Quem sou eu
- Ruth Rendeiro
- Belém/Ribeirão Preto, Brazil
- Amazônida jornalista, belemense papa-xibé. Mãe, filha, amiga... Que escreve sobre tudo e todos há décadas. Com lid ou sem lid e que insiste em aprender mais e mais... infinitamente... Até a morte
Aos que me visitam
Entrem...
Isso aqui está se transformando em um pedaço de mim que divido com cada um de vocês.
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sexta-feira, 30 de maio de 2008
Incertezas
Esta semana foi carregada demais. Primeiro a radioterapia. Comemorei a volta dela na segunda-feira. Mas na terça de novo o aparelho parou. Minhas dúvidas sobre continuar só aumentaram. Fui em busca de palavras sábias, de pessoas em quem confio pela inteligência, discernimento, conhecimento e sobretudo generosidade de espírito. Conversei com médicos e a recomendação foi interromper. Pouco ou nada significa prosseguir desse jeito. A própria médica do Ophir Loyola explicou que os efeitos são acumulativos por apenas 48 horas, mais do que isso pode haver comprometimento. Se o parelho pára com freqüência, se a maioria não consegue fazer as aplicações ininterruptamente significa então que o que está sendo oferecido aos pacientes é uma grande farsa. Nem quero pensar que isso pode ser verdade !
O que me é particular está acima do que o aparelho velho e barulhento me oferece: não confio mais das radiações, nos operadores da máquina, nas pessoas que me atendem. Um tratamento sem fé, sem energia positiva, sem crença é inútil. Tenho plena consciência da sua inutilidade. Serviu apenas para que eu sentisse alguns incômodos como dores lombares principalmente no pescoço; um pouco de dificuldade para respirar, cansaço e uma enorme vontade de ficar deitada. Mas o pior mesmo é constatar que minha querida Belém está entregue às baratas.
Amigos me recomendaram ir ao Ministério Público denunciar, buscar meus direitos, mas estou cansada, estou exausta de tanto pensar, de buscar soluções para os nossos problemas. Desestimulada, decepcionada, enfraquecida. O que eu mais queria era prosseguir o tratamento, fazer todo em Belém e depois seguir para SP só para avaliações e para cuidar do Manoel. Infelizmente não será assim.
Tentarei reatar os contatos com a clínica de Campinas onde fizera a marcação em abril. Mas o médico que me atendeu no Ophir Loyola, sem eufemismos me preveniu: a maioria dos radioterapeutas não gosta de prosseguir um tratamento que foi iniciado por outro. Argumentei que meu caso era especial, acho que único mesmo, mas nem isso o sensibilizou. Não liberou meu relatório médico e disse que só o fará se eu tiver o aceite da clínica de Campinas. Recomendou-me ainda a deixar Belém e sem cerimônia afirmou: se a senhora pode se tratar em outro lugar, vá !! Quem pode não fica aqui.
Escrevi uma mensagem para os médicos, relatei minha odisséia, expliquei minha situação atípica e quase implorando, pedi que me aceitassem de volta. Ansiosamente rezo e aguardo pela posição deles.
Sei apenas que preciso ir para o Estado de São Paulo. Não sei por quanto tempo, não sei como será a nossa vida, mas aqui está insuportável. Penso no Manoel e nas dificuldades talvez intransponíveis que terá que enfrentar para se tratar. Se o meu caso, aparentemente simples que chegou mesmo a ser banalizado por algumas pessoas, não tem guarida em Belém, imagine uma leucemia mielóide aguda que é tão complexa, tão perigosa. Ele não pode voltar enquanto não tiver condição plena de apenas monitorar a doença. Ele também precisa de nós. Um mês se passou e ele está frágil, chora com facilidade e se emociona demais.
O tratamento já chegou na segunda etapa. Acabou a quimioterapia de uma semana ininterrupta e agora ele espera pela reação de seu corpo, pela resposta de seu organismo. Algumas já apareceram. O cabelo, que fora raspado, mas começava a nascer, está caindo; cólicas intestinais obstruem as fezes; a boca está ferida e emocionalmente está frágil. É tão difícil acompanhar tudo isso de longe. Nos falamos pelo menos uma vez por dia e trocamos muitas mensagens pelo celular. Insuficiente, porém.
