Hoje eu fiz, na clínica de Campinas, o que tentei durante um bom tempo fazer em Belém: pelo menos iniciar os procedimentos que denotam que estou começando o tratamento. Percebi que ele incluiu muito mais do que faria no Ophir Loyola. Lá nunca haviam me falado em tomografia computadorizada como parte do planejamento e pela manhã fiquei novamente dentro daquele tubo com crises quase incontroláveis de claustrofobia. Duas jovens, que me pareceram médicas, monitoravam o exame e com muito profissionalismo me conduziram sem nenhum atropelo até o final.
Ufa ! comecei !
Se por um lado isso me tranqüiliza, por outro fiquei apreensiva quando me explicaram que ficarei aguardando por um telefonema que deverá acontecer dentro de cerca de sete dias, informando que a radio propriamente dita terá início. Isso significa que meus planos iniciais de 40, 45 dias deverão ser acrescidos de mais 10 dias. Um desafio que tento não pensar demais, não valorizar muito, mas que me perturba.
Preciso me concentrar em outros focos como esse contato com o mundo da clínica que me fez muito bem. Ratifiquei que acertei ao tomar a decisão de vir. Há pessoas sem cabelos, pálidas, com andar trêmulo ou mesmo de cadeiras de roda, mas há cordialidade no tratamento, há limpeza e bom atendimento. A espera é confortável. Consegue-se assistir televisão por completo, compreender o que está sendo dito na telinha. Bem diferente do aparelho que tentava entreter as pessoas no nosso hospital “referência” de Belém. Inaudível, interferência das máquinas, segundo alguns. Ao contrário de ajudar a passar o tempo, só nos deixava mais irritados por não compreender o que estava sendo veiculado.
Diferenças visíveis outras mais sutis, como um banheiro limpo, uma água à disposição e pessoas que ali estavam tentando minimizar a dor dos que já estão sofrendo muito só de se saberem portadores de câncer.
Preciso resolver ainda a questão de onde ficar durante tanto tempo. Não consigo encontrar uma hospedagem como queria, como inicialmente imaginara em Belém. O flat com quem negociava não respeitou o acordo e ofereceu-me outro preço. Quase o dobro ! Os outros similares não têm vaga e não gostaria de ir para um hotel tradicional, aqueles fechados, quarto e banheiro. Ficar 50, 60 dias enclausurada não me fará bem. Terei tempo de sobra para estudar, escrever, conversar com amigos pela Net e fazer isso em um minúsculo quarto de hotel não me agrada. Quero ter a oportunidade de fazer uma comidinha de vez em quando, ter uma geladeira para guardar minhas frutas, meu leite. A outra alternativa é alugar um kit-net por temporada. Oxalá consiga ! A Vera está sendo um amor de pessoa, mas o quarto que estou ocupando é de sua mãe e em maio ela virá para ocupá-lo.
Enquanto resolvo esses imprevistos, me inscrevo em um workshop que vai acontecer durante todo o sábado promovido pelo Sindicato dos Jornalistas sobre media training. Uma oportunidade rara de aprender e de ter uma noção comparativa dos cursos que tenho ministrado nessa área, atendendo convite de colegas como a Soraya e a Daniela.
A vida continua ...
Quem sou eu
- Ruth Rendeiro
- Belém/Ribeirão Preto, Brazil
- Amazônida jornalista, belemense papa-xibé. Mãe, filha, amiga... Que escreve sobre tudo e todos há décadas. Com lid ou sem lid e que insiste em aprender mais e mais... infinitamente... Até a morte
Aos que me visitam
Sintam-se em casa. Sentem no sofá, no chão ou nessa cadeira aí. Ouçam a música que quiser, comam o que tiver e bebam o que puderem.
Entrem...
Isso aqui está se transformando em um pedaço de mim que divido com cada um de vocês.
Entrem...
Isso aqui está se transformando em um pedaço de mim que divido com cada um de vocês.
Antes de sair me dê um abraço, um afago e me permita um beijo.
Arquivo do blog
- janeiro (7)
- outubro (1)
- julho (2)
- maio (1)
- abril (1)
- fevereiro (5)
- dezembro (1)
- outubro (2)
- setembro (1)
- maio (1)
- abril (1)
- março (3)
- fevereiro (1)
- janeiro (1)
- novembro (8)
- setembro (2)
- julho (1)
- junho (2)
- maio (2)
- abril (1)
- março (2)
- fevereiro (1)
- janeiro (3)
- dezembro (4)
- novembro (2)
- outubro (4)
- setembro (6)
- agosto (5)
- julho (6)
- junho (11)
- maio (10)
- abril (13)
- março (6)
- fevereiro (9)
- janeiro (14)
- dezembro (22)
- novembro (26)
- outubro (32)
- setembro (4)
quinta-feira, 24 de abril de 2008
quarta-feira, 23 de abril de 2008
Buscando a rotina
Já em terra, depois de ter dormido bem, ter encontrado uma pessoa dócil, solidária e disponível, agora tento planejar meus dias futuros. Sinto-me ainda meio perdida, sem saber exatamente o que acontecerá nos próximos dias. A Vera e sua filha Júlia me acolheram em sua linda casa como se fôssemos velhas amigas e não apenas colegas de trabalho. Um quarto delicioso, uma cama confortável, um ambiente fraterno, tudo o que preciso neste momento. A Embrapa tem dessas coisas ... Trabalhar na empresa passa a ter uma conotação de entrar em uma grande família. Passamos a ser reconhecidos como parentes, mesmo os que nunca se encontraram. Uma parceria que extrapola o trabalho em si e que invade nossas vidas. Estou comprovando isso mais uma vez !
Hoje tive que agilizar, por conta própria os trâmites burocráticos entre a Unimed Campinas e a clínica. Sabia que tinha que vir pra cá. Como em qualquer lugar do Brasil a burocracia prevalece, mesmo que do outro lado esteja a doença. Obstáculos inadmissíveis A autorização já existia, mas não fora enviada no malote. Amanhã, quem sabe, me falou com delicadeza a jovem atendente. Amanhã ? Nunca !! Um dia para um documento chegar na mesma cidade ? Vou apanhá-lo então. Depois da minha proposta meio inusitada, resolveram enviar um segundo malote e à tarde a autorização finalmente chegou. Farei a tomografia, depois a programação e enfim as sessões de radio. Começo a achar que ficarei aqui bem mais tempo do que imaginava. Tenho medo de não suportar a saudade...
Uma saudade que hoje é amenizada com tantas demonstrações de carinho. Pela Net ou telefone e que foram desencadeadas pela belíssima homenagem que o Elias Pinto fez ontem, em sua coluna, no jornal Diário do Pará. Amigos que não precisam estar sempre ao nosso lado, mas que sabemos fiéis, presentes. Chorei com a demonstração pública de carinho, mas espero que essa exposição que assumo ser consciente, tenha resultados muito além da minha felicidade particular, no prazer em me descobrir tão querida, tão amada. Desejo, sem nenhuma hipocrisia, que os que podem mudar essa triste realidade de Belém também tenham lido o Diário de ontem e que não apresentem tão somente aquelas frases feitas que nada mudam neste cenário macabro de abandono.
Pessoas que estão longe enviaram suas doces e carinhosas mensagens como o Ricardo Figueiredo, da Embrapa de Belém, que me escreveu da Georgia (USA) onde faz pós-doutorado; o Miguel Oliveira de Santarém, a Lourdinha Bezerra pelo telefone de manhã cedo e outros que não conheço, mas que se solidarizaram com a causa ou viveram algo parecido.
Não quero piedade, mas apenas usar a arma que mais conheço: a imprensa, a manifestação pública, o direito de se posicionar. Estou bem porque tenho um câncer em uma fase inicial, com bons prognósticos, grande possibilidade de cura, oportunidade de viajar para um centro com mais recurso, um bom emprego, muitos amigos e colegas, um marido presente, um pai moderno e participativo, uma mãe que olha pelos meus filhos, uma senhora que nos ajuda nos trabalhos domésticos há 15 anos, irmãos, cunhada e dois filhos que estão amadurecendo mais rapidamente, mas que não surtaram, que estão enfrentando esse momento com maturidade e seriedade. Mas e os outros ? Quantos têm tantos privilégios ? Quantos podem se dar o luxo de estar sendo abençoada em todos os aspectos ? Quantos têm o direito a lutar pela vida como eu estou fazendo ?
Agora é me preparar e rezar para que tudo corra mais rápido e os dias, que ainda não comecei a marcar no calendário, passem rapidamente.
A Internet está sendo uma grande aliada para minimizar a saudade. Pela manhã conversei com a Anaterra e há pouco com o Raul. Infelizmente só não posso abraçá-los...
Hoje tive que agilizar, por conta própria os trâmites burocráticos entre a Unimed Campinas e a clínica. Sabia que tinha que vir pra cá. Como em qualquer lugar do Brasil a burocracia prevalece, mesmo que do outro lado esteja a doença. Obstáculos inadmissíveis A autorização já existia, mas não fora enviada no malote. Amanhã, quem sabe, me falou com delicadeza a jovem atendente. Amanhã ? Nunca !! Um dia para um documento chegar na mesma cidade ? Vou apanhá-lo então. Depois da minha proposta meio inusitada, resolveram enviar um segundo malote e à tarde a autorização finalmente chegou. Farei a tomografia, depois a programação e enfim as sessões de radio. Começo a achar que ficarei aqui bem mais tempo do que imaginava. Tenho medo de não suportar a saudade...
Uma saudade que hoje é amenizada com tantas demonstrações de carinho. Pela Net ou telefone e que foram desencadeadas pela belíssima homenagem que o Elias Pinto fez ontem, em sua coluna, no jornal Diário do Pará. Amigos que não precisam estar sempre ao nosso lado, mas que sabemos fiéis, presentes. Chorei com a demonstração pública de carinho, mas espero que essa exposição que assumo ser consciente, tenha resultados muito além da minha felicidade particular, no prazer em me descobrir tão querida, tão amada. Desejo, sem nenhuma hipocrisia, que os que podem mudar essa triste realidade de Belém também tenham lido o Diário de ontem e que não apresentem tão somente aquelas frases feitas que nada mudam neste cenário macabro de abandono.
Pessoas que estão longe enviaram suas doces e carinhosas mensagens como o Ricardo Figueiredo, da Embrapa de Belém, que me escreveu da Georgia (USA) onde faz pós-doutorado; o Miguel Oliveira de Santarém, a Lourdinha Bezerra pelo telefone de manhã cedo e outros que não conheço, mas que se solidarizaram com a causa ou viveram algo parecido.
