Hoje é dia de remexer o baú das lembranças, desarrumar emoções, eviscerar momentos já distantes e outros nem tanto. O meu menino está fazendo 17 anos. Um pequeno-grande-homem, o meu único homem atualmente!
Ávida está fazendo dele um precoce chefe de família, levando-o a assumir responsabilidades que pensávamos estivessem ainda muito distante.
Sempre acreditei que teria filhos. Sempre quis tê-los. Próximo dos 30 anos nem levava mais em consideração o pai, queria apenas engravidar. Treinei a maternidade com o Ivan (hoje com 23anos) e com a Thaís (22). Não era a tia que apenas levava pra passear no Museu Emílio Goeldi aos domingos, mas a que limpava coco e passava horas acordadas vigiando a febre que não cedia.
Aos 32 anos, mais insistente do que nunca no desejo de gerar um filho, amamentá-lo e vê-lo ir se tornando um cidadão, felizmente apareceu na minha vida o Manoel. Mesma idade e sem filhos. Perfeito !! A gravidez não foi planejada, mas foi muito comemorada. Fiz tudo o que o médico (o primo e amigo Allan) recomendava e continuei seguindo à risca o que os pediatras determinavam. Cresceu saudável, mesmo com um susto aos 11 anos quando teve que operar o quadril. Mas nunca foi hospitalizado por doenças infantis como os que acometem muitas crianças do tipo intestinais ou respiratórias. Ou mesmo decorrente de acidentes domésticos. Uma mãe exageradamente cuidadosa, segundo os amigos mais próximos. Pode ser...
Hoje, no primeiro aniversário sem o Manoel, abracei um homem alto, forte bonito, mas acima de tudo um quase homem determinado, seguro, consciente e acima de tudo maduro pra idade, uma idade que todos diziam ser difícil, mas quase nunca lembro ser um adolescente com crises existenciais, dúvidas e humores em eternas mutações. Via de regra é tranqüilo, amoroso, atencioso e não apenas comigo, mas com todos com quem se relaciona. Mas se não gosta não esconde. Diz que não sabe fingir. Não faz nenhum esforço para esconder e manifestar a insatisfação com monossílabos e cara fechada.
Exigente, gosta de tudo o que é bom. Roupas, comida, sapatos e todos os acessórios masculinos. Um lado de seu perfil que tento controlar, minimizar, mas que ao mesmo tempo não vejo como problema, mas apenas característica. Como sempre mereceu o que lhe é dado, não há problema nessa troca. Conquista pessoas e o que quer, sem alarde.
Mal chegou em São Carlos e já tem um círculo grande de amigos , da escola ou da academia onde treina karatê. Há sempre elogios dos professores, dos coordenadores e até da senhora que cuida da disciplina. Educado e atencioso, sempre !!
Hoje nos emocionamos muito no abraço matinal. Faltava alguém naquele grupo. Nunca pensamos que, tão cedo, passaríamos um aniversário sem que o pai o beijasse e dissesse o tradicional: eu te amo muito, meu filho !. Eu e o Manoel conversávamos muito sobre como eles agiriam em nossa velhice. Mais impaciente e egoísta do que a Anaterra, sempre o recriminávamos pela individualidade exacerbada. Temíamos não tê-lo como um companheiro quando nossas pernas estivessem fracas, nossa audição limitada e o corpo demente. O Manoel não esperou pra saber...
Que reviravolta em nossas vidas ! O pequeno-grande-homem agora é quem vai ver se as portas estão fechadas à noite, quem carrega os pesos mais pesados, a pessoa indicada por mim para me atender em caso de um acidente. A inversão dos papéis tornando-se evidente !
2008 marcante para todos nós. Um ano atípico. Deixou amigos de muitos anos pra trás, namoradinhas que inundam seu orkut com declarações de amor, de saudade. A sua história em Belém que embora curta já é intensa. Perdeu o pai. Acompanhou a doença, viu seu sofrimento, se despediu com muitas lágrimas no CTI, ajudou a colocá-lo no caixão, foi comigo buscar as cinzas, mas não desabou. Cheguei a me preparar para o impacto no colégio, na relação com as pessoas e de alguma forma tentar ajudá-lo. Não.. ele é que tem me ajudado. Basta me ver chorando ou um pouco mais triste pra tentar me consolar dizendo que o Manoel agora está melhor, sem dor.
O dia de hoje está sendo muito especial, diferente dos aniversários anteriores, marcante. Será de poucas comemorações. Iremos a uma pizzaria (eu, mamãe, ele e a Anaterra) e lá, sem que ele saiba, estará nos esperando um pequeno grupo de amigos que já fez por aqui. A comemoração é íntima, simbólica. O que mais importa não está visível, fica guardado a sete chave em nossos corações. Estou me sentindo plena, serena com a descoberta de que a criança que pari há 17 anos está se tornando um homem de bem. Sempre pautamos a educação deles no estímulo. Educação a melhor que podemos oferecer, acesso à informação, bons livros, bons passeios, boas conversas, muito diálogo, limites, imposições, regras, castigos, mas muitos beijos antes de dormir, muitas explicações diante das decisões que para eles podem parecer absurdas, no respeito ao outro, na visão de que o mundo é heterogêneo, as pessoas diferentes entre si e por mais difícil que possa ser entendê-las e nos entender, temos que pelo menos exercitar pra não sofrer e não fazer sofrer. Viver bem com a diversidade é uma arte e os que conseguem são sempre mais felizes que os limitados, o que não cresceram como pessoas, os que se mantêm com o olhar fixo em um ponto sem se permitir sonhar, experimentar, renascer.
Tento penetrar em seu mundo, massei que nunca conseguirei. O mundo dele é dele. Só dele ! Mas o que olho pela fresta me dá alegria, tranqüilidade. Além da dedicação, para mim exagerada às atividades físicas e alimentação controlada, ele está olhando pra frente e tentando aproveitar a oportunidade que a vida nos ofereceu de estarmos em um centro mais desenvolvido, com universidades mais qualificadas. Ontem eu ganhei o presente: decidiu, além do curso tradicional, freqüentar à noite o intensivão do Objetivo. Um dos mais conceituados da cidade. Será puxado. As aulas se estendem até às 23 horas, mas ele quer encarar o desafio, quer ir mais seguro para o vestibular. E se depender de mim, irá !!