Ele parece não querer ver com nitidez o que está vivendo. Acredita que em breve estará de volta tomando a sua latinha com caranguejo toc-toc em companhia dos amigos-vizinhos. Acredita em uma alta próxima e um retorno à vida normal. Mas eu sei que não será assim.
Somos muito diferentes. Até nesse aspecto. Minha patológica ansiedade antecipatória, meu desejo incontrolável de entender tudo, de me deixar envolver pelo que estou vivendo, leva-me a viver tudo no mais extremo. Exagero sempre !! Vou até o outro lado do túnel, visualizo meu cenário fictício, sofro diante do mais trágico e me preparo para a guerra. Luto com unhas e dentes e talvez por isso sofra tanto. Por outro lado, quando a realidade se mostra mais leve do que a minha fantasia, vibro, comemoro, relaxo e sinto-me forte para enfrentá-la. Meus monstros são sempre mais ferozes.Diferente do Manoel que vê o mundo cor de rosa, evita se aprofundar para não sofrer, prefere desconhecer para não ter que lutar. De novo esse jeito quase infantil de viver se manifesta.
Pessoas assim certamente sofrem menos. Apenas no momento da dor é que ela se apresenta de fato, apenas quando a tragédia se instala é que se tenta administrá-la. Por outro lado, contudo, não se preparam, não trabalham com hipóteses, não medem as conseqüências dos atos, não sofrem diante dos diferentes cenários que a imaginação permite serem construídos. Não dá pra dizer o que é melhor ou pior.
Minha única certeza é que não tenho certeza de nada. Mais do que nunca a vida está me levando. Tudo tão incerto, tão imprevisível que fico meio sem direção. Só não tenho dúvida das minhas três prioridades neste momento: a minha saúde e a do Manoel e os estudos dos meninos.
Poderia ir para SP e fazer meu tratamento ao lado dele, deixando Raul e Anaterra aqui. Mas não conseguirei. Minha relação com eles é forte demais. Melhor não fosse assim. Deixá-los com a mamãe, Rulton ou Ruthlene poderia ser uma alternativa, mas eu não ficaria bem. Nem eles. Prefiro esperar o final do semestre letivo e irmos os três. Ficarei fortalecida ao lado deles e de alguma forma nós quatro nos reuniremos novamente mesmo que seja em um quarto de hospital.
sábado, 24 de maio de 2008
E a radio parou
Depois de quatro aplicações de radio no Ophir Loyola, o único aparelho de acelerador linear que ainda atendia os pacientes pifou ontem. A primeira explicação foi sutil. Um lacônico e discreto aviso anunciava aos que ele entraria em manutenção das 7 às 10horas. Embora tenha ido ao hospital na véspera não recebi nenhum comunicado, o que os empregados asseguram ter sido feito. Os operadores da máquina, um casal simpático, também desconheciam a interrupção. Saí de lá chateada, mas acreditando que a paralisação seria só ontem.
Pior estava reservado para hoje pela manhã: o que seria uma manutenção se transformou (?) em pane generalizada. Já estava chegando ao hospital quando fui informada pelo celular que estava dispensada da sessão e sem previsão de retorno.
Não sei o que fazer, o que pensar. Sinto-me impotente, desanimada, desestruturada, sem saída. Estou cheia de dúvidas. O que significam cinco aplicações de radio seguidas de uma longa interrupção ? até onde isso inibirá a reprodução de possíveis células cancerígenas que possam ainda ter ficado em minha mama ? Posso interromper e continuar depois ? Posso prosseguir assim mesmo, com inúmeras e indefinidas interrupções, e depois fazer novas sessões ou o meu corpo não suportará tanta radiação ?
Sei que os riscos são pequenos, afinal tive um câncer que tem tudo para não ter recidiva, mas se ele voltar, a mama que agora está bonita, inteira, terá que ser amputada. E as metástases ? Nem quero pensar !!!
Queria ir embora daqui, lutar pela minha cura com outras armas, mas não posso.
Nem comentei essa situação com o Manoel. Ele está fragilizado, longe de tudo e de todos, enclausurado em um quarto de hospital e não quero que se sinta culpado por eu ter interrompido o tratamento em Campinas. Voltei por ele, é mais grave, necessita de mais cuidados; pelos filhos que não poderiam ficar sem os dois. Não os preparamos pra isso. Ainda são imaturos, dependentes e não ficaríamos tranqüilos deixando-os apenas com a mamãe.