Não quero piedade, mas apenas usar a arma que mais conheço: a imprensa, a manifestação pública, o direito de se posicionar. Estou bem porque tenho um câncer em uma fase inicial, com bons prognósticos, grande possibilidade de cura, oportunidade de viajar para um centro com mais recurso, um bom emprego, muitos amigos e colegas, um marido presente, um pai moderno e participativo, uma mãe que olha pelos meus filhos, uma senhora que nos ajuda nos trabalhos domésticos há 15 anos, irmãos, cunhada e dois filhos que estão amadurecendo mais rapidamente, mas que não surtaram, que estão enfrentando esse momento com maturidade e seriedade. Mas e os outros ? Quantos têm tantos privilégios ? Quantos podem se dar o luxo de estar sendo abençoada em todos os aspectos ? Quantos têm o direito a lutar pela vida como eu estou fazendo ?
Agora é me preparar e rezar para que tudo corra mais rápido e os dias, que ainda não comecei a marcar no calendário, passem rapidamente.
A Internet está sendo uma grande aliada para minimizar a saudade. Pela manhã conversei com a Anaterra e há pouco com o Raul. Infelizmente só não posso abraçá-los...
terça-feira, 22 de abril de 2008
Literalmente no ar
Pretendia escrever antes, mas viajar por um período mais longo é sempre complicado. São preparativos intermináveis que complicam nossos dias, reduzem nossas horas. O final de semana também foi movimentado com almoço em família e mais a Ieda e a tia Jorgete, como convidadas especiais. Uma festa com gosto de despedida embora ninguém falasse essa palavra. Mas ela estava no ar. Ontem à noite a colega e atual chefinha, Renata Baia e o Jorge, seu namorado, também foram em casa. Um gesto delicado e gentil para me desejar boa viagem, bom tratamento e breve retorno. A alma agradece.
Neste momento estou a sei lá quantos mil pés do solo, no vôo 3539 da Tam, Belém direto Congonhas, pouco mais de três horas de viagem. Tento passar o tempo, não pensar demais, embora os olhos ainda estejam vermelhos, ardendo. Não deu pra segurar as lágrimas na partida. Raul, Anaterra e Manoel ficaram e eu estou sozinha aqui. Disse aos filhos que estou fazendo tudo isso principalmente por eles. Quero viver mais e ter uma qualidade de vida boa para acompanhar seus próximos anos, vê-los mais maduros, mais seguros, mais felizes. De preferência andando com os seus próprios pés. Acho cedo para partir definitivamente.
Eles têm reagido bem a tudo isso, demonstrado uma grande maturidade e compreensão às limitações que agora me são impostas. A prioridade que a doença tomou em minha vida. Não escondi nada, sempre falei aberta e sinceramente da doença, dos meus medos, do tratamento, da esperança, da fé, dos temores. Várias vezes me viram chorar. Como há pouco antes do embarque. Não foram lágrimas sutis e silenciosas. Mas um choro demorado, doído, explícito. Viajei com muita coisa nova na cabeça, muitos pensamentos que deixariam Alfred Hitckok fascinado. Desde passar mal e ter que me hospitalizar até morrer e o corpo ter que ser transportado para Belém. Devaneios de uma mente doente, criativa e ainda perplexa pelo inusitado, pelas descobertas. Elucubrações que até Deus duvida, mas que povoam meus silêncios, as conversas solitárias que me acompanham e me perturbam.
Já tive muito medo de avião. Medo não, pânico. Chorava desde à véspera e me desesperava com a decolagem, aterrissagem, qualquer barulhinho estranho. Até o semblante das aeromoças tinha uma leitura especial para mim: bastava uma ausência de sorriso para eu achar que elas estavam apavoradas e que algo de ruim estava acontecendo. Hoje, ainda tenho medo, mas já é controlado. Consigo até escrever e cochilar.
A cabeça se ocupa em tentar imaginar como serão esses próximos dias, como vou suportar tanto tempo longe de casa, dos meninos, da mamãe, do Leonardo. Ele fez a minha alegria nesses dias recentes. Parecia, em sua inocência, saber que eu ficaria ausente mais do que o habitual. Tivó pra cá, tivó pra lá e um chamego sem precedente. Estava me abastecendo de carinho.
Agora não tem volta Sei que é o melhor pra mim, sei que não há outra alternativa e que se não agisse dessa forma não me perdoaria pelo resto da vida. Posso ir, é preciso ir. O meu mastologista é um dos meus maiores incentivadores e tem certeza que tomei a decisão mais correta.
Temo apenas não ter estrutura suficiente para segurar a barra, manter-me firme quando os dias se tornarem longos demais, não deprimir, não entristecer demais. Uma semana, dez dias de afastamento são comuns em minha vida e sempre por motivos mais prazerosos, quase sempre relacionados ao trabalho. Agora é diferente. Vou pra me tratar, não sei como meu organismo reagirá, quais os efeitos colaterais que terei que enfrentar e não lá não estará a Anaterra para me trazer água no quarto ou o Raul para ir apanhar uma sacola mais pesada. O Manoel não irá ao supermercado comprar minhas frutas nem a mamãe ou a dona Lúcia farão meu cafezinho a qualquer hora. Vou sentir muito essas ausências. Alia-se a tudo isso o temor de deixar os filhos e eles terem algum problema sem que eu esteja perto. De novo a presunção de mãe. Assaltos, brigas, acidentes, uma doença qualquer, uma desilusão mais dolorosa, uma frustração que eu pudesse amenizar, mas estarei longe. Bem sei que a minha presença não impedirá quaisquer desses acontecimentos, mas a proximidade parece nos transformar em super mulheres a que tudo impedem, tudo evitam de acontecer de mal as nossas crias. Sei que não é assim...
O vôo prossegue. O lanche já foi servido (melhor que as barrinhas de cereais da Gol) e a maioria dorme. Procuro ocupar-me lendo e escrevendo e tentando arrumar mentalmente esses primeiros dias em Campinas. Ficarei em princípio na casa da Vera, uma colega da Embrapa que como outros, gentilmente me ofereceram alojamento. Vamos procurar com calma um local onde possa ficar o restante dos dias.
Tenho tido sorte nos meus planejamentos e nas oportunidades que têm surgido. Não precisarei ir de mala e cuia de Sampa para Campinas. Como a Vera foi passar o feriado na capital, poderá me apanhar no aeroporto de Guarulhos e viajaremos juntas para Campinas. Um problema a menos, já que estou com três volumes: a mala grande com as roupas, sapatos e alguns apetrechos que acredito possam ser úteis no flat a ser alugado. Uma caixa especial para o Ruy, Dóris e Ana Júlia com farinha d’água, farinha de tapioca, pimenta-de-cheiro, prato de parede e caneca com motivos belemenses enviados pela mamãe, cuias e bombons de cupuaçi. Uma valise leva os agasalhos mais pesados, livros e material (provas, relatórios, textos ...) da FAZ que preciso concluir e enviar por e-mail e ainda uma peça de cerâmica a ser entregue a Vera, como agradecimento pela hospitalidade, carinho e presteza. Impagáveis nesse momento.
Ainda falta cerca de 1:30h de viagem e, embora calma (os lexotans fizeram efeito total hoje), não sinto sono ou não consigo relaxar o suficiente. Tentarei não pensar demais e descansar um pouco e continuar contando os minutos que faltam para o pouso. O dia promete ser cansativo e tenho que, desde hoje, tentar agilizar os trâmites burocráticos para que a radio tenha início de imediato e assim possa retornar antes do previsto pra Belém, para os filhos, para o marido, mãe, irmãos, sobrinhos, amigos, alunos .... Pra minha terra !
Isso tudo foi escrito durante o vôo. Amanhã complemento já em terra firme.
Neste momento estou a sei lá quantos mil pés do solo, no vôo 3539 da Tam, Belém direto Congonhas, pouco mais de três horas de viagem. Tento passar o tempo, não pensar demais, embora os olhos ainda estejam vermelhos, ardendo. Não deu pra segurar as lágrimas na partida. Raul, Anaterra e Manoel ficaram e eu estou sozinha aqui. Disse aos filhos que estou fazendo tudo isso principalmente por eles. Quero viver mais e ter uma qualidade de vida boa para acompanhar seus próximos anos, vê-los mais maduros, mais seguros, mais felizes. De preferência andando com os seus próprios pés. Acho cedo para partir definitivamente.
Eles têm reagido bem a tudo isso, demonstrado uma grande maturidade e compreensão às limitações que agora me são impostas. A prioridade que a doença tomou em minha vida. Não escondi nada, sempre falei aberta e sinceramente da doença, dos meus medos, do tratamento, da esperança, da fé, dos temores. Várias vezes me viram chorar. Como há pouco antes do embarque. Não foram lágrimas sutis e silenciosas. Mas um choro demorado, doído, explícito. Viajei com muita coisa nova na cabeça, muitos pensamentos que deixariam Alfred Hitckok fascinado. Desde passar mal e ter que me hospitalizar até morrer e o corpo ter que ser transportado para Belém. Devaneios de uma mente doente, criativa e ainda perplexa pelo inusitado, pelas descobertas. Elucubrações que até Deus duvida, mas que povoam meus silêncios, as conversas solitárias que me acompanham e me perturbam.
Já tive muito medo de avião. Medo não, pânico. Chorava desde à véspera e me desesperava com a decolagem, aterrissagem, qualquer barulhinho estranho. Até o semblante das aeromoças tinha uma leitura especial para mim: bastava uma ausência de sorriso para eu achar que elas estavam apavoradas e que algo de ruim estava acontecendo. Hoje, ainda tenho medo, mas já é controlado. Consigo até escrever e cochilar.
A cabeça se ocupa em tentar imaginar como serão esses próximos dias, como vou suportar tanto tempo longe de casa, dos meninos, da mamãe, do Leonardo. Ele fez a minha alegria nesses dias recentes. Parecia, em sua inocência, saber que eu ficaria ausente mais do que o habitual. Tivó pra cá, tivó pra lá e um chamego sem precedente. Estava me abastecendo de carinho.
Agora não tem volta Sei que é o melhor pra mim, sei que não há outra alternativa e que se não agisse dessa forma não me perdoaria pelo resto da vida. Posso ir, é preciso ir. O meu mastologista é um dos meus maiores incentivadores e tem certeza que tomei a decisão mais correta.
Temo apenas não ter estrutura suficiente para segurar a barra, manter-me firme quando os dias se tornarem longos demais, não deprimir, não entristecer demais. Uma semana, dez dias de afastamento são comuns em minha vida e sempre por motivos mais prazerosos, quase sempre relacionados ao trabalho. Agora é diferente. Vou pra me tratar, não sei como meu organismo reagirá, quais os efeitos colaterais que terei que enfrentar e não lá não estará a Anaterra para me trazer água no quarto ou o Raul para ir apanhar uma sacola mais pesada. O Manoel não irá ao supermercado comprar minhas frutas nem a mamãe ou a dona Lúcia farão meu cafezinho a qualquer hora. Vou sentir muito essas ausências. Alia-se a tudo isso o temor de deixar os filhos e eles terem algum problema sem que eu esteja perto. De novo a presunção de mãe. Assaltos, brigas, acidentes, uma doença qualquer, uma desilusão mais dolorosa, uma frustração que eu pudesse amenizar, mas estarei longe. Bem sei que a minha presença não impedirá quaisquer desses acontecimentos, mas a proximidade parece nos transformar em super mulheres a que tudo impedem, tudo evitam de acontecer de mal as nossas crias. Sei que não é assim...