Este é o meu bebê que quase não cabe mais na minha cama, vive admirando seus músculos no espelho, cuida da aparência, mas tem uma beleza maior do que a que os olhos nos permitem ver: interiormente está em formação um homem de bem . Os mais sensíveis, os menos preconceituosos, os mais evoluídos como espécie humana conseguem vê-lo nitidamente.
Espero que a vida continue me presenteando desse jeito e que muitos e muitos anos possa ainda dizer, dia 23 de setembro ou todos os dias, o quanto o amo e o quanto eu tenho orgulho de ser sua mãe.
Quem sou eu
- Ruth Rendeiro
- Belém/Ribeirão Preto, Brazil
- Amazônida jornalista, belemense papa-xibé. Mãe, filha, amiga... Que escreve sobre tudo e todos há décadas. Com lid ou sem lid e que insiste em aprender mais e mais... infinitamente... Até a morte
Aos que me visitam
Sintam-se em casa. Sentem no sofá, no chão ou nessa cadeira aí. Ouçam a música que quiser, comam o que tiver e bebam o que puderem.
Entrem...
Isso aqui está se transformando em um pedaço de mim que divido com cada um de vocês.
Entrem...
Isso aqui está se transformando em um pedaço de mim que divido com cada um de vocês.
Antes de sair me dê um abraço, um afago e me permita um beijo.
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terça-feira, 23 de setembro de 2008
sábado, 20 de setembro de 2008
As "meninas" estão chegando
As decisões ultimamente têm sido grandiosas. Não se limitam a optar entre ir à Estação tomar um sorvete na Cairu ou passar no Líder da Doca para fazer umas comprinhas para a semana. Já não tenho que decidir se iremos no próximo final de semana tomar uma cerveja, devidamente acompanhada de uma cerveja bem gelada em Mosqueiro ou cuidar da limpeza do quintal que está feio, cheio de mato, precisando de trato. Minhas opções agora são complexas, onerosas e quase sempre solitárias. Uma das mais recentes foi a de viabilizar a ida da minha cunhada Dóris, a quem nunca poderei pagar por tanta generosidade, a Belém, Há uma semana ela seguiu de ônibus de Leme para o terminal rodoviário de São Braz, mais de 48 horas de viagem com uma missão muito especial: trazer para perto de nós a Miúcha e a Bebel, as duas cachorrinhas “cofaps” que viviam dentro de casa com a gente. As mesmas que dormiam, nas tardes de sábado e domingo, junto com o Manoel na rede.
Será um reencontro. Estamos ansiosos como se estivessem chegando dois bebês. Cobertores foram comprados, ração, vasilhas novas e bonitas. Tudo pronto para que elas sintam-se confortavelmente em casa, mesmo que seja uma casa diferente da que estávamos todos acostumados. Bem menor, mais impessoal. Estou me controlando para não adquirir coisas demais, pra não juntar muita coisa novamente. A nossa história, como diz um grande amigo, não pode fazer relação com o material, com o físico. As lembranças, as doces recordações estão dentro de nós e nos acompanham para onde formos, independente de termos ou não algo para contemplar, tocar.
A Dóris também trará um “kit ver-o-peso” pra matar a saudade das nossas guloseimas. Polpa de cupuaçu, taperebá, maniva pré-cozida, tucupi, jambu, molho de pimento , bombons de cupuaçu e muito cheiro-do-pará. Mas o que eu mais queria não virá...
Como dói essa aproximação com o nosso mundo paraense. Fica forte demais a presença do Manoel quando estamos próximos do nosso passado. Ontem a Embrapa o homenageou novamente. A imagem de Nossa Senhora de Nazaré peregrina pela primeira vez visitou a instituição. Uma procissão que percorre o centro de pesquisa e que ele participou desde os primeiros. Se envolvia, vibrava com os fogos, com a decoração da berlinda e nos últimos anos estávamos todos lá acompanhando a santinha, pedindo sua bênção. O Círio do ano passado foi muito angustiante para todos nós. Tínhamos acabado de saber do meu câncer. Emoção, emoção e mais emoção e em silêncio sem querer preocupar o outro, nos perguntávamos se este ano eu estaria aqui para ver mais um Círio. Quanta ironia, quanta perplexidade: eu estou, mas ele não. O último círio era dele, não meu...
Não iremos este ano para Belém participar da grande procissão. Inúmeros motivos nos impedem, vão das limitações financeiras ao receio que ainda tenho do reencontro com parte da minha história. Vou entrar na casa que foi nossa, sentar na cadeira que era dele, deitar na cama que dividíamos, rever roupas, sentir cheiros, olhar fotos... aii meu Deus vai ser tão doloroso, mas será necessário muito em breve. É preciso virar essa página para que as outras não fiquem tão dependentes dela.
Mas agora o que eu quero mesmo é que as horas passem correndo e a gente possa abraçar as “meninas”. Chegarão à base de tranqüilizantes, mas logo logo vão estar latindo de felicidade com o reencontro. Também devem estar com saudades.
quinta-feira, 18 de setembro de 2008
Mundos tão diferentes
Como é ruim ratificar que a minha Belém querida está tão distante do bom, da modernidade, carente de quase tudo, do básico como a saúde. Eu já sabia disso há muito tempo. Sofri, vivenciei, presenciei o quê de mais revoltante pode ser o desrespeito com o ser humano e principalmente aquele doente, fragilizado por um mal incontrolável e assustador como o câncer. Tudo detalhadamente registrado aqui neste blog, mas nem por isso deixo de me revoltar, de me sentir impotente diante de dois mundos tão diferentes, divididos pela proximidade ou distância da linha do Equador.
Depois de quase três meses da decisão tresloucada de deixar minha terra natal e recomeçar a vidaa mais de 3 mil km, mesmo sem ter um direção mais precisa do que me aguardava, de novo volto os olhos para mim mesma. Preciso me cuidar, ficar alerta a qualquer sinal emanado do meu corpo, ler o aviso implícito em uma sutil mudança que pode ser um aviso, um alerta.