Não sabemos ainda quanto tempo ele ficará internado, como será o tratamento daqui pra frente, quais as limitações que terá. Felizmente está reagindo bem, sem nenhuma reação, mas não tem perspectivas de voltar, não sabemos muito do que acontecerá a partir das quimios que tem feito, exames dolorosos que retiram material do osso, da coluna.
Tem recebido visitas que amenizam a saudade como a Sula, tia Jorgete, o colega Afonso, da Embrapa, a minha cunhada Doris e até uma amiga virtual, a Maria Célia, também portadora de câncer de mama que foi lá e tirou a foto que está aí ao lado. Além da visita, seu marido ainda doou sangue para o Manoel.
As duas comunidades que participo e que tratam do câncer de mama, no Orkut, têm se mostrado um excelente ambiente para tratar de questões inerentes à doença, emoções, esclarecimentos e apoio dos que sabem exatamente o que passamos. Lá abrimos o coração e todos entendem o que de fato significam os medos, as nóias, a esperança, a alegria por uma aparente bobagem. Ninguém é vítima, mas apenas um ser fragilizado.
Ali encontrei pessoas solidárias que têm se revelado amigas de verdade como a Renata, que mora em Suzano (SP) e a Rosanne que veio de Parauapebas, no Pará para retirar uma mama no mesmo dia em que teve o primeiro filho. Cito apenas duas, mas são dezenas de colos sempre dispostos a nos acalantar, nos ouvir, nos afagar a alma.
Amanhã a Rosanne e o lindo do Miguel, que agora está com cinco meses, virão conhecer a minha peixada de filhote.
Um domingo entre amigos e familiares para esquecer um pouco a frustração de hoje e a incerteza da segunda-feira. Continuarei ou não a radio ?
quarta-feira, 21 de maio de 2008
51 anos e ...
Sinto um misto de uma enorme alegria e uma profunda tristeza.
Muitos colos já me embalaram nesse aniversário que será inesquecível, Começou ontem com o amigo e querido Elias Pinto que ontem, em sua coluna, dedicou um enorme espaço para comentar nossa saga. Á noite a amiga Érika Siqueira veio me abraçar com 24 horas de antecedência. Errou o dia, mas me emocionou assim mesmo quando chegou com um belo buquê de rosas. Disse que voltará hoje de novo.
Os colegas da Área de Comunicação da Embrapa também enviaram flores. Um lindo cartão. Doces palavras. Colegas que se transformaram em amigos mesmo com a competição natural que marca essas relações. Fui a coordenadora deles por muito tempo,a mais velha, a mais experiente e abdiquei do cargo por incompatibilidade ética com alguns procedimentos que me agrediam mesmo que a conta ao final do mês agradecesse. Saí do cargo, mas não deixei desafetos. Ao contrário, os tenho sempre ao meu lado para tudo, inclusive para ir ao supermercado ou ao médico ou para enxugar minhas lágrimas como aconteceu ontem de manhã quando fui à Embrapa.
Robinson e Beth, jornalistas da Embrapa de Brasília também me emocionaram há pouco com um telefone carinhoso e carregado de força.
Um telefonema de uma amigo virtual de Minas Gerais. Surpresa e muitos desejos de sorte.
Da Bolívia uma mensagem especial, carinhosa e que iluminou meu dia. Lembranças, saudade e planos. Dos EUA uma demonstração de que mesmo tão distante a amizade verdadeira a tudo resiste. SP, RJ, PR, AC, MG, AM os abraços pipocam. Os votos de muita saúde se multiplicam.
Ahhh são tantas demonstrações que não posso deixar de me sentir particularmente feliz e privilegiada por, em vida, saber que o que plantei germinou e bons frutos nasceram.
Uma alegria incompleta, porém. Que tem nuances de uma tristeza enorme que me faz lembrar que estou tratando um câncer (o seio acaba de latejar, pontadas finas bem lá dentro) e que o Manoel, pela primeira vez em 17 anos, não está comemorando aqui comigo.
Veio dele outra mensagem especial. Pelo celular mandou dizer: Feliz aniversário, muita saúde. Comemoraremos os dois depois junto com os filhos.
E o dia mal começou ...