O vôo prossegue. O lanche já foi servido (melhor que as barrinhas de cereais da Gol) e a maioria dorme. Procuro ocupar-me lendo e escrevendo e tentando arrumar mentalmente esses primeiros dias em Campinas. Ficarei em princípio na casa da Vera, uma colega da Embrapa que como outros, gentilmente me ofereceram alojamento. Vamos procurar com calma um local onde possa ficar o restante dos dias.
Tenho tido sorte nos meus planejamentos e nas oportunidades que têm surgido. Não precisarei ir de mala e cuia de Sampa para Campinas. Como a Vera foi passar o feriado na capital, poderá me apanhar no aeroporto de Guarulhos e viajaremos juntas para Campinas. Um problema a menos, já que estou com três volumes: a mala grande com as roupas, sapatos e alguns apetrechos que acredito possam ser úteis no flat a ser alugado. Uma caixa especial para o Ruy, Dóris e Ana Júlia com farinha d’água, farinha de tapioca, pimenta-de-cheiro, prato de parede e caneca com motivos belemenses enviados pela mamãe, cuias e bombons de cupuaçi. Uma valise leva os agasalhos mais pesados, livros e material (provas, relatórios, textos ...) da FAZ que preciso concluir e enviar por e-mail e ainda uma peça de cerâmica a ser entregue a Vera, como agradecimento pela hospitalidade, carinho e presteza. Impagáveis nesse momento.
Ainda falta cerca de 1:30h de viagem e, embora calma (os lexotans fizeram efeito total hoje), não sinto sono ou não consigo relaxar o suficiente. Tentarei não pensar demais e descansar um pouco e continuar contando os minutos que faltam para o pouso. O dia promete ser cansativo e tenho que, desde hoje, tentar agilizar os trâmites burocráticos para que a radio tenha início de imediato e assim possa retornar antes do previsto pra Belém, para os filhos, para o marido, mãe, irmãos, sobrinhos, amigos, alunos .... Pra minha terra !
Isso tudo foi escrito durante o vôo. Amanhã complemento já em terra firme.
sábado, 19 de abril de 2008
Viajando na terça
Está quase tudo certo, mas há pendências burocráticas que tenho certeza serão agilizadas se eu estiver lá. Meu tempo termina quinta-feira, dia 24 quando completo três meses de operada. Não dá mais pra adiar. Viajarei na terça-feira, dia 22 para Campinas com a certeza de que começarei a radio na quinta. Belém-Guarulhos-Campinas. Este último trecho de ônibus.
Tento não pensar demais na separação, mas sei que não será fácil. Um de meus maiores receios é deixar os filhos. Eu sou a controladora da família. A que quer saber os horários, onde estão, porque estão demorando, se já almoçaram e o quê...Temo tanto que lhes possa acontecer algo grave. Sei que é de novo a presunção, a arrogância materna. Eles têm o pai próximo, também vigilante, a avó que paparica, a dona Lúcia que cuida da infra. Talvez nem sintam a minha falta.
Preciso ocupar meu tempo até o dia da viagem e também quando chegar lá e torcer para que não tenha muitas seqüelas da radiação. Elas variam de pessoa pra pessoa. Umas sentem-se cansadas, enjoadas, indispostas. Outras apenas sentem um calor no local. Estou rezando para que as minhas sejam as mais leves. De preferência imperceptíveis.
O dia ocupado de hoje me deixou mais à vontade para não cogitar a saudade. Cedinho na praça Batista Campos no balanço e escorrega bunda com o Leonardo. Sempre bem humorado, engraçado, inteligente. Depois o Ver-o-Peso para comprar pescada amarela e tainha ovada. A tainha para ser degustada amanhã junto com a família do Rulton e a pescada para abastecer o freezer da família em minha ausência. Uma lista especial para o Ruy, Dóris e Ana Júlia inclui pimenta, farinha, pupunha...
Daqui a pouco o encontro tão esperado com a minha orientadora, a professora Ivana. Estou apreensiva. Vou fazer uma proposta que espere ela acate, embora considere muito difícil. Veremos...
Tenho dúvidas sobre o que considerar prioritário na mala. Sei que está frio e deverá ficar mais ainda. Como ficarei em um flat acredito que também deveria levar algumas coisinhas domésticas. Já arrumei a mala umas 20 vezes !
Passagem na mão, muita esperança e algumas lágrimas e mãos à obra. Preciso acreditar que eu tinha que viver esse momento. Estava escrito nas estrelas. Um teste de resistência, de amadurecimento, de provação. Não quero ficar triste demais, saudosa demais, nem sentir piedade de mim.
Tenho que me alimentar da certeza de que sou uma privilegiada, uma guerreira, uma sobrevivente. Descobri o câncer cedo, tenho grandes chances de ficar curada e posso pegar um avião e deixar pra trás esse caos que é a saúde em minha cidade.
Ainda preciso adiantar os relatórios da FAZ, aprimorar a nova proposta da monografia, desarrumar de novo a mala pra arrumar de novo mais tarde.
Tento não pensar demais na separação, mas sei que não será fácil. Um de meus maiores receios é deixar os filhos. Eu sou a controladora da família. A que quer saber os horários, onde estão, porque estão demorando, se já almoçaram e o quê...Temo tanto que lhes possa acontecer algo grave. Sei que é de novo a presunção, a arrogância materna. Eles têm o pai próximo, também vigilante, a avó que paparica, a dona Lúcia que cuida da infra. Talvez nem sintam a minha falta.
Preciso ocupar meu tempo até o dia da viagem e também quando chegar lá e torcer para que não tenha muitas seqüelas da radiação. Elas variam de pessoa pra pessoa. Umas sentem-se cansadas, enjoadas, indispostas. Outras apenas sentem um calor no local. Estou rezando para que as minhas sejam as mais leves. De preferência imperceptíveis.
O dia ocupado de hoje me deixou mais à vontade para não cogitar a saudade. Cedinho na praça Batista Campos no balanço e escorrega bunda com o Leonardo. Sempre bem humorado, engraçado, inteligente. Depois o Ver-o-Peso para comprar pescada amarela e tainha ovada. A tainha para ser degustada amanhã junto com a família do Rulton e a pescada para abastecer o freezer da família em minha ausência. Uma lista especial para o Ruy, Dóris e Ana Júlia inclui pimenta, farinha, pupunha...
Daqui a pouco o encontro tão esperado com a minha orientadora, a professora Ivana. Estou apreensiva. Vou fazer uma proposta que espere ela acate, embora considere muito difícil. Veremos...
Tenho dúvidas sobre o que considerar prioritário na mala. Sei que está frio e deverá ficar mais ainda. Como ficarei em um flat acredito que também deveria levar algumas coisinhas domésticas. Já arrumei a mala umas 20 vezes !
Passagem na mão, muita esperança e algumas lágrimas e mãos à obra. Preciso acreditar que eu tinha que viver esse momento. Estava escrito nas estrelas. Um teste de resistência, de amadurecimento, de provação. Não quero ficar triste demais, saudosa demais, nem sentir piedade de mim.
Tenho que me alimentar da certeza de que sou uma privilegiada, uma guerreira, uma sobrevivente. Descobri o câncer cedo, tenho grandes chances de ficar curada e posso pegar um avião e deixar pra trás esse caos que é a saúde em minha cidade.
Ainda preciso adiantar os relatórios da FAZ, aprimorar a nova proposta da monografia, desarrumar de novo a mala pra arrumar de novo mais tarde.
sexta-feira, 18 de abril de 2008
Aprendendo com os amigos
Dizem que só conhecemos os amigos realmente quando passamos por uma crise. Seja uma separação, uma morte, um monte de dinheiro na loteria ou mesmo uma doença. Nunca tinha passado por algo assim que me levasse de fato a ter oportunidade de analisar os inúmeros amigos em ambientes que não fossem de festas, cervejas ou amenidades.
Quem são os amigos de verdade ? muito se escreve sobre eles. Há textos fantásticos, inclusive bem apresentados em power point. Poesias bem rimadas, prosas emocionantes. Nada a comentar, porém, sobre os amigos meio camaleões, aqueles que mudam diante da primeira adversidade, que não dão colo, mas sutis bofetões.
O silêncio também dói. Demonstra a falta de interesse, a ausência de preocupação. Eu talvez, não dê muito espaço para que cuidem de mim. Sempre fui metida a auto-suficiente, independente, embora não seja nada disso. Devo ser responsável pelo sumiço de alguns que talvez me acompanhem ao longe e quem sabe notando que piorei, que meu estado se agravou, retornem com a mesma periodicidade de antes.
Há o outro grupo dos que nada fazem, nada dizem para que você se sinta melhor. Sempre ponderando, sempre argumentando o contrário como se estivessem na torcida do time adversário. Não entendo as mudanças e os posicionamentos. Não... eu não quero concordância com tudo o que penso ou faço, decido, mas luz, ajuda para compreender esse meu momento e alguns amigos poderiam acender essa luz, me iluminar com sua sabedoria, carinho, amplo conhecimento sobre mim. Banalizaram a minha doença, parecem se sentir incomodados com a minha determinação, firmeza em encarar a doença e tentar vencê-la, meu humor em rir do que em muitos causaria lágrimas, minha disposição em ajudar, em me indignar, em lutar, me emocionar.
Felizmente são tão poucos que, mesmo me magoando e me deixando muitas vezes impactada com as mudanças, não guardo rancor, apenas algo como uma dor silenciosa e sutil de ter me enganado. Em compensação há tantos outros sempre juntos, que telefonam só pra dar um abraço, para oferecer uma palavra de incentivo, pra saber como anda a novela do tratamento. Outros que me escrevem todos os dias, que conversam pelo MSN, que estão sempre dispostos a me ouvir seja contando boas notícias ou apenas ouvir minhas recentes nóias. Ocupados ou não, assoberbados ou não, sempre encontrando um tempinho.
Tem ainda os que se revelaram com a doença, surgiram em minha vida como um presente ou outros que mudaram de posto. De colegas a amigos do peito, daqueles que a gente quer sempre por perto porque nos fazem bem, nos levam pra cima, são despojados de inveja, egoísmo e intolerância. Pessoas de grande coração que conseguem esquecer seu mundo e vivenciar o do outro com solidariedade e amizade.
Há também os que se mantêm à distância como se esperassem um aceno pra se aproximar...
Tantos amigos.. tantos tipos... tantas reações...