As dores persistentes na mama esquerda, de onde foi retirado o nódulo maligno e um inesperado sangramento vaginal com fortes cólicas , surpreendente a volta da menstruação interrompida em março logo após o início do remédio contra a recidiva na mama, me assustou, trouxe de volta os mesmos medos adormecidos pelos acontecimentos mais prementes, mais urgentes.
Voltei à clínica de Campinas onde comecei o tratamento, onde me submeti à braquiterapia em julho e de novo me deparo com o atendimento, presteza, profissionalismo inusitados para os que vivem no Pará e, intimamente, desejo em silêncio que um dia meus conterrâneos tenham direito a tudo isso.
Não.. não é nada particular. Tudo pelo plano da Embrapa, assim como o que eu usava em Belém. Mas a diferença é gritante !
Cheguei na clínica por volta das 13:30h. Antes de ser consultada fiz uma ultrassom da mama. Medo, angústia... Sentia um pedaço de tecido entumescido onde doía mais. Seria um novo nódulo ? Ai meu Deus, mais uma nova cirurgia? Agora não ! Logo em seguida o ginecologista/mastologista, um senhor divertido e muito experiente, me chama e diz que não devo me preocupar. Ele já estava com o laudo do mastologista na mão ! Explica que a mama fora muito agredida. Duas cirurgia e mais a braquiterapia podem ter causado todo o trauma que tanto me incomoda hoje a ponto de dificultar de dormir de bruços. Mas tinha ainda o sangramento... Semblante preocupado, afinal o câncer no endométrio pode acontecer depois do da mama, facilitado pelo remédio que tomarei durante cinco anos. Nova agradável surpresa: ele chama a atendente e diz que precisa de uma ultrassom vaginal naquele momento. Só o tempo de pedir autorização pelo telefone à Unimed e eu já estava de volta à sala de ultrassonografia. O incômodo e constrangedor exame começa a me desvendar intimamente. Mexe daqui, cutuca dali e as descobertas vão se enumerando: um cisto no ovário esquerdo e quatro miomas no útero, mas nada que seja preocupante ,segundo o médico. Confiei nele, acreditei no que disse. Preciso apenas de acompanhamento constante, avaliações que me permitam descobrir tumores em fase inicial se eles acontecerem novamente e três preciosas e difíceis recomendações: muita atividade física, alimentação moderada e uma cabeça leve, serena, tranqüila, em paz. Fácil ? Nem um pouco ! Mas nada impossível. Saí de lá com a receita para caso surgissem novas dores ou sangramentos e uma espécie de agenda para registrar quaisquer alterações menstruais. A explicação técnica é que em alguns casos a menopausa só se concretiza em muitos meses.
Inevitável não comparar com a realidade em Belém. Quanto tempo eu aguardaria pela consulta ? E os exames ? Mais um bom tempo certamente para apanhar os resultados e nova espera para retornar ao médico. Uma semana, um mês, dois meses ? Em uma tarde fiz tudo e saí de lá tranqüila, feliz com a possibilidade de viver os próximos meses sem o fantasma do câncer me perseguindo, me seguindo.
Em novembro uma nova avaliação em Campinas. Mastologista e oncologista vão me vasculhar com mais detalhes e, desde agora, rezo pra que nada seja encontrado.
Prossigo na academia, irei a um nutricionista nos próximos dias e tentarei buscar as diferentes maneiras de me manter distante da depressão, da tristeza. Nem sempre é possível, mas com determinação vou buscando prazeres antigos, novos e oportunidades para me fazer feliz.
Brasília me espera. Os amigos estão me acarinhando e sei que me fará bem essa viagem. Ou melhor : só idealizá-la já está fazendo !
Depois de quase três meses da decisão tresloucada de deixar minha terra natal e recomeçar a vidaa mais de 3 mil km, mesmo sem ter um direção mais precisa do que me aguardava, de novo volto os olhos para mim mesma. Preciso me cuidar, ficar alerta a qualquer sinal emanado do meu corpo, ler o aviso implícito em uma sutil mudança que pode ser um aviso, um alerta.
As dores persistentes na mama esquerda, de onde foi retirado o nódulo maligno e um inesperado sangramento vaginal com fortes cólicas , surpreendente a volta da menstruação interrompida em março logo após o início do remédio contra a recidiva na mama, me assustou, trouxe de volta os mesmos medos adormecidos pelos acontecimentos mais prementes, mais urgentes.
Voltei à clínica de Campinas onde comecei o tratamento, onde me submeti à braquiterapia em julho e de novo me deparo com o atendimento, presteza, profissionalismo inusitados para os que vivem no Pará e, intimamente, desejo em silêncio que um dia meus conterrâneos tenham direito a tudo isso.
Não.. não é nada particular. Tudo pelo plano da Embrapa, assim como o que eu usava em Belém. Mas a diferença é gritante !
Cheguei na clínica por volta das 13:30h. Antes de ser consultada fiz uma ultrassom da mama. Medo, angústia... Sentia um pedaço de tecido entumescido onde doía mais. Seria um novo nódulo ? Ai meu Deus, mais uma nova cirurgia? Agora não ! Logo em seguida o ginecologista/mastologista, um senhor divertido e muito experiente, me chama e diz que não devo me preocupar. Ele já estava com o laudo do mastologista na mão ! Explica que a mama fora muito agredida. Duas cirurgia e mais a braquiterapia podem ter causado todo o trauma que tanto me incomoda hoje a ponto de dificultar de dormir de bruços. Mas tinha ainda o sangramento... Semblante preocupado, afinal o câncer no endométrio pode acontecer depois do da mama, facilitado pelo remédio que tomarei durante cinco anos. Nova agradável surpresa: ele chama a atendente e diz que precisa de uma ultrassom vaginal naquele momento. Só o tempo de pedir autorização pelo telefone à Unimed e eu já estava de volta à sala de ultrassonografia. O incômodo e constrangedor exame começa a me desvendar intimamente. Mexe daqui, cutuca dali e as descobertas vão se enumerando: um cisto no ovário esquerdo e quatro miomas no útero, mas nada que seja preocupante ,segundo o médico. Confiei nele, acreditei no que disse. Preciso apenas de acompanhamento constante, avaliações que me permitam descobrir tumores em fase inicial se eles acontecerem novamente e três preciosas e difíceis recomendações: muita atividade física, alimentação moderada e uma cabeça leve, serena, tranqüila, em paz. Fácil ? Nem um pouco ! Mas nada impossível. Saí de lá com a receita para caso surgissem novas dores ou sangramentos e uma espécie de agenda para registrar quaisquer alterações menstruais. A explicação técnica é que em alguns casos a menopausa só se concretiza em muitos meses.
