus limites procurarei vencê-los, um a um, mas ao ignorá-los ficarei sem armas. Apática, indefesa e antecipadamente derrotada.
Meus alunos e ex-alunos sabem das idas e voltas. Das cirurgias transferidas, das complicações hepáticas. Sem pedidos de piedade. Apenas olhando nos olhos, comunicando, informando que terminarei o semestre junto com eles. O que me dá uma enorme alegria. A sinceridade de cada palavra, cada olhar me renova e me dá a certeza de que falar, dividir, me apoiar nos que estão próximos é fundamental para mim.
Para outros, enfrentar a curiosidade e até a piedade incomoda. Para mim é imprescindível sentir a solidariedade, a amizade, o carinho, a preocupação.
Preciso me aconchegar nesses colos que estão disponíveis.
Por isso eu falo ...

sexta-feira, 2 de novembro de 2007

O câncer que veio salvar o fígado

Inevitáveis as mudanças. Primeiro o impacto de se ter um câncer. Desespero seguido do esforço para tentar entender. Nunca o banalizei como algumas pessoas próximas tentaram me convencer. Câncer é câncer e pronto. Ponto ! Obviamente que há tumores mais agressivos, em órgãos vitais e que quando descobertos em um estágio avançado quase nunca representam uma sobrevida com qualidade e quase normalidade.
Felizmente não é o meu caso.
Concordo com os que dizem que tive sorte ao descobrir em um preventivo um com menos de 1 cm, no seio etc.. etc..
Mas sorte grande parece ter tido o fígado. Dificilmente ele seria tão vasculhado, interrogado, questionado em exames de sangue, urina, ultrassom, ressonâncias se não houvesse um câncer no caminho, atropelando-o.
Desde agosto me afastei do álcool (uma exceção foi aberta apenas no aniversário do Raul dia 23 de setembro)e tão logo soube do câncer minha alimentação passou por mudanças radicais.
Se assim não fosse, neste momento de final de semana prolongado estaria em Mosqueiro, Salinas ou Ajuruteua fazendo tudo o que eu gosto e que o fígado abomina : muita cerveja à beira da praia para amenizar o baita calor (mentira !!) devidamente acompanhada de deliciosos camarões, caranguejos e peixes com muita pimenta de cheiro e farinha d'água.
Não posso mais sonhar com esses prazeres. Tenho que encontrar outros. O fígado está regulando a minha vida, avisando-me que preciso rever meu estilo de vida. Nada de cervejas, cigarros (ufa, esse está há 15 anos distante de mim !)ou comidas politicamente incorretas.
Além dos livros, Net e TV, agora meus programas têm que incluir locais que não signifiquem comer ou beber. Mais shows, mais praças, mais parques, mais museus. Na bolsa maçãs e peras e a certeza de que agindo assim estou evitando complicações que podem ser mais graves que o câncer.
Bem.. este está agora na espera.
Começo a achar que o câncer veio para salvar meu fígado e me salvar.

quinta-feira, 1 de novembro de 2007

O fígado !

De novo o fígado adia a cirurgia. Não sei se fico triste ou comemoro. Mas creio que tenho mais motivos para ficar feliz. Órgão silencioso, essencial e misterioso. Sofre calado. De repente uma indicação, nos exames pré-operatórios, de que algo atípico estava acontecendo com ele. Tudo bem que sempre tive esteatose hepática (as gorduras que se acumulam), mas isso nunca foi visto pelos médicos como preocupante.
Mas agora é diferente. A cirurgia será demorada (tem a reconstrução mamária) e depois quimios, radios, medicamentos fortes etc tudo isso junto poderia trazer conseqüências gravíssimas. Felizmente o que deveria ser um exame de rotina, levou à pesquisa e à necessidade dele ser fortalecido para enfrentar o que ainda virá.
O fato de eu já ter tirado o nódulo do seio tranqüiliza os médicos e a mim, obviamente. Posso esperar, posso ter esse tempo para fortalecer um órgão que será fundamental no processo de combate ao câncer. Impossível tratar o câncer sem antes tratar o fígado.
Já estou achando que o câncer veio para me alertar sobre o fígado ...
O clínico geral (aquele que admiro e confio) tinha razão : hepatite gordurosa, que deve ter também resquícios de outras hepatites como alcoólica, medicamentosa (o zoloft é terrível ! e os antibióticos após a primeira cirurgia também).Um diagnóstico que exigirá de mim muita disciplina e força de vontade.
Dieta rigorosa sem pão, massas, doces (ah... tem ainda uma pré-diabete !) muita verdura, legumes, frutas e leite de cabra. Chopes, cerpinhas ? nem pensar.
E mais exames : uma ultrassonografia para determinar o nível do comprometimento, o tamanho das placas gordurosas. Nova aflição, nova expectativa. Felizmente só dentro de dez dias.
A nova data das cirurgia ainda está indefinida. Talvez início de dezembro. Prometi a mim mesma que não ficarei mais ansiosa. O dia será o que Deus quiser, que Nossa Senhora de Nazaré decidir e com muita segurança em seu êxito. É o que importa !
Em frente !