Que venham todos, que tragam suas energias positivas, que brindem comigo às descobertas, inclusive as que entristecem. Amadurecemos também com elas.
Quem são os amigos de verdade ? muito se escreve sobre eles. Há textos fantásticos, inclusive bem apresentados em power point. Poesias bem rimadas, prosas emocionantes. Nada a comentar, porém, sobre os amigos meio camaleões, aqueles que mudam diante da primeira adversidade, que não dão colo, mas sutis bofetões.
O silêncio também dói. Demonstra a falta de interesse, a ausência de preocupação. Eu talvez, não dê muito espaço para que cuidem de mim. Sempre fui metida a auto-suficiente, independente, embora não seja nada disso. Devo ser responsável pelo sumiço de alguns que talvez me acompanhem ao longe e quem sabe notando que piorei, que meu estado se agravou, retornem com a mesma periodicidade de antes.
Há o outro grupo dos que nada fazem, nada dizem para que você se sinta melhor. Sempre ponderando, sempre argumentando o contrário como se estivessem na torcida do time adversário. Não entendo as mudanças e os posicionamentos. Não... eu não quero concordância com tudo o que penso ou faço, decido, mas luz, ajuda para compreender esse meu momento e alguns amigos poderiam acender essa luz, me iluminar com sua sabedoria, carinho, amplo conhecimento sobre mim. Banalizaram a minha doença, parecem se sentir incomodados com a minha determinação, firmeza em encarar a doença e tentar vencê-la, meu humor em rir do que em muitos causaria lágrimas, minha disposição em ajudar, em me indignar, em lutar, me emocionar.
Felizmente são tão poucos que, mesmo me magoando e me deixando muitas vezes impactada com as mudanças, não guardo rancor, apenas algo como uma dor silenciosa e sutil de ter me enganado. Em compensação há tantos outros sempre juntos, que telefonam só pra dar um abraço, para oferecer uma palavra de incentivo, pra saber como anda a novela do tratamento. Outros que me escrevem todos os dias, que conversam pelo MSN, que estão sempre dispostos a me ouvir seja contando boas notícias ou apenas ouvir minhas recentes nóias. Ocupados ou não, assoberbados ou não, sempre encontrando um tempinho.
Tem ainda os que se revelaram com a doença, surgiram em minha vida como um presente ou outros que mudaram de posto. De colegas a amigos do peito, daqueles que a gente quer sempre por perto porque nos fazem bem, nos levam pra cima, são despojados de inveja, egoísmo e intolerância. Pessoas de grande coração que conseguem esquecer seu mundo e vivenciar o do outro com solidariedade e amizade.
Há também os que se mantêm à distância como se esperassem um aceno pra se aproximar...
Tantos amigos.. tantos tipos... tantas reações...
Que venham todos, que tragam suas energias positivas, que brindem comigo às descobertas, inclusive as que entristecem. Amadurecemos também com elas.
quinta-feira, 17 de abril de 2008
Os preparativos
Como somos presunçosos...Tenho pensado muito nessa arrogância que nos faz acreditar que somos donos de nossos destinos, que podemos decidir sobre nossas vidas. Acreditamos que temos um poder que só em momentos em que a decisão não nos cabe é que percebemos o quanto somos pequenos diante dos desígnios de Deus, sobre o que Ele preparou para nós.
Temos certezas que não resistem à primeira prova e tornam-se incertezas rapidamente. Amigos que não resistem à primeira enfermidade maior. Planos que são levados como folhas de papel ao vento.
Imprescindíveis só porque cremos nessa relevância.
Queremos viver muito porque os filhos precisam de nós. Primeiro porque são bebês e só nós entendemos o que eles comunicam, só nós sabemos cuidar de suas dores, fazer suas papinhas. Quando crescem um pouco mais, somos únicas ao escolher suas escolas, acompanhar suas atividades esportivas, decidir sobre sua alimentação. Adolescentes, continuamos a crença da essencialidade. Decidimos onde irão, com quem, a que horas voltarão e quando acreditamos que estão adultos, já definidos profissionalmente, independentes, nos apegamos a fugaz necessidade de que precisamos ainda estar perto para vê-los casando, tendo filhos. Neste momento consideraremos nossa missão cumprida? Não... enquanto vivermos estaremos atrelados a eles nessa relação do insubstituível, do vital a suas vidas.
Preciso entender melhor essa presunção e renegá-la, para partir melhor. Meus dois amados filhos vão ficar um bom tempo sem a mãe e pela primeira vez ela viajará não a trabalho,como já fez inúmeras vezes, mas por doença. Sinto-os, porém, tranqüilos, confiantes e talvez numa autodefesa inconsciente, até distantes, como se a minha viagem que se aproxima seja mais uma, daquelas mais demoradas, mas que terá telefonemas duas, três, cinco vezes ao dia e na volta, independente da hora da chegada, abrir os presentes que eu os habituei a esperar a cada retorno.
Só eu sei que esta é diferente !
Já viajei demais. Conheço muitos Estados, dezenas e dezenas de cidade, mas nunca saí para um tratamento com expectativas que oscilam da cura ao passar mal, ter complicações e ter que ficar hospitalizada, por exemplo.Não quero fortalecer os pensamentos ruins, trabalhar com hipóteses mais negativas, mas sei que elas existem, sei que podem acontecer.
Ainda não tenho a data exata da viagem, mas estou às voltas com os preparativos para a distância um pouco demorada e eles incluem desde o supermercado e recomendações mais expressas à dona Lúcia que há 15 anos trabalha conosco até os relatórios de minhas atividades a serem entregues à FAZ para subsidiar os professores que me substituirão, passando pelas contas sob minha responsabilidade, à monografia ...
Ontem conversei com uma das turmas. A que vem acompanhando essa fase da minha vida desde quando descobri o câncer em setembro do ano passado. São mais do que alunos hoje, são torcedores. Sinto a energia positiva que eles emanam e expõem de diferentes formas. Uns apenas dão um abraço mais demorado, outros falam, entregam presentes de boa sorte. Alguns chegam mesmo a lagrimar. Eles se formarão no final do semestre e espero voltar a tempo de participar dessa festa !
Temos certezas que não resistem à primeira prova e tornam-se incertezas rapidamente. Amigos que não resistem à primeira enfermidade maior. Planos que são levados como folhas de papel ao vento.
Imprescindíveis só porque cremos nessa relevância.
Queremos viver muito porque os filhos precisam de nós. Primeiro porque são bebês e só nós entendemos o que eles comunicam, só nós sabemos cuidar de suas dores, fazer suas papinhas. Quando crescem um pouco mais, somos únicas ao escolher suas escolas, acompanhar suas atividades esportivas, decidir sobre sua alimentação. Adolescentes, continuamos a crença da essencialidade. Decidimos onde irão, com quem, a que horas voltarão e quando acreditamos que estão adultos, já definidos profissionalmente, independentes, nos apegamos a fugaz necessidade de que precisamos ainda estar perto para vê-los casando, tendo filhos. Neste momento consideraremos nossa missão cumprida? Não... enquanto vivermos estaremos atrelados a eles nessa relação do insubstituível, do vital a suas vidas.
Preciso entender melhor essa presunção e renegá-la, para partir melhor. Meus dois amados filhos vão ficar um bom tempo sem a mãe e pela primeira vez ela viajará não a trabalho,como já fez inúmeras vezes, mas por doença. Sinto-os, porém, tranqüilos, confiantes e talvez numa autodefesa inconsciente, até distantes, como se a minha viagem que se aproxima seja mais uma, daquelas mais demoradas, mas que terá telefonemas duas, três, cinco vezes ao dia e na volta, independente da hora da chegada, abrir os presentes que eu os habituei a esperar a cada retorno.
Só eu sei que esta é diferente !
Já viajei demais. Conheço muitos Estados, dezenas e dezenas de cidade, mas nunca saí para um tratamento com expectativas que oscilam da cura ao passar mal, ter complicações e ter que ficar hospitalizada, por exemplo.Não quero fortalecer os pensamentos ruins, trabalhar com hipóteses mais negativas, mas sei que elas existem, sei que podem acontecer.
Ainda não tenho a data exata da viagem, mas estou às voltas com os preparativos para a distância um pouco demorada e eles incluem desde o supermercado e recomendações mais expressas à dona Lúcia que há 15 anos trabalha conosco até os relatórios de minhas atividades a serem entregues à FAZ para subsidiar os professores que me substituirão, passando pelas contas sob minha responsabilidade, à monografia ...
Ontem conversei com uma das turmas. A que vem acompanhando essa fase da minha vida desde quando descobri o câncer em setembro do ano passado. São mais do que alunos hoje, são torcedores. Sinto a energia positiva que eles emanam e expõem de diferentes formas. Uns apenas dão um abraço mais demorado, outros falam, entregam presentes de boa sorte. Alguns chegam mesmo a lagrimar. Eles se formarão no final do semestre e espero voltar a tempo de participar dessa festa !
quarta-feira, 16 de abril de 2008
Quase indo ...
Parece ser irreversível: tenho que deixar Belém e fazer a radioterapia em outra cidade. Conversei com muitas pessoas, tentei ouvir opiniões diferentes e a conclusão é a mais assustadora possível, mesmo que extra-oficialmente : tão cedo não entrarei na lista dos pretendentes ao tratamento. A demanda é grande e os casos graves têm prioridade. Médicos, amigos (os virtuais e presenciais), familiares têm sido unânimes: vai !! Muitos são enfáticos e até exemplificam: conhece alguém, da classe média, que tenha ficado na cidade ? O aeroporto ainda é o nosso melhor hospital para os casos mais complexos.
Lamento muito. Não queria deixar Belém, os filhos, a mãe, o marido, os alunos, os sobrinhos, mas a busca pela cura me obriga. Sinto-me uma fugitiva, que desiste da luta e por comodismo pega um avião e se abriga nos mármores paulistas. Alguém que vira as costas para o que é meu de fato em troca do que é bom no outro. Uma pessoa que se alia aos que silenciam e se omitem porque podem ir, porque têm como ir. Mas não tem outro jeito...
Sei que será difícil ficar o dia das mães, meu aniversário distante do meu canto. Sei, já antecipadamente, que vou chorar, sentir falta dos filhos e da mãe, principalmente; imaginar o que estará acontecendo em casa naquele momento, mas há pessoas queridas do outro lado também. Tenho recebido tanto carinho de colegas da Embrapa e outros com quem mantinha contato apenas por motivos profissionais que tenho a certeza de que não ficarei sozinha um só dia. Ofertas de locais para eu me hospedar, apanhar no aeroporto ou ir à clínica não faltam. A Sumara, da Embrapa Agroindústria Tropical que está fazendo mestrado na Unicamp, prometeu que me verá todos os dias. Não sabe se na clínica, no hotel, no shopping, no restaurante, na universidade, na Embrapa, mas irá diariamente me dar um cheiro. Nem precisa ser verdade. Só essa demonstração de amizade já me basta !