Inevitável não comparar com a realidade em Belém. Quanto tempo eu aguardaria pela consulta ? E os exames ? Mais um bom tempo certamente para apanhar os resultados e nova espera para retornar ao médico. Uma semana, um mês, dois meses ? Em uma tarde fiz tudo e saí de lá tranqüila, feliz com a possibilidade de viver os próximos meses sem o fantasma do câncer me perseguindo, me seguindo.
Em novembro uma nova avaliação em Campinas. Mastologista e oncologista vão me vasculhar com mais detalhes e, desde agora, rezo pra que nada seja encontrado.
Prossigo na academia, irei a um nutricionista nos próximos dias e tentarei buscar as diferentes maneiras de me manter distante da depressão, da tristeza. Nem sempre é possível, mas com determinação vou buscando prazeres antigos, novos e oportunidades para me fazer feliz.
Brasília me espera. Os amigos estão me acarinhando e sei que me fará bem essa viagem. Ou melhor : só idealizá-la já está fazendo !
sexta-feira, 12 de setembro de 2008
Viúva eu ?!!
A tomada de consciência de que meu mundo mudou parece mais assustador do que quando eu estava no olho do furacão. Aos poucos vou me reconhecendo como uma mulher só, uma viúva. Não uma viúva do início do século passado, de roupas pretas que encobriam todo o corpo, mas nem por isso ausente de luto. A vida está se mostrando como uma paisagem turva em que minha visão pouco consegue vislumbrar. Não distingo o vermelho do roxo; o azul do preto. Uma névoa recobre meu futuro.
A certeza da ausência incomoda demais e bate à porta a cada lembrança, a cada necessidade da presença. Não tenho mais a pessoa que me entendia com um simples olhar, com quem brigava sem limites e no final dizia “quando você estiver mais calma a gente volta a conversar”, o homem que quase enlouqueceu quando descobrimos meu câncer, mas que ironicamente a vida dele é que corria perigo. Bem mais perigo. Era ele que está sendo dizimado por essas células infames, aterrorizantes, traiçoeiras.
Não tenho mais a presença daquele companheiro para conversar sobre os filhos antes de dormir, para ligar no meio da manhã ou da tarde desesperada com a demora inexplicável ou apenas para comentar as novidades, as conquistas de cada um. Sinto falta até do homem-faz-tudo que pendurava os quadros na parede ou me acompanhava ao supermercado. Que ia comigo ao médico ou ao mercado do Ver-o-Peso quase todos os sábados em busca de peixe fresco e frutas regionais.
A fragilidade da vida me enfraquece. Tenho buscado, em tudo o que vislumbro como uma saída para arejar a cabeça, concentrar-me mais e mais e não ficar editando lembranças desconexas ou tão nítidas e recentes.Ou outras recordações mais remotas que vão lá atrás, nos nossos primeiros contatos embrapianos ou as que marcaram a nossa despedida no hospital, ele já inconsciente. Imagens que se confundem, se entrelaçam, que vão e voltam e me torturam.
Sei que tenho que me reerguer. Sinto-me cansada, estressada, aborrecendo-me por pouca coisa com os meninos e justamente com eles que também estão sofrendo com essa partida. Tento imaginar a cabeça de cada um, os sentimentos desconhecidos que dominam seus corações diante de um carro antigo que passa na rua ou de um grito mais descontrolado que emito, mesmo que me arrependa depois. A figura paterna tão presente não existe mais e desapareceu tão rapidamente que ainda não conseguimos digerir essa partida. Sei que nunca poderei substituí-lo por mais que tente. O Manoel não foi um pai qualquer. Não era aquele pai ausente, autoritário ou que simplesmente vem pra casa dormir. Não ... talvez fosse o pai que todo filho sonhara. Tento convencê-los que o importante é que eles tiveram esse pai, mesmo que tenha ido tão cedo, mas o privilégio da convivência é que tem que ser comemorado. Tantos gostariam de tê-lo por um, dois anos, eles tiveram por mais de dez ! Mas será que eu acredito nisso ?
Amo demais meus filhos, mas sei também que eles são o meu pára-choque, é com eles que eu surto, é com eles que extravaso o que nos outros ambientes eu consigo reprimir, manter a calma aparente. Mas nesse momento tão delicado para todos nós, não posso agir dessa forma. Preciso de um tempo longe deles, sair desse ambiente fúnebre, onde possa ver a vida e brindar a ela, voltar a acreditar que poderei viver novamente, sorrir, gargalhar. A possibilidade de ir para Brasília ainda este mês e rever amigos queridos, aprofundar meu conhecimento sobre a Embrapa tem enchido meus dias, me dado-me um sopro de novo, de prazer. É apenas uma possibilidade, mas que tem me servido de companhia antes de dormir. Cinco dias em contato com o mundo que deixei lá fora há quase um ano quando o carcinoma ductual invasivo foi constato em minha mama e que se prolongou com a enfermidade do Manoel, que detonou com a morte dele. Um mundo que sempre me atraiu: de novidades, superações, inovações, competição saudável (ou às vezes nem tanto!), criatividade, ousadia. Tudo farei para ir a Brasília. Uma despesa não prevista, mas que trará melhor resultado do que consultas com psiquiatra e várias doses de remédios tarja preta. Voltarei mais leve, menos tensa, mais saudosa dos meninos, mais feliz por ver a felicidade dos (nos) outros. Na capital federal, além de pessoas queridas que a Embrapa me deu de presente como a Marita, Beth, Robinson, Rosângela, Ana Laura que estão em Brasília, tenho ainda “irmãos” como a Renata e Carlos Honorato. Uma boa oportunidade para ser acarinhada, paparicada e de alguma forma sentir que ainda estou viva, mesmo com a alma tão ferida. Preciso de abraços sinceros.