Segura coração !
segunda-feira, 19 de maio de 2008
A radio, enfim !
Além das pessoas que aos poucos vão entrando em minha história, como a senhora com câncer na garganta que mora em Açailândia; o senhor que faz radio para afastar uma recidiva na próstata e que já espera pelo jornal que sempre levo ou a velhinha que tem um tampão na cabeça, hoje de manhã conheci duas em especial. A Regina Célia, magra demais, de cadeira de rodas que chorava em silêncio com uma toalha no rosto. Fui conversar com ela, tentar confortá-la. Sentia dor e estava aguardando uma consulta.
Especial mesmo é a Thamires. Também magra demais, mas com um olhar bonito de uma criança que em seus 5 anos ainda não entende o porque de tudo isso (alguém entende ?). Começamos a amizade brincando de jogo da memória que estava à mão e depois ficamos conversando. Soube muito dela e ela pouco de mim, mas o suficiente para dizer à mãe que eu era sua amiga. Sabe tudo sobre a sua doença e parece conformada, esperançosa que um dia poderá correr novamente, comer tudo o que gosta (sardinha, ovo, mortadela... ) As duas ficariam até à tarde no hospital porque não tinham como ir e voltar para o distante e periférico bairro do Tapanã onde moram. O máximo que pude fazer naquele momento foi providenciar algo para que comessem: iogurte, biscoitos, suco, leite. Ao final um beijo no rosto e a certeza de que nos encontraremos outras vezes.
Fiquei emocionada demais hoje. Estou frágil e desabando, embora a Sula, em seu depoimento aqui, tenha feito uma leitura desses sentimentos como uma derrota. Não entregarei os pontos nunca ! Tenho dois filhos, mãe, irmãos, sobrinhos, amigos e muita gente torcendo por mim. Pessoas que entendem o quanto é difícil segurar a barra, chorar sozinha à noite enquanto os filhos estão adormecidos bem ao lado. Com a saída do Manoel da cama eles invadiram o pequeno quarto, inconscientemente vieram para debaixo de minhas asas e também sentem que me confortam. Mesmo o Raul que já fala grosso e se acha um homem pede colo e me dá colo do seu jeito. Um no colchão improvisado abriga um e o outro dorme do meu lado. Raramente presenciam meu choro, meus desabafos, minhas incontáveis preces.
Estou com medo sim. Muito medo ! Medo do Manoel não suportar a agressividade do tratamento, ter alguma complicação e vir a falecer. Impossível ? Pessimismo ? Não... apenas possibilidade real. Basta ler um pouco sobre a doença, seu índice de óbitos e os efeitos colaterais que as fortes quimioterapias provocam.
Tenho medo de perder o companheiro e amigo, o pai que qualquer mulher escolheria para seus filhos. O cara que entrou em minha família como se sempre tivesse feito parte dela. Meus irmãos não são seus cunhados, mas irmãos também. Minha mãe é mãe dele também. Meus amigos também são seus.
Tenho muito medo, mesmo não estou me entregando ao sofrimento. Imagino ele ultrapassando o período mais difícil e aos poucos nossa vida voltando ao normal. Em Belém, no Rio, em SP, não importa. Mas também temo em ficar sozinha e ainda mais com o fantasma do câncer me rondando.
O que vivo não é banal, nem estou exagerando. Apenas quero ter o direito de também fraquejar, de também chorar, me desesperar e se possível ter amigos de verdade me dando colo, carinho, compreensão, enxugando minhas lágrimas para que eu possa voltar a caminhar.
Não quero piedade nem comover ninguém com minhas palavras. Se alguns choram é porque se emocionam com o que o destino me pregou. Se outros lamentam a minha fragilidade sinto muito decepcioná-los. Felizmente há muito mais os que compreendem e sabem que sou humana e que com muito desprendimento e fraternidade conseguem se colocar no meu lugar, só assim é que se pode ter a nítida proporção do que é ter o marido a mais de 3 mil km lutando pela vida e mesmo querendo não posso estar com ele porque também tenho que cuidar de mim, fazer a radio e rezar, como rezei hoje na câmara de radiação, para que esse tratamento seja eficaz e que caso restem células cancerígenas elas sejam definitivamente debeladas.