Estou me organizando também para adiantar minha monografia que deverá sofrer uma mudança radical e como o desafio será ainda maior, espero contar com a ajuda dos colegas da Unicamp; devo ir a São Paulo para uma reunião da diretoria da Associação Brasileira de Jornalismo Científico, conhecer todas as unidades da Embrapa daquela região; comer picadinho com farinha d’água e molho de pimenta de cheiro no tucupi com o Ruy, a Doris e a Ana Júlia em Leme; com sorte assistir um show do Chico, andar pela Paulista... Estou me preparando para as radios e para aproveitar esses momentos para estudar, conhecer novas pessoas, crescer e crescer e crescer
Ahh e as dores ? Ontem fiz o exame e contei com o apoio, neste momento, de uma das mais solidárias amigas desta fase da minha vida, a Ieda Jucá. Saiu correndo do trabalho e foi me dar colo. O exame foi a tal ultrassom vaginal, aquela que a gente fica em uma incômoda e constrangedora posição, pernas bem abertas e com algo lá dentro aguardando o médico chegar. Felizmente era um belo e jovem médico, atencioso, educado, paciente que fez de conta que estava aceitando aquela minha cara de paisagem. Como ignorar que um microcâmera está passeando dentro de você, introduzida pela vagina, pelas mãos de um homem e você ali, se fingindo de morta ?
Depois de mais essa experiência, pelo menos uma boa notícia: nada no útero ou ovários. A não ser os miomas que já fazem parte do meu ser há muitos anos. Tímidos, omissos e até então inofensivos. Sugeriu que poderia ser algo como gases, perturbação gástrica e uma automedicação me deixou novinha logo em seguida : esparmo luftal e nem parecia a mesma desses últimos dias.
Dei aulas até quase 11 da noite, bem disposta. Acordei cantando e depois brigando e não parei um minuto até então. Daqui a pouco tem o aniversário da Socorro, minha cunhada e da Marcela, a sobrinha torta, como dizem. Vou comer o bolinho que a mamãe está fazendo, abraçar o Leonardo e depois dar mais aulas.
Voltei à normalidade !
Lamento muito. Não queria deixar Belém, os filhos, a mãe, o marido, os alunos, os sobrinhos, mas a busca pela cura me obriga. Sinto-me uma fugitiva, que desiste da luta e por comodismo pega um avião e se abriga nos mármores paulistas. Alguém que vira as costas para o que é meu de fato em troca do que é bom no outro. Uma pessoa que se alia aos que silenciam e se omitem porque podem ir, porque têm como ir. Mas não tem outro jeito...
Sei que será difícil ficar o dia das mães, meu aniversário distante do meu canto. Sei, já antecipadamente, que vou chorar, sentir falta dos filhos e da mãe, principalmente; imaginar o que estará acontecendo em casa naquele momento, mas há pessoas queridas do outro lado também. Tenho recebido tanto carinho de colegas da Embrapa e outros com quem mantinha contato apenas por motivos profissionais que tenho a certeza de que não ficarei sozinha um só dia. Ofertas de locais para eu me hospedar, apanhar no aeroporto ou ir à clínica não faltam. A Sumara, da Embrapa Agroindústria Tropical que está fazendo mestrado na Unicamp, prometeu que me verá todos os dias. Não sabe se na clínica, no hotel, no shopping, no restaurante, na universidade, na Embrapa, mas irá diariamente me dar um cheiro. Nem precisa ser verdade. Só essa demonstração de amizade já me basta !
Estou me organizando também para adiantar minha monografia que deverá sofrer uma mudança radical e como o desafio será ainda maior, espero contar com a ajuda dos colegas da Unicamp; devo ir a São Paulo para uma reunião da diretoria da Associação Brasileira de Jornalismo Científico, conhecer todas as unidades da Embrapa daquela região; comer picadinho com farinha d’água e molho de pimenta de cheiro no tucupi com o Ruy, a Doris e a Ana Júlia em Leme; com sorte assistir um show do Chico, andar pela Paulista... Estou me preparando para as radios e para aproveitar esses momentos para estudar, conhecer novas pessoas, crescer e crescer e crescer
Ahh e as dores ? Ontem fiz o exame e contei com o apoio, neste momento, de uma das mais solidárias amigas desta fase da minha vida, a Ieda Jucá. Saiu correndo do trabalho e foi me dar colo. O exame foi a tal ultrassom vaginal, aquela que a gente fica em uma incômoda e constrangedora posição, pernas bem abertas e com algo lá dentro aguardando o médico chegar. Felizmente era um belo e jovem médico, atencioso, educado, paciente que fez de conta que estava aceitando aquela minha cara de paisagem. Como ignorar que um microcâmera está passeando dentro de você, introduzida pela vagina, pelas mãos de um homem e você ali, se fingindo de morta ?
Depois de mais essa experiência, pelo menos uma boa notícia: nada no útero ou ovários. A não ser os miomas que já fazem parte do meu ser há muitos anos. Tímidos, omissos e até então inofensivos. Sugeriu que poderia ser algo como gases, perturbação gástrica e uma automedicação me deixou novinha logo em seguida : esparmo luftal e nem parecia a mesma desses últimos dias.
Dei aulas até quase 11 da noite, bem disposta. Acordei cantando e depois brigando e não parei um minuto até então. Daqui a pouco tem o aniversário da Socorro, minha cunhada e da Marcela, a sobrinha torta, como dizem. Vou comer o bolinho que a mamãe está fazendo, abraçar o Leonardo e depois dar mais aulas.
Voltei à normalidade !
segunda-feira, 14 de abril de 2008
As dores
Enquanto o que acontece é previsível, os temores, as conjecturas são amenas. Mas a novidade, a surpresa, o que não estava sendo aguardado traz de volta o medo.
Desde sexta-feira estou apreensiva ! Dores marcaram meu final de semana. Ora forte, com cólicas; ora mais amenas, mas sempre ali, presente no lado esquerdo da barriga, lá embaixo. Inexplicáveis e incômodas. Sobretudo, porque não têm, em princípio, ligações diretas com o câncer de mama.
Minha menstruação não veio nem em março nem agora em abril. O motivo? Talvez o primeiro sinal marcante da menopausa que está sendo antecipada com o uso do tamoxifeno. As dores lembram o período que antecede a sua chegada. Mas são constantes. Tocando dói. Estranho... muito estranho.
A cabeça ferve junto com a barriga. Novo tumor ? Nem quero pensar.
Tenho que ir em busca de orientações médicas. Já está definida a ultrassonografia para decifrar o enigma. Enquanto ele persiste, tento não pensar demais e me preparar apenas para o que estava no script como ir fazer a radioterapia em Campinas ou dedicar-me ao máximo à monografia que agora passa por uma reviravolta. Vou apresentar à orientadora uma nova proposta. Começar do zero, jogar fora o que já tinha bem adiantado, mas a nova temática me dará mais prazer neste momento e tenho certeza que maior contribuição aos que poderão usá-la.
Nova espera, nova angústia, mais pensamentos mórbidos...
Dizem que faz parte ...
Desde sexta-feira estou apreensiva ! Dores marcaram meu final de semana. Ora forte, com cólicas; ora mais amenas, mas sempre ali, presente no lado esquerdo da barriga, lá embaixo. Inexplicáveis e incômodas. Sobretudo, porque não têm, em princípio, ligações diretas com o câncer de mama.
Minha menstruação não veio nem em março nem agora em abril. O motivo? Talvez o primeiro sinal marcante da menopausa que está sendo antecipada com o uso do tamoxifeno. As dores lembram o período que antecede a sua chegada. Mas são constantes. Tocando dói. Estranho... muito estranho.
A cabeça ferve junto com a barriga. Novo tumor ? Nem quero pensar.
Tenho que ir em busca de orientações médicas. Já está definida a ultrassonografia para decifrar o enigma. Enquanto ele persiste, tento não pensar demais e me preparar apenas para o que estava no script como ir fazer a radioterapia em Campinas ou dedicar-me ao máximo à monografia que agora passa por uma reviravolta. Vou apresentar à orientadora uma nova proposta. Começar do zero, jogar fora o que já tinha bem adiantado, mas a nova temática me dará mais prazer neste momento e tenho certeza que maior contribuição aos que poderão usá-la.
Nova espera, nova angústia, mais pensamentos mórbidos...
Dizem que faz parte ...
quinta-feira, 10 de abril de 2008
Perder pra ganhar
A frase dita ontem pela minha cunhada Dóris tem que ser meu lema daqui pra frente. Sei que não posso adiar mais o tratamento, o meu tempo está se esgotando.
Comecei a sondar as possibilidades de deixar Belém.
Como já estive em Campinas e gostei da clínica do Taquaral, do médico e o fato dela ter convênio com a Embrapa são alguns dos motivos principais da escolha. Mas tem mais: sei que serei muito bem acolhida pelos colegas e amigos da Embrapa que moram naquela cidade (as mensagens já indicam isso) e a alguns poucos quilômetros mora o Ruy, meu irmão; a Dóris e a Ana Júlia . Campinas também é uma cidade movimentada culturalmente com opções de cursos, exposições e oportunidades de bons contatos principalmente na área do jornalismo científico como a Graça Caldas, professora da Unicamp que como eu participa da diretoria da Associação Brasileira de Jornalismo Científico. Estou me sentindo puxada pra lá.
Um primeiro contato já foi feito com a clínica e aí surge uma novidade para mexer de novo com a minha ansiedade (ahhh se não fosse o zoloft !). O especialista em radioterapia, depois de analisar meu prontuário que ficou em SP, disse que no meu caso o tratamento mais indicado não é a radioterapia tradicional, mas a braquiterapia. Mais uma palavra nova para o meu dicionário médico. Confessei minha ignorância e pedi pra falar com alguém que pudesse me explicar do que se trata.
Uma senhora, provavelmente uma médica, esclareceu-me que a braquiterapia usa também a radiação só que mais localizada, age diretamente na área onde estava o tumor, justamente onde podem estar, anônimas, as células cancerígenas. O procedimento, contudo, exige uma rápida cirurgia para colocação do cateter na mama que receberá a radiação. As aplicações, por serem mais concentradas e direcionadas, são bem mais reduzidas. Não faria 33 sessões, mas apenas cinco ininterruptas.
Novamente me senti vivendo de fato na floresta, distante da tecnologia, da modernidade, de tudo o que o homem cria em benefício de si próprio. Nunca, em nenhum momento, alguém falara para mim sobre essa opção. Telefonei para os médicos de Belém e nenhum soube me afirmar se de fato este é o procedimento mais indicado.