Mas antes preciso retornar ao médico, avaliar algumas manifestações em meu corpo que têm me preocupado, me assustado demais. Depois da descoberta do câncer, tudo parece que se relaciona a ele. Não teremos mais uma gripe, mas câncer na garganta; não há mais infecção intestinal, mas tumores no estômago ou esôfago e eu não sou diferente. Entro em paranóia e sofro por antecipação ao imaginar o retorno das células se multiplicando desordenadamente, que retornaram agora com muita força. Depois de seis meses sem menstruar, ao começar o tamoxifeno que ficarei depende durante cinco anos, de repente começo a sangrar com muitas cólicas e forte indisposição. Sinto-me inchada e temo uma rejeição ao remédio o que poderá ter a indicação de retirada dos ovários e útero com prevenção de câncer nesses órgãos já que meu tumor é receptivo a hormônios, se alimenta deles. Felizmente já tenho consulta marcada para a próxima segunda-feira em Campinas com o mastologista e ele decidirá qual o melhor procedimento, enquanto isso, além da força interna para não sofrer mais do que o necessário, tentando entender cada etapa do luto, preciso agora de uma dose extra de força física também.
Será que eu agüento ?
A certeza da ausência incomoda demais e bate à porta a cada lembrança, a cada necessidade da presença. Não tenho mais a pessoa que me entendia com um simples olhar, com quem brigava sem limites e no final dizia “quando você estiver mais calma a gente volta a conversar”, o homem que quase enlouqueceu quando descobrimos meu câncer, mas que ironicamente a vida dele é que corria perigo. Bem mais perigo. Era ele que está sendo dizimado por essas células infames, aterrorizantes, traiçoeiras.
Não tenho mais a presença daquele companheiro para conversar sobre os filhos antes de dormir, para ligar no meio da manhã ou da tarde desesperada com a demora inexplicável ou apenas para comentar as novidades, as conquistas de cada um. Sinto falta até do homem-faz-tudo que pendurava os quadros na parede ou me acompanhava ao supermercado. Que ia comigo ao médico ou ao mercado do Ver-o-Peso quase todos os sábados em busca de peixe fresco e frutas regionais.
A fragilidade da vida me enfraquece. Tenho buscado, em tudo o que vislumbro como uma saída para arejar a cabeça, concentrar-me mais e mais e não ficar editando lembranças desconexas ou tão nítidas e recentes.Ou outras recordações mais remotas que vão lá atrás, nos nossos primeiros contatos embrapianos ou as que marcaram a nossa despedida no hospital, ele já inconsciente. Imagens que se confundem, se entrelaçam, que vão e voltam e me torturam.
Sei que tenho que me reerguer. Sinto-me cansada, estressada, aborrecendo-me por pouca coisa com os meninos e justamente com eles que também estão sofrendo com essa partida. Tento imaginar a cabeça de cada um, os sentimentos desconhecidos que dominam seus corações diante de um carro antigo que passa na rua ou de um grito mais descontrolado que emito, mesmo que me arrependa depois. A figura paterna tão presente não existe mais e desapareceu tão rapidamente que ainda não conseguimos digerir essa partida. Sei que nunca poderei substituí-lo por mais que tente. O Manoel não foi um pai qualquer. Não era aquele pai ausente, autoritário ou que simplesmente vem pra casa dormir. Não ... talvez fosse o pai que todo filho sonhara. Tento convencê-los que o importante é que eles tiveram esse pai, mesmo que tenha ido tão cedo, mas o privilégio da convivência é que tem que ser comemorado. Tantos gostariam de tê-lo por um, dois anos, eles tiveram por mais de dez ! Mas será que eu acredito nisso ?
Amo demais meus filhos, mas sei também que eles são o meu pára-choque, é com eles que eu surto, é com eles que extravaso o que nos outros ambientes eu consigo reprimir, manter a calma aparente. Mas nesse momento tão delicado para todos nós, não posso agir dessa forma. Preciso de um tempo longe deles, sair desse ambiente fúnebre, onde possa ver a vida e brindar a ela, voltar a acreditar que poderei viver novamente, sorrir, gargalhar. A possibilidade de ir para Brasília ainda este mês e rever amigos queridos, aprofundar meu conhecimento sobre a Embrapa tem enchido meus dias, me dado-me um sopro de novo, de prazer. É apenas uma possibilidade, mas que tem me servido de companhia antes de dormir. Cinco dias em contato com o mundo que deixei lá fora há quase um ano quando o carcinoma ductual invasivo foi constato em minha mama e que se prolongou com a enfermidade do Manoel, que detonou com a morte dele. Um mundo que sempre me atraiu: de novidades, superações, inovações, competição saudável (ou às vezes nem tanto!), criatividade, ousadia. Tudo farei para ir a Brasília. Uma despesa não prevista, mas que trará melhor resultado do que consultas com psiquiatra e várias doses de remédios tarja preta. Voltarei mais leve, menos tensa, mais saudosa dos meninos, mais feliz por ver a felicidade dos (nos) outros. Na capital federal, além de pessoas queridas que a Embrapa me deu de presente como a Marita, Beth, Robinson, Rosângela, Ana Laura que estão em Brasília, tenho ainda “irmãos” como a Renata e Carlos Honorato. Uma boa oportunidade para ser acarinhada, paparicada e de alguma forma sentir que ainda estou viva, mesmo com a alma tão ferida. Preciso de abraços sinceros.
Mas antes preciso retornar ao médico, avaliar algumas manifestações em meu corpo que têm me preocupado, me assustado demais. Depois da descoberta do câncer, tudo parece que se relaciona a ele. Não teremos mais uma gripe, mas câncer na garganta; não há mais infecção intestinal, mas tumores no estômago ou esôfago e eu não sou diferente. Entro em paranóia e sofro por antecipação ao imaginar o retorno das células se multiplicando desordenadamente, que retornaram agora com muita força. Depois de seis meses sem menstruar, ao começar o tamoxifeno que ficarei depende durante cinco anos, de repente começo a sangrar com muitas cólicas e forte indisposição. Sinto-me inchada e temo uma rejeição ao remédio o que poderá ter a indicação de retirada dos ovários e útero com prevenção de câncer nesses órgãos já que meu tumor é receptivo a hormônios, se alimenta deles. Felizmente já tenho consulta marcada para a próxima segunda-feira em Campinas com o mastologista e ele decidirá qual o melhor procedimento, enquanto isso, além da força interna para não sofrer mais do que o necessário, tentando entender cada etapa do luto, preciso agora de uma dose extra de força física também.