O argumento mais convincente veio do mastologista, que já confessara estar aprendendo muito com o meu caso e ontem me disse que se eu fizer a braquiterapia serei a sua primeira paciente a utilizá-lo. Para ele a técnica ainda é recente e por isso os estudos ainda não podem comprovar a sua eficácia. As pesquisas, na área oncológica, necessitam de 20, 30 anos para ser referendada, o que a braquiterapia ainda não tem.
Como precisarei ainda fazer exames pré-operatórios que incluem os cardiológicos e os hepáticos, tenho tempo para saber um pouco mais sobre essa opção que me afastaria de Belém por bem menos tempo.
Mas se for preciso ficar dois meses longe, irei assim mesmo. Deixarei Raul e Anterra com muito pesar, cheia de preocupações, de medos que a minha cabeça doente produz. Sei, contudo, que não ficarão sozinhos. O Manoel é um super pai, tem a mamãe, a dona Lúcia, o Rulton, a Socorro, a Ruthlene e os amigos que estão sempre ao meu lado como a Ieda, a Márcia Sodré, a Lilian. Amigos que eu sei que posso contar sempre, em qualquer momento.
Vou perder para ganhar, como bem disse a Doris. Perder dois meses, sentir muita saudade, deixar um monte de compromisso pendente (não gosto de agir assim), mas é pra ganhar mais adiante. Pra ganhar saúde, pra ter paz de espírito, pra me preservar de imagens e atitudes que só me agridem todas as vezes que preciso ir ao hospital Ophir Loyola;As manifestações de pessoas como a Sumara, Eliana. Giulia, Cecília, Vera que têm me dado força e colocado suas casas à minha disposição me dão a certeza que estou precisando agora
Comecei a sondar as possibilidades de deixar Belém.
Como já estive em Campinas e gostei da clínica do Taquaral, do médico e o fato dela ter convênio com a Embrapa são alguns dos motivos principais da escolha. Mas tem mais: sei que serei muito bem acolhida pelos colegas e amigos da Embrapa que moram naquela cidade (as mensagens já indicam isso) e a alguns poucos quilômetros mora o Ruy, meu irmão; a Dóris e a Ana Júlia . Campinas também é uma cidade movimentada culturalmente com opções de cursos, exposições e oportunidades de bons contatos principalmente na área do jornalismo científico como a Graça Caldas, professora da Unicamp que como eu participa da diretoria da Associação Brasileira de Jornalismo Científico. Estou me sentindo puxada pra lá.
Um primeiro contato já foi feito com a clínica e aí surge uma novidade para mexer de novo com a minha ansiedade (ahhh se não fosse o zoloft !). O especialista em radioterapia, depois de analisar meu prontuário que ficou em SP, disse que no meu caso o tratamento mais indicado não é a radioterapia tradicional, mas a braquiterapia. Mais uma palavra nova para o meu dicionário médico. Confessei minha ignorância e pedi pra falar com alguém que pudesse me explicar do que se trata.
Uma senhora, provavelmente uma médica, esclareceu-me que a braquiterapia usa também a radiação só que mais localizada, age diretamente na área onde estava o tumor, justamente onde podem estar, anônimas, as células cancerígenas. O procedimento, contudo, exige uma rápida cirurgia para colocação do cateter na mama que receberá a radiação. As aplicações, por serem mais concentradas e direcionadas, são bem mais reduzidas. Não faria 33 sessões, mas apenas cinco ininterruptas.
Novamente me senti vivendo de fato na floresta, distante da tecnologia, da modernidade, de tudo o que o homem cria em benefício de si próprio. Nunca, em nenhum momento, alguém falara para mim sobre essa opção. Telefonei para os médicos de Belém e nenhum soube me afirmar se de fato este é o procedimento mais indicado.
O argumento mais convincente veio do mastologista, que já confessara estar aprendendo muito com o meu caso e ontem me disse que se eu fizer a braquiterapia serei a sua primeira paciente a utilizá-lo. Para ele a técnica ainda é recente e por isso os estudos ainda não podem comprovar a sua eficácia. As pesquisas, na área oncológica, necessitam de 20, 30 anos para ser referendada, o que a braquiterapia ainda não tem.
Como precisarei ainda fazer exames pré-operatórios que incluem os cardiológicos e os hepáticos, tenho tempo para saber um pouco mais sobre essa opção que me afastaria de Belém por bem menos tempo.
Mas se for preciso ficar dois meses longe, irei assim mesmo. Deixarei Raul e Anterra com muito pesar, cheia de preocupações, de medos que a minha cabeça doente produz. Sei, contudo, que não ficarão sozinhos. O Manoel é um super pai, tem a mamãe, a dona Lúcia, o Rulton, a Socorro, a Ruthlene e os amigos que estão sempre ao meu lado como a Ieda, a Márcia Sodré, a Lilian. Amigos que eu sei que posso contar sempre, em qualquer momento.
Vou perder para ganhar, como bem disse a Doris. Perder dois meses, sentir muita saudade, deixar um monte de compromisso pendente (não gosto de agir assim), mas é pra ganhar mais adiante. Pra ganhar saúde, pra ter paz de espírito, pra me preservar de imagens e atitudes que só me agridem todas as vezes que preciso ir ao hospital Ophir Loyola;As manifestações de pessoas como a Sumara, Eliana. Giulia, Cecília, Vera que têm me dado força e colocado suas casas à minha disposição me dão a certeza que estou precisando agora
quarta-feira, 9 de abril de 2008
O meu dia de Combate ao Câncer
Ontem, quando no Brasil todo eventos marcavam o dia de Combate ao Câncer eu tive o MEU DIA, o meu primeiro dia como portadora dessa doença.
Às 7:45h cheguei ao Hospital Ophir Loyola para fazer a programação da radioterapia e lá já encontrei várias pessoas. Um senhor com câncer na orelha, outra senhora de Paragominas com câncer no útero, outra no reto, outra de Macapá. Umas dez pessoas que ali estavam apenas para fazer a marcação do local exato em que receberíamos a radiação, um procedimento que antecede a radioterapia e que estava marcado em minha carteirinha desde o dia 24 de março.Depois é que definem quando começa a radio.
Depois de aguardar por cerca de três horas formos informados por uma atendente que nos reuniu ali mesmo no corredor, em pé em torno dela, que deveríamos ir para uma fila (lá na 14 de abril como eles se referem ao prédio que fica na outra rua mas que tem ligação interna com o central de frente para avenida Magalhães Barata) para marcar uma outra data porque o “aparelho quebrou”. Mais de 30 pessoas, quase uma hora na fila e a nova data para a programação: 17 de abril.
O tempo que passei ali, vendo o descaso com as pessoas fragilizadas pela doença (algumas, como a da foto ao lado, já andam com o travesseiro para deitar em qualquer banco, em qualquer batente. Já sabem que irão esperar demais e não suportarão em pé) e que saem de suas cidades sem nenhum apoio, dói mais do que o medo do câncer estar aproveitando essa demora e estar fazendo a festa dentro de mim. Sim, porque a radioterapia é exatamente para isso. Ela age onde existe a possibilidade de haver células cancerígenas não detectadas durante os exames. Só as pessoas que ficam com alguma parte do órgão doente fazem radio. Eu, felizmente, não tirei a mama, pude fazer a reconstrução, mas o tempo está se esgotando e preciso da radioterapia para ter mais segurança de que esse câncer não retornará. Para a mesma mama, para outra, para outro órgão. Mas quando farei ? O fato de Belém possuir apenas um aparelho não me dá nenhuma segurança de que o tratamento será eficaz.
O que tive ontem foi muita indignação, frustração, raiva com o descaso das autoridades que insistem em dizer que temos um hospital referência. Referência em que ? talvez porque usem referência como sinônimo de único.Ai têm razão. Lá não temos sequer a quem reclamar. As pessoas estão anestesiadas diante da dor dos outros, já se acostumaram, criaram uma auto-defesa para que não sofram diante dos quadros aterrorizantes que desfilam sem nenhuma privacidade pelos corredores expondo seres humanos que já nem se preocupam mais em esconder as bolsas que colhem suas fezes ou o odor de suas peles necrosadas.
Procurei então onde reclamar. Liguei para os colegas das redações, afinal havia uma grande gancho: a coincidência com o dia de combate ao câncer e sugeri a pauta. A Tv Record e o jornal O Liberal “compraram” o assunto e entrevistas foram feitas, comigo e com outros pacientes, e as explicações do colega assessor só ratifica a naturalidade: foi um problema de umidade que impediu o equipamento de funcionar, mas já estamos providenciando o conserto. Ao final a frase abominável: por que você não me procurou Ruth ?
Não o procurei porque sou paciente e não estou trabalhando, fazendo qualquer atividade relacionada ao jornalismo. Não procurei porque não concordo com os privilégios. Não procurei porque não desejo um tratamento diferenciado. Não procurei porque aquele hospital é tão meu quanto de qualquer pessoa que está ali, calada, oprimida, sem nenhuma informação sobre seus direitos. Não procurei porque ali ninguém está fazendo favor. Não procurei porque as pessoas precisam abrir os olhos e ver, com nitidez e sem querer preservar este ou aquele, que o caos está instalado e há muito tempo, mas é melhor enxergar o arco-íris e acreditar que tudo funciona a contento ou que isso é assim em todo o País, logo, nada há mais a fazer, só lamentar e se acostumar. Não procurei e não procurarei.
Acho que vou mesmo para Campinas antes que me torne grave, precise retirar a mama inteira,esvaziar a axila, fazer quimio e ser mais uma paciente em fase terminal que perambula pelo “hospital referência”.
Preciso correr ....
Às 7:45h cheguei ao Hospital Ophir Loyola para fazer a programação da radioterapia e lá já encontrei várias pessoas. Um senhor com câncer na orelha, outra senhora de Paragominas com câncer no útero, outra no reto, outra de Macapá. Umas dez pessoas que ali estavam apenas para fazer a marcação do local exato em que receberíamos a radiação, um procedimento que antecede a radioterapia e que estava marcado em minha carteirinha desde o dia 24 de março.Depois é que definem quando começa a radio.
Depois de aguardar por cerca de três horas formos informados por uma atendente que nos reuniu ali mesmo no corredor, em pé em torno dela, que deveríamos ir para uma fila (lá na 14 de abril como eles se referem ao prédio que fica na outra rua mas que tem ligação interna com o central de frente para avenida Magalhães Barata) para marcar uma outra data porque o “aparelho quebrou”. Mais de 30 pessoas, quase uma hora na fila e a nova data para a programação: 17 de abril.
O tempo que passei ali, vendo o descaso com as pessoas fragilizadas pela doença (algumas, como a da foto ao lado, já andam com o travesseiro para deitar em qualquer banco, em qualquer batente. Já sabem que irão esperar demais e não suportarão em pé) e que saem de suas cidades sem nenhum apoio, dói mais do que o medo do câncer estar aproveitando essa demora e estar fazendo a festa dentro de mim. Sim, porque a radioterapia é exatamente para isso. Ela age onde existe a possibilidade de haver células cancerígenas não detectadas durante os exames. Só as pessoas que ficam com alguma parte do órgão doente fazem radio. Eu, felizmente, não tirei a mama, pude fazer a reconstrução, mas o tempo está se esgotando e preciso da radioterapia para ter mais segurança de que esse câncer não retornará. Para a mesma mama, para outra, para outro órgão. Mas quando farei ? O fato de Belém possuir apenas um aparelho não me dá nenhuma segurança de que o tratamento será eficaz.
O que tive ontem foi muita indignação, frustração, raiva com o descaso das autoridades que insistem em dizer que temos um hospital referência. Referência em que ? talvez porque usem referência como sinônimo de único.Ai têm razão. Lá não temos sequer a quem reclamar. As pessoas estão anestesiadas diante da dor dos outros, já se acostumaram, criaram uma auto-defesa para que não sofram diante dos quadros aterrorizantes que desfilam sem nenhuma privacidade pelos corredores expondo seres humanos que já nem se preocupam mais em esconder as bolsas que colhem suas fezes ou o odor de suas peles necrosadas.
Procurei então onde reclamar. Liguei para os colegas das redações, afinal havia uma grande gancho: a coincidência com o dia de combate ao câncer e sugeri a pauta. A Tv Record e o jornal O Liberal “compraram” o assunto e entrevistas foram feitas, comigo e com outros pacientes, e as explicações do colega assessor só ratifica a naturalidade: foi um problema de umidade que impediu o equipamento de funcionar, mas já estamos providenciando o conserto. Ao final a frase abominável: por que você não me procurou Ruth ?
Não o procurei porque sou paciente e não estou trabalhando, fazendo qualquer atividade relacionada ao jornalismo. Não procurei porque não concordo com os privilégios. Não procurei porque não desejo um tratamento diferenciado. Não procurei porque aquele hospital é tão meu quanto de qualquer pessoa que está ali, calada, oprimida, sem nenhuma informação sobre seus direitos. Não procurei porque ali ninguém está fazendo favor. Não procurei porque as pessoas precisam abrir os olhos e ver, com nitidez e sem querer preservar este ou aquele, que o caos está instalado e há muito tempo, mas é melhor enxergar o arco-íris e acreditar que tudo funciona a contento ou que isso é assim em todo o País, logo, nada há mais a fazer, só lamentar e se acostumar. Não procurei e não procurarei.
Acho que vou mesmo para Campinas antes que me torne grave, precise retirar a mama inteira,esvaziar a axila, fazer quimio e ser mais uma paciente em fase terminal que perambula pelo “hospital referência”.
Preciso correr ....
segunda-feira, 7 de abril de 2008
Desculpas
Nunca tive problema de pedir desculpas. Se errei, peço desculpas e de coração. Sem rancor. Ultimamente, porém, tenho sentido que algumas pessoas parecem esperar de mim um pedido de desculpas completamente surrealista: pelo câncer que descobri, pelas oportunidades que estou tendo de me curar.
Há cerca de 15 anos faço, religiosamente, ultrassonografia da mama ou mamografia. A Embrapa tem um excelente trabalho de prevenção de doenças que incluiu exames periódicos anuais que variam conforme a idade. A maioria não faz com muita satisfação, muitos chegam a se negar e outros protelam o que podem, mas mesmo não sendo um exemplo, sempre fiz. Com atrasos, mas sempre cumpri a determinação.
Foi através dele que descobri quatro miomas no útero, a pressão alta e a esteatose hepática. Em julho do ano passo descobri mais: o nódulo na mama esquerda, em seguida diagnosticado como câncer ductual invasivo grau I, receptivo a hormônios, HER 2 negativo, lifonodos negativos, menos de 1 cm e sem comprometimento das margens. Informações técnicas que significam um câncer inicial, de baixo risco e com bom prognóstico de cura e que não exige quimioterapia e tem um tratamento restrito a 33 sessões de radioterapia e um comprimido diário de tamoxifeno por cinco anos.
Hoje sei de tudo disso, mas fui atrás das informações, ouvi vários médicos, li muito, conversei mais ainda e com a certeza de que estou fazendo o que é mais compatível com o câncer que me acometeu, relaxo e me preparo para o que está por vir.
Incômodo mesmo é perceber, em algumas pessoas, a frustração ao saber que não ficarei careca, debilitada, amarela ou que não tirei a mama inteira, ela, ao contrário, está mais bonita do que antes do nódulo.
Parecem decepcionadas por eu não ter feito mastectomia, por eu estar fisicamente bem (acho mesmo que melhor do que antes) e não estar usando aquele tom de voz de autopiedade, de condenada à morte.
Não pedirei desculpas a ninguém simplesmente porque quero viver mais, porque acredito na minha cura, porque tenho absoluta certeza de que fiz o que deveria ter sido feito.
Gastei sim um bom dinheiro indo a São Paulo em busca de outras opiniões e não pedirei desculpas também por isso. Fui com o meu dinheiro, com o FGTS liberado com esse objetivo e que está sendo usado com esse objetivo. Não furei filas, não usei o conhecimento que possuo para obter vantagens, mas parece que isso também incomoda. Se aproveitei para passear, para rever pessoas queridas o fiz com o objetivo de também cuidar da minha alma. Viajar sempre foi um de meus maiores prazeres e se juntei médicos e exames a passeios, cuidei do corpo e da alma. Voltei melhor.
Não pedirei desculpas por estar de volta às caminhadas, à hidroginástica, por querer concluir minha especialização, por estar feliz dando aulas, por querer ainda me emocionar muito, curtir meus amigos, filhos, mãe, marido, irmãos, sobrinhos.
Não vou pedir desculpas para os que acreditavam que eu sairia desse capítulo da minha vida pessimista, fraca, moribunda, derrotada.
Sinto-me mais forte e pronta pra enfrentar o que esse câncer ainda me reserva.
Minha maior fraqueza é a dor em meus filhos. Isso eu não suporto e saber, que ao agir e reagir assim eu os deixo melhor ainda, só me dá mais força para prosseguir indo ao cabeleireiro, à academia, a programar novas viagens, novos encontros e reencontros, a estudar mais, a sonhar mais, a viver mais e mais e mais...
Sem desculpas ...
Há cerca de 15 anos faço, religiosamente, ultrassonografia da mama ou mamografia. A Embrapa tem um excelente trabalho de prevenção de doenças que incluiu exames periódicos anuais que variam conforme a idade. A maioria não faz com muita satisfação, muitos chegam a se negar e outros protelam o que podem, mas mesmo não sendo um exemplo, sempre fiz. Com atrasos, mas sempre cumpri a determinação.
Foi através dele que descobri quatro miomas no útero, a pressão alta e a esteatose hepática. Em julho do ano passo descobri mais: o nódulo na mama esquerda, em seguida diagnosticado como câncer ductual invasivo grau I, receptivo a hormônios, HER 2 negativo, lifonodos negativos, menos de 1 cm e sem comprometimento das margens. Informações técnicas que significam um câncer inicial, de baixo risco e com bom prognóstico de cura e que não exige quimioterapia e tem um tratamento restrito a 33 sessões de radioterapia e um comprimido diário de tamoxifeno por cinco anos.
Hoje sei de tudo disso, mas fui atrás das informações, ouvi vários médicos, li muito, conversei mais ainda e com a certeza de que estou fazendo o que é mais compatível com o câncer que me acometeu, relaxo e me preparo para o que está por vir.
Incômodo mesmo é perceber, em algumas pessoas, a frustração ao saber que não ficarei careca, debilitada, amarela ou que não tirei a mama inteira, ela, ao contrário, está mais bonita do que antes do nódulo.
Parecem decepcionadas por eu não ter feito mastectomia, por eu estar fisicamente bem (acho mesmo que melhor do que antes) e não estar usando aquele tom de voz de autopiedade, de condenada à morte.
Não pedirei desculpas a ninguém simplesmente porque quero viver mais, porque acredito na minha cura, porque tenho absoluta certeza de que fiz o que deveria ter sido feito.
Gastei sim um bom dinheiro indo a São Paulo em busca de outras opiniões e não pedirei desculpas também por isso. Fui com o meu dinheiro, com o FGTS liberado com esse objetivo e que está sendo usado com esse objetivo. Não furei filas, não usei o conhecimento que possuo para obter vantagens, mas parece que isso também incomoda. Se aproveitei para passear, para rever pessoas queridas o fiz com o objetivo de também cuidar da minha alma. Viajar sempre foi um de meus maiores prazeres e se juntei médicos e exames a passeios, cuidei do corpo e da alma. Voltei melhor.
Não pedirei desculpas por estar de volta às caminhadas, à hidroginástica, por querer concluir minha especialização, por estar feliz dando aulas, por querer ainda me emocionar muito, curtir meus amigos, filhos, mãe, marido, irmãos, sobrinhos.
Não vou pedir desculpas para os que acreditavam que eu sairia desse capítulo da minha vida pessimista, fraca, moribunda, derrotada.
Sinto-me mais forte e pronta pra enfrentar o que esse câncer ainda me reserva.
Minha maior fraqueza é a dor em meus filhos. Isso eu não suporto e saber, que ao agir e reagir assim eu os deixo melhor ainda, só me dá mais força para prosseguir indo ao cabeleireiro, à academia, a programar novas viagens, novos encontros e reencontros, a estudar mais, a sonhar mais, a viver mais e mais e mais...
Sem desculpas ...
sábado, 5 de abril de 2008
Os paradoxos
Após viagens, consultas, exames, tento voltar à rotina. Encarar que esse momento de minha vida será como outro qualquer, Importante, inesquecível, mas que não deve ser o único. Os bons prognósticos, as notícias alvissareiras e o que me espera aos poucos são minimizados. Ou porque de fato não são tão graves como a minha doente e criativa mente idealizaram ou porque a gente se acostuma, já vê com naturalidade o que antes parecia tão assustador, irremediável.
Mas não consigo me desligar por completo, fingir que sou a mesma pessoa.
Tive câncer na mama esquerda, tomarei o tal Tamoxifeno por cinco anos e durante outros anos passarei pela ansiedade de ter que estar procurando nódulos em outros lugares. Tento me conformar e me confortar pensando que se achei este tão pequenino escondido em muito tecido adiposo (eufemismo para comentar o excesso de gordura) sem tê-lo procurado, agora que estou decidida em me transformar em uma caçadora de câncer, não vou deixá-los em paz. Tudo farei para que, antes de amadurecerem, eu e as máquinas possamos identificá-los.
Sei agora como proceder. Onde encontrar as respostas.
Tenho vivido dois mundos diferentes nessa busca incessante. Ora nas clínicas cobertas de mármore e pessoas bem tratadas, bem vestidas ora entre macas e pessoas carentes, com fome e debilitadas.
Paradoxos que me perturbam muito.