Será que eu agüento ?
terça-feira, 9 de setembro de 2008
Monólogos
Talvez nunca tenha ficado tanto em companhia de mim mesma como agora. Os pensamentos têm sido meus companheiros contantes que me perturbam e me confortam. Estou introvertida como nunca fora antes. Mesmo que ria e brinque, na Embrapa ou na academia, não sou mais a mesma. Minha alma está triste.
Mina caminhada é tortuosa, repleta de desvios e quando penso que encontrei o rumo, tudo desaba novamente. Navego em águas turvas, às vezes violentas que me derrubam, outras tranqüilas demais que me dão sonolência.
E aí converso, converso novamente comigo ou com quem não pode me responder. Monólogos sem respostas, de pura reflexão com meus fantasmas, mocinhos e bandidos. O Manoel também é meu silencioso ouvinte.
Converso, peço ajuda e chego mesmo a brigar com ele. Se ele não pode mais ir apanhar o Raul à noite como fazia há tão pouco tempo, rogo que ele olhe por ele lá de cima e o proteja, cuidando de nosso filho para que nada de ruim aconteça. Se ele não pode mais chamar a atenção quando a voz adolescente se altera, que ele me dê paciência para não me estressas demais e conseguir conversar e não gritar.
Muitas vezes brigo, questiono a falta de cuidado que teve com a vida. Deu pouca atenção aos avisos, brigou pouco pelo direito de viver mais e saudavelmente. Exames antigos só agora encontrados indicam que desde 2001, quando ele teve problemas sérios de saúde, seu corpo já vinha indicando que algo grave estava acontecendo. Leucopenia, plaquetas baixas demais e para ele tudo muito normal. Nada sentia, era disposto, tinha muito pique por que então se preocupar ? Poderia ter ouvido e estar aqui agora dividindo comigo essa cruz tão pesada.
Ontem foi um dia em que desabei. Chorei demais e perguntei a ele porque resolveu ir embora tão cedo e me deixar com essas duplas, triplas atribuições de cuidar de mim, procurar me prevenir de um novo câncer e ainda estar atenta a dois jovens em formação ? Não contive a raiva pelo abandono prematuro. Não uma separação de casal, mas de almas.
Como conversar com o Raul ou Anaterra sobre seguros, dívidas, venda de casa, ansiedade pelo novo trabalho ? Como explicar a eles que a mãe, sempre tão forte, agora sente-se tão fragilizada e tão só ? Minha mãe está fazendo tudo para nos ajudar, sua presença tem sido um bálsamo em nossa vida, mas também não entende o que acontece. Só percebe minhas lágrimas, ouve meus soluços ou vê meu rosto inchado.
Não tenho certeza se ele me ouve, mas preciso desabafar minha ansiedade, o medo pela demora do Raul ou por não conseguir prosseguir cuidando deles. Preciso voltar ao mastologista em Campinas, mas é tudo tão complicado. Minha carteira da Unimed terá que ser refeita, preciso aguardar; o hospital onde o Manoel fez o tratamento está cobrando mais de 170 mil do convênio, que, caso se negue a pagar, será repassada a cobrança à família. Como ?
Tenho tentado não desabar, a olhar o sol da manhã como uma benção que chega para aquecer a todos. Rezo, acendo velas, vou a missa, aceito os convites dos colegas da Embrapa (domingo passado almoçamos na casa da Joana, a jornalista da Unidade onde ficarei, em companhia de um outro colega jornalista, Jorge Reti da outra Unidade da Embrapa de São Carlos), mas como se estivesse atolada em uma lama movediça apenas me movimento levemente, mas não consigo me libertar.
Sorrio, mas logo perco-me em decisões tão complexas que afundo novamente.
Felizmente tenho ainda planos. Viagens que em breve começarão e uma grande receptividade ao meu trabalho . Estímulo que têm amenizado tanto desconforto. Confiança e expectativa de todos os lados e um seminário em outubro para marcar a minha chegada. Um temor de prazer que tem preenchido parte dos meus dias. Dias que vão se passando sem emoção, sem alegria, em música e com pouco interesse pela leitura. De pouca conversa e de um pouco de frio das frentes frias que o Sul nos manda.
Dias longos que sei, preciso de paciência para enfrentá-los e não sucumbir. Mas até quando ?
Mina caminhada é tortuosa, repleta de desvios e quando penso que encontrei o rumo, tudo desaba novamente. Navego em águas turvas, às vezes violentas que me derrubam, outras tranqüilas demais que me dão sonolência.
E aí converso, converso novamente comigo ou com quem não pode me responder. Monólogos sem respostas, de pura reflexão com meus fantasmas, mocinhos e bandidos. O Manoel também é meu silencioso ouvinte.
Converso, peço ajuda e chego mesmo a brigar com ele. Se ele não pode mais ir apanhar o Raul à noite como fazia há tão pouco tempo, rogo que ele olhe por ele lá de cima e o proteja, cuidando de nosso filho para que nada de ruim aconteça. Se ele não pode mais chamar a atenção quando a voz adolescente se altera, que ele me dê paciência para não me estressas demais e conseguir conversar e não gritar.
Muitas vezes brigo, questiono a falta de cuidado que teve com a vida. Deu pouca atenção aos avisos, brigou pouco pelo direito de viver mais e saudavelmente. Exames antigos só agora encontrados indicam que desde 2001, quando ele teve problemas sérios de saúde, seu corpo já vinha indicando que algo grave estava acontecendo. Leucopenia, plaquetas baixas demais e para ele tudo muito normal. Nada sentia, era disposto, tinha muito pique por que então se preocupar ? Poderia ter ouvido e estar aqui agora dividindo comigo essa cruz tão pesada.
Ontem foi um dia em que desabei. Chorei demais e perguntei a ele porque resolveu ir embora tão cedo e me deixar com essas duplas, triplas atribuições de cuidar de mim, procurar me prevenir de um novo câncer e ainda estar atenta a dois jovens em formação ? Não contive a raiva pelo abandono prematuro. Não uma separação de casal, mas de almas.