Enquanto um dos médicos referência em câncer de mama que só atende particular e a consulta no valor de R$450,00 telefona para minha casa, a mais de três mil km, apenas para me dar uma “satisfação parcial”, comentar os resultados da revisão do nódulo, saio em seguida em busca da carteirinha do SUS para na próxima semana marcar a programação da radioterapia, rezando para que a ÚNICA existente no Pará não quebre ou que pessoas muito mais necessitadas e graves do que eu não passem de novo à minha frente.
Dois mundos que só têm em comum o câncer.
O câncer que mata, mutila, definha, mas que pode ser amenizado se o tratamento for humano, digno e menos dolorido para os que têm que conviver, pelo resto da vida com o fantasma das células que se reproduzem rápida e desordenadamente, quase sem controle em nosso corpo.
O mesmo câncer que permite que algumas (pouquíssimas !) pessoas tenham acesso aos exames mais sofisticados e que podem dar um diagnóstico mais preciso e obviamente um tratamento mais eficaz, também tem uma outra faceta. Aquela que não permite sequer o acesso aos remédios básicos, aqueles que tradicionalmente são utilizados há anos, mas que custam caro e que, por direito, todo cidadão tem direito.Muitos, porém, precisam entrar na justiça para obtê-los.
Um câncer de classe alta e outro de miseráveis. Células iguais, mas tratamentos antagônicos.
Isso tem me incomodado muito.
Estou tendo o privilégio da comparação, oportunidades abençoadas de ouvir diversas opiniões e não ter que acatar a primeira ou a segunda, nem sempre as corretas.
Não vou desistir dessa busca por mais estafante que seja. Se em Belém não encontro as respostas para as minhas perguntas, se não é na minha cidade natal que estão as maiores probabilidades de eu chegar à cura ou pelo conviver harmoniosamente com o câncer, irei onde elas estão.
Mas eu faço parte de uma minoria privilegiada. Hoje custeio idas e voltas, consultas, exames e remédios porque tive acesso às leis que regem os portadores de câncer, entre elas a liberação do FGTS. Quantos sabem disso ? quantos têm FGTS ?
Ahh como é difícil viver em um Brasil tão desigual...
Mas não consigo me desligar por completo, fingir que sou a mesma pessoa.
Tive câncer na mama esquerda, tomarei o tal Tamoxifeno por cinco anos e durante outros anos passarei pela ansiedade de ter que estar procurando nódulos em outros lugares. Tento me conformar e me confortar pensando que se achei este tão pequenino escondido em muito tecido adiposo (eufemismo para comentar o excesso de gordura) sem tê-lo procurado, agora que estou decidida em me transformar em uma caçadora de câncer, não vou deixá-los em paz. Tudo farei para que, antes de amadurecerem, eu e as máquinas possamos identificá-los.
Sei agora como proceder. Onde encontrar as respostas.
Tenho vivido dois mundos diferentes nessa busca incessante. Ora nas clínicas cobertas de mármore e pessoas bem tratadas, bem vestidas ora entre macas e pessoas carentes, com fome e debilitadas.
Paradoxos que me perturbam muito.
Enquanto um dos médicos referência em câncer de mama que só atende particular e a consulta no valor de R$450,00 telefona para minha casa, a mais de três mil km, apenas para me dar uma “satisfação parcial”, comentar os resultados da revisão do nódulo, saio em seguida em busca da carteirinha do SUS para na próxima semana marcar a programação da radioterapia, rezando para que a ÚNICA existente no Pará não quebre ou que pessoas muito mais necessitadas e graves do que eu não passem de novo à minha frente.
Dois mundos que só têm em comum o câncer.
O câncer que mata, mutila, definha, mas que pode ser amenizado se o tratamento for humano, digno e menos dolorido para os que têm que conviver, pelo resto da vida com o fantasma das células que se reproduzem rápida e desordenadamente, quase sem controle em nosso corpo.
O mesmo câncer que permite que algumas (pouquíssimas !) pessoas tenham acesso aos exames mais sofisticados e que podem dar um diagnóstico mais preciso e obviamente um tratamento mais eficaz, também tem uma outra faceta. Aquela que não permite sequer o acesso aos remédios básicos, aqueles que tradicionalmente são utilizados há anos, mas que custam caro e que, por direito, todo cidadão tem direito.Muitos, porém, precisam entrar na justiça para obtê-los.
Um câncer de classe alta e outro de miseráveis. Células iguais, mas tratamentos antagônicos.
Isso tem me incomodado muito.
Estou tendo o privilégio da comparação, oportunidades abençoadas de ouvir diversas opiniões e não ter que acatar a primeira ou a segunda, nem sempre as corretas.
Não vou desistir dessa busca por mais estafante que seja. Se em Belém não encontro as respostas para as minhas perguntas, se não é na minha cidade natal que estão as maiores probabilidades de eu chegar à cura ou pelo conviver harmoniosamente com o câncer, irei onde elas estão.
Mas eu faço parte de uma minoria privilegiada. Hoje custeio idas e voltas, consultas, exames e remédios porque tive acesso às leis que regem os portadores de câncer, entre elas a liberação do FGTS. Quantos sabem disso ? quantos têm FGTS ?
Ahh como é difícil viver em um Brasil tão desigual...
terça-feira, 1 de abril de 2008
Ufa !!!
Hoje finalmente consegui um pouco mais de tempo para escrever, desabafar, registrar, dividir esse meu novo mundo cheio de surpresas, mudanças e reflexões.
Os últimos dias foram pesados por diferentes motivos.
Primeiro comecei a encarar com seriedade a minha monografia que ao final me dará o título de especialista em comunicação institucional. Quero aproveitar esse período de afastamento da Embrapa para me dedicar a esse projeto que começou com uma proposta de trabalhar apenas o grupo de jornalistas que integra a Rede Brasileira de Jornalismo Ambiental e agora já está sendo ampliado para mais dois: jornalistas dos principais jornais de Belém e Manaus e mais os assessores de imprensa de instituições de pesquisa que trabalham com manejo sustentável da floresta amazônica. Um trabalhão que me ocupará bastante, mas sei que será prazeroso.
Tem ainda a fase de elaboração de provas para as três disciplinas da FAZ e as idas ao Hospital Ophir Loyola para acertar os detalhes da radioterapia.
Mas foi a doença do Leonardo, o sobrinho com sabor de neto, filho do meu irmão Rulton, que me perturbou mais durante esses últimos dias. A gripe, depois uma febre alta até a constatação da pneumonia. Idas e vindas a dois hospitais, mas no último sábado o quadro exigiu um posicionamento mais firme e coube a mim (de novo !) assumir levá-lo a um hospital particular. Estava debilitado, visivelmente desidratado já que tudo o que comia não permanecia em seu estômago, sem disposição, sem fome. Horrível ! O Instituto Saúde da Criança foi o que escolhi pelas referências da época do Raul e da Anaterra e pela proximidade de nossas casas. De fato ele precisava de atenção especial. Nem mesmo suas pequeninas veias suportavam uma agulha para receber a medicação. Foi furado muitas vezes e sofreu um bocado.
Ficou sábado, domingo e saiu ontem cedo. Já com outra carinha. Brincando novamente, rindo, cheio de humor e tiradas que são suas marcas registradas. Alívio !
Mais tranqüila, agora aguardo o restante dos resultados dos exames refeitos em SP e a hora de voltar a praticar um esporte com mais seriedade, além das caminhadas. Afinal, o remédio que tomarei por cinco anos (à base de tamoxifeno) é uma bomba. Os primeiros dias foram quase insuportáveis: dor de cabeça, nos ossos, juntas, panturrilhas, pescoço, ombros, enjôos, secreção vaginal em grande quantidade, sumiço da menstruação, nervosismo, cabeça rodando. Li a bula e conversei com o meu clínico geral e essas reações, assim como outras que felizmente não senti, são normais. Segundo explicações técnicas elas deverão sumir à medida que meu organismo se acostumar. Quando isso acontecerá ? quis saber. Um mês, um ano ou cinco anos. Melhor aceitar e continuar a tomar a bomba que tem como principal objetivo impedir que um novo câncer atinja minha mama.
Valerá a pena !
Os últimos dias foram pesados por diferentes motivos.
Primeiro comecei a encarar com seriedade a minha monografia que ao final me dará o título de especialista em comunicação institucional. Quero aproveitar esse período de afastamento da Embrapa para me dedicar a esse projeto que começou com uma proposta de trabalhar apenas o grupo de jornalistas que integra a Rede Brasileira de Jornalismo Ambiental e agora já está sendo ampliado para mais dois: jornalistas dos principais jornais de Belém e Manaus e mais os assessores de imprensa de instituições de pesquisa que trabalham com manejo sustentável da floresta amazônica. Um trabalhão que me ocupará bastante, mas sei que será prazeroso.
Tem ainda a fase de elaboração de provas para as três disciplinas da FAZ e as idas ao Hospital Ophir Loyola para acertar os detalhes da radioterapia.
Mas foi a doença do Leonardo, o sobrinho com sabor de neto, filho do meu irmão Rulton, que me perturbou mais durante esses últimos dias. A gripe, depois uma febre alta até a constatação da pneumonia. Idas e vindas a dois hospitais, mas no último sábado o quadro exigiu um posicionamento mais firme e coube a mim (de novo !) assumir levá-lo a um hospital particular. Estava debilitado, visivelmente desidratado já que tudo o que comia não permanecia em seu estômago, sem disposição, sem fome. Horrível ! O Instituto Saúde da Criança foi o que escolhi pelas referências da época do Raul e da Anaterra e pela proximidade de nossas casas. De fato ele precisava de atenção especial. Nem mesmo suas pequeninas veias suportavam uma agulha para receber a medicação. Foi furado muitas vezes e sofreu um bocado.
Ficou sábado, domingo e saiu ontem cedo. Já com outra carinha. Brincando novamente, rindo, cheio de humor e tiradas que são suas marcas registradas. Alívio !
Mais tranqüila, agora aguardo o restante dos resultados dos exames refeitos em SP e a hora de voltar a praticar um esporte com mais seriedade, além das caminhadas. Afinal, o remédio que tomarei por cinco anos (à base de tamoxifeno) é uma bomba. Os primeiros dias foram quase insuportáveis: dor de cabeça, nos ossos, juntas, panturrilhas, pescoço, ombros, enjôos, secreção vaginal em grande quantidade, sumiço da menstruação, nervosismo, cabeça rodando. Li a bula e conversei com o meu clínico geral e essas reações, assim como outras que felizmente não senti, são normais. Segundo explicações técnicas elas deverão sumir à medida que meu organismo se acostumar. Quando isso acontecerá ? quis saber. Um mês, um ano ou cinco anos. Melhor aceitar e continuar a tomar a bomba que tem como principal objetivo impedir que um novo câncer atinja minha mama.
Valerá a pena !
Assinar:
Postagens (Atom)