Como conversar com o Raul ou Anaterra sobre seguros, dívidas, venda de casa, ansiedade pelo novo trabalho ? Como explicar a eles que a mãe, sempre tão forte, agora sente-se tão fragilizada e tão só ? Minha mãe está fazendo tudo para nos ajudar, sua presença tem sido um bálsamo em nossa vida, mas também não entende o que acontece. Só percebe minhas lágrimas, ouve meus soluços ou vê meu rosto inchado.
Não tenho certeza se ele me ouve, mas preciso desabafar minha ansiedade, o medo pela demora do Raul ou por não conseguir prosseguir cuidando deles. Preciso voltar ao mastologista em Campinas, mas é tudo tão complicado. Minha carteira da Unimed terá que ser refeita, preciso aguardar; o hospital onde o Manoel fez o tratamento está cobrando mais de 170 mil do convênio, que, caso se negue a pagar, será repassada a cobrança à família. Como ?
Tenho tentado não desabar, a olhar o sol da manhã como uma benção que chega para aquecer a todos. Rezo, acendo velas, vou a missa, aceito os convites dos colegas da Embrapa (domingo passado almoçamos na casa da Joana, a jornalista da Unidade onde ficarei, em companhia de um outro colega jornalista, Jorge Reti da outra Unidade da Embrapa de São Carlos), mas como se estivesse atolada em uma lama movediça apenas me movimento levemente, mas não consigo me libertar.
Sorrio, mas logo perco-me em decisões tão complexas que afundo novamente.
Felizmente tenho ainda planos. Viagens que em breve começarão e uma grande receptividade ao meu trabalho . Estímulo que têm amenizado tanto desconforto. Confiança e expectativa de todos os lados e um seminário em outubro para marcar a minha chegada. Um temor de prazer que tem preenchido parte dos meus dias. Dias que vão se passando sem emoção, sem alegria, em música e com pouco interesse pela leitura. De pouca conversa e de um pouco de frio das frentes frias que o Sul nos manda.
Dias longos que sei, preciso de paciência para enfrentá-los e não sucumbir. Mas até quando ?
segunda-feira, 1 de setembro de 2008
A vida dentro de uma caixinha
Os mistérios da morte há muito intrigam os homens. Filósofos em um passado muito remoto buscaram explicações que até hoje alimentam nossa alma para que a tosca compreensão não nos angustie mais do que a partida definitiva. Mas, nada do que se disser, não do que eu venha a ler, nem toda a minha crença será capaz de atenuar o vazio que tem tomado conta de mim ao conviver, pela primeira vez, com a morte ao meu lado.
Já perdi muitos entes queridos amigos maravilhosos que fazem parte da minha história, mas nenhum esteve na minha vida durante 18 anos de dia e de noite, participando ativamente de minha rotina, dividindo cada plano, discordando ou concordando com cada decisão. Essa deve ser a diferença básica. De repente, como num passe de mágica, não há mais a voz do Manoel ao telefone, mesmo aquela voz do final da vida, cansada, vagarosa, já sofrida. Nossa parceria que envolvia dividir o mesmo carro, a mesma cama, os mesmos filhos, a mesma casa, os mesmos amigos, os mesmos planos, está desfeita.
Tento entender como um processo lógico e natural que todos morrerão um dia, que esta é a certeza da vida. Entretanto, fico perplexa com as descobertas que nos transformam, da noite para o dia, em apenas lembranças. A incerteza da perenidade encoberta pelo silêncio de quem parte, aumenta minha aflição nessa busca por explicações convincentes inexistentes. Não será possível apenas passarmos por aqui e como num passe de mágica deixarmos de existir. Sei que podemos nos transformamos em uma energia, estarmos em um outro plano, sermos um espírito que está em fase de transição ou estarmos aguardando, como aprendi na Igreja Católica, o juízo final. Tudo faz sentido, mas como não ter mais nenhum contato, como aceitar que a partir do momento que o coração silencia nós nunca mais nos manifestaremos ? Como ?
Relembro momentos, perco-me em lembranças, palavras, gestos, cheiros e sinto uma inutilidade enorme pela construção do que não resiste. As roupas, livros, documentos, fotografias tudo permanece, mas você não !! A certeza da efemeridade, da passagem sem volta me assusta e me conduz a muitas reflexões. Acredito que toda essa angústia faz parte do luto, da necessidade de racionalizar o que nenhum homem foi capaz de justificar, mas apenas crer. É mais fácil, é mais reconfortante.
A partida se materializou e agora preciso conviver com o novo momento. Tão absurdo como nunca mais vê-lo. O Manoel, aquele amigo amado, pai amoroso me foi “devolvido” em uma caixinha de metal que agora está encima de uma pequena estante na casa ainda em montagem em São Carlo. Dia 2 de agosto entregamos um corpo, com o rosto que conhecíamos tão bem e no sábado, dia 30, recebemos um amontoado de pó, símbolo de que ele existiu. Uma pequena urna lacrada que me arrepia e me proporciona emoções antagônicas. Ele está ali, mas não está.
A caixa está me incomodando. Olhá-la e imaginar que ali dentro estão os restos do pai dos meus filhos, do marido que tanto me ajudou, que foi o maior de todos os companheiros em minha vida me assusta e até me revolta. Se ele agora é uma luz, uma energia, por que preciso tê-lo simbolicamente preso dentro daquela caixa de metal ?
Tudo é estranho. Tudo é muito novo. Talvez eu devesse, para o meu próprio bem, encarar a morte com mais naturalidade, ignorar a caixa, só olhar pra frente, pra vida que me espera. Mas não faz parte da minha natureza. Sempre quis compreender o que nem sempre pode ser compreendido, pensar e vagar em pensamentos são passatempos que alimento desde a infância quando me perdia em sonhos com os personagens das fotonovelas. Agora não seria diferente.
A cerimônia que antecede a cremação reúne todos os ingredientes para que seja marcante, símbolo da despedida. Bonita, amena, emocionante. Uma saudade dolorosa ao sairmos do local especialmente preparado para que seu ente querido não seja enterrado, não seja consumido pelos vermes do solo. A entrega das cinzas, porém, é mecânica, fria, como se fossemos apenas buscar uma encomenda. Uma mesa e duas cadeiras no meio de um salão rodeadas de pessoas chorosas que aguardam pela cerimônia de despedida, está um jovem a quem se entrega o canhoto que autoriza a retirada e pronto. Alguns minutos e ele retorna, cheio de sacolas como se estivesse chegado de compras em um shopping. Chama pelo nome de quem foi apanhar a caixa e sem nenhuma palavra ou gesto especial faz a entrega do que sobrou de alguém que um dia você dividiu tudo.
Precisava vivenciar essa experiência e crescer como ser humano. Valorizar mais o que antes parecia tão insignificante e renegar muito do que um dia considerei vital.
Hoje a caixinha com as cinzas está em casa. Uma casa que o Manoel sequer conheceu. Ele estará, de algum lugar, vendo tudo isso ? Converso com ele, peço que me mostre um caminho que me tranqüilize diante desse inconveniente desconhecido, que continue protegendo e guiando nossos filhos e que me permita viver mais do que ele e deixá-los mais maduros. Sonho com ele, mas com vida, em Belém e enquanto o tempo suficiente para a absorção da morte dele não transcorre, prossigo na busca pelo meu eu confuso, exigente, intransigente e talvez doente.
Já perdi muitos entes queridos amigos maravilhosos que fazem parte da minha história, mas nenhum esteve na minha vida durante 18 anos de dia e de noite, participando ativamente de minha rotina, dividindo cada plano, discordando ou concordando com cada decisão. Essa deve ser a diferença básica. De repente, como num passe de mágica, não há mais a voz do Manoel ao telefone, mesmo aquela voz do final da vida, cansada, vagarosa, já sofrida. Nossa parceria que envolvia dividir o mesmo carro, a mesma cama, os mesmos filhos, a mesma casa, os mesmos amigos, os mesmos planos, está desfeita.
Tento entender como um processo lógico e natural que todos morrerão um dia, que esta é a certeza da vida. Entretanto, fico perplexa com as descobertas que nos transformam, da noite para o dia, em apenas lembranças. A incerteza da perenidade encoberta pelo silêncio de quem parte, aumenta minha aflição nessa busca por explicações convincentes inexistentes. Não será possível apenas passarmos por aqui e como num passe de mágica deixarmos de existir. Sei que podemos nos transformamos em uma energia, estarmos em um outro plano, sermos um espírito que está em fase de transição ou estarmos aguardando, como aprendi na Igreja Católica, o juízo final. Tudo faz sentido, mas como não ter mais nenhum contato, como aceitar que a partir do momento que o coração silencia nós nunca mais nos manifestaremos ? Como ?
Relembro momentos, perco-me em lembranças, palavras, gestos, cheiros e sinto uma inutilidade enorme pela construção do que não resiste. As roupas, livros, documentos, fotografias tudo permanece, mas você não !! A certeza da efemeridade, da passagem sem volta me assusta e me conduz a muitas reflexões. Acredito que toda essa angústia faz parte do luto, da necessidade de racionalizar o que nenhum homem foi capaz de justificar, mas apenas crer. É mais fácil, é mais reconfortante.
A partida se materializou e agora preciso conviver com o novo momento. Tão absurdo como nunca mais vê-lo. O Manoel, aquele amigo amado, pai amoroso me foi “devolvido” em uma caixinha de metal que agora está encima de uma pequena estante na casa ainda em montagem em São Carlo. Dia 2 de agosto entregamos um corpo, com o rosto que conhecíamos tão bem e no sábado, dia 30, recebemos um amontoado de pó, símbolo de que ele existiu. Uma pequena urna lacrada que me arrepia e me proporciona emoções antagônicas. Ele está ali, mas não está.
A caixa está me incomodando. Olhá-la e imaginar que ali dentro estão os restos do pai dos meus filhos, do marido que tanto me ajudou, que foi o maior de todos os companheiros em minha vida me assusta e até me revolta. Se ele agora é uma luz, uma energia, por que preciso tê-lo simbolicamente preso dentro daquela caixa de metal ?
Tudo é estranho. Tudo é muito novo. Talvez eu devesse, para o meu próprio bem, encarar a morte com mais naturalidade, ignorar a caixa, só olhar pra frente, pra vida que me espera. Mas não faz parte da minha natureza. Sempre quis compreender o que nem sempre pode ser compreendido, pensar e vagar em pensamentos são passatempos que alimento desde a infância quando me perdia em sonhos com os personagens das fotonovelas. Agora não seria diferente.
A cerimônia que antecede a cremação reúne todos os ingredientes para que seja marcante, símbolo da despedida. Bonita, amena, emocionante. Uma saudade dolorosa ao sairmos do local especialmente preparado para que seu ente querido não seja enterrado, não seja consumido pelos vermes do solo. A entrega das cinzas, porém, é mecânica, fria, como se fossemos apenas buscar uma encomenda. Uma mesa e duas cadeiras no meio de um salão rodeadas de pessoas chorosas que aguardam pela cerimônia de despedida, está um jovem a quem se entrega o canhoto que autoriza a retirada e pronto. Alguns minutos e ele retorna, cheio de sacolas como se estivesse chegado de compras em um shopping. Chama pelo nome de quem foi apanhar a caixa e sem nenhuma palavra ou gesto especial faz a entrega do que sobrou de alguém que um dia você dividiu tudo.
Precisava vivenciar essa experiência e crescer como ser humano. Valorizar mais o que antes parecia tão insignificante e renegar muito do que um dia considerei vital.
Hoje a caixinha com as cinzas está em casa. Uma casa que o Manoel sequer conheceu. Ele estará, de algum lugar, vendo tudo isso ? Converso com ele, peço que me mostre um caminho que me tranqüilize diante desse inconveniente desconhecido, que continue protegendo e guiando nossos filhos e que me permita viver mais do que ele e deixá-los mais maduros. Sonho com ele, mas com vida, em Belém e enquanto o tempo suficiente para a absorção da morte dele não transcorre, prossigo na busca pelo meu eu confuso, exigente, intransigente e talvez doente.
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