Talvez seja difícil para as pessoas que não têm um companheiro tão presente, que divide responsabilidades tarefas, decisões sobre os filhos e uma relação de cumplicidade e amizade acima de tudo, de repente ver o carro dele parado ali na garagem ou ir à Embrapa e saber que não o verei. É complicado não saber exatamente o que faremos nos próximos meses, se eu ou ele estaremos em tratamento. Ou de novo os dois ?
Complicado demais saber que ele não virá roncar ao meu lado na cama, que não vai reclamar da água que não está tão gelada como ele gosta ou se estressar com a demora das crianças enquanto ele buzina lá fora.
A rotina do dia-a-dia é que constrói as relações, mesmo que elas não sejam as ideais, mesmo as que têm problemas às vezes mais graves do que aparentemente se apresentam. Mas quando o respeito e a amizade sobrevivem, a dor da partida é sempre dilacerante. Como agora ...
Enquanto isso pago contas, vou ao supermercado, resolvo detalhes sobre a licença-saúde dele, tento acompanhar o andamento dos filhos no colégio, caminhar um pouco e conversar aqui com as pessoas que me acompanham ao longe. Aqui falo tudo sem censura, abro minha alma e assim vou continuar a fazer. Sei que não posso agradar a todos. Cada dia é um dia e nem sempre estarei sorrindo, brindando à vida. Minha realidade é outra. Não posso me esquecer que eu estou tratando um câncer de mama descoberto no início e com grandes chances de alcançar a cura, mas também com riscos de metástases, recidiva, mastectomia e tudo de mais ruim que podem essas células desobedientes causar.
Mas como tudo na vida eu estou vivendo tudo isso intensamente. Amo e sofro com intensidade. Vivo com intensidade até as dores, dissabores e medos.
Passarei por essa vida deixando rastros...
Felizmente amanhã é outro dia ...
domingo, 18 de maio de 2008
Mudanças à vista
Há oito meses leio, converso e tento entender tudo (ou quase tudo!) sobre o câncer de mama. Por que ele me atingiu, o que eu tenho de responsabilidade sobre isso como o fumo há mais de uma década abandonado, mas que ainda me deixa seqüelas escuras no pulmão. Álcool deliciado nas noitadas da solteirice ou nos encontros molhados na maturidade. Pouco exercício físico e muito estresse. Até onde eu me permiti esse câncer. Leio sobre os tratamentos, recidivas, metástases ...tudo me interessa.
Agora divido esse tempo com intermináveis horas tentando entender o que o Manoel está vivendo. Por que as células leucêmicas tomaram conta de seu sangue e o deixaram assim tão fragilizado quase sem glóbulos brancos e vermelhos e plaquetas, extremamente suscetível a doenças, correndo risco por um simples resfriado.
Ambos são câncer, mas tão diferentes entre si que só têm em comum a produção acelerada e desordenada de células teimosas que desafiam a ciência e que matam milhares de pessoas a cada ano.
A leucemia linfóide aguda que foi diagnosticada em Belém é grave. Muito grave, mas tudo ainda é uma grande incógnita. Só o tratamento poderá dizer como o organismo dele está respondendo às bombas que estão sendo injetadas em seu corpo, agora através de um cateter implantado em seu pescoço para não ter que furá-lo quase por inteiro. São medicamentos fortes que trazem apreensão e muita debilidade e que pretendem eliminar, pelo menos do ponto de vista do exame de material da medula as células leucêmicas. É que o chamam de remissão. Um período de cerca de um mês em que não prometem nada, que não diz muito, mas que decidirá o que será nosso futuro em breve.
Estar em um hospital referência no tratamento de câncer, com evidentes diferenças do que estava recebendo em Belém, uma equipe médica especializada e atenciosa; medicamentos modernos e equipamentos disponíveis 24 horas sem depender de transporte aéreo ou de uns poucos que saibam fazê-lo nos dá uma pouco mais de segurança, mas nossa vida está em suspense.
Não sei o que fazer, não tenho planos, apenas espero e prossigo na luta árdua e já sem muito levante de fazer a minha radioterapia e de alguma forma me prevenir de um novo câncer no futuro. Estou cansada de brigar por esse direito e o farei apenas por não tenho outra opção. Sem confiança, sem crença, sem apoio. Não há nenhum tipo de acompanhamento psico-social para os pacientes do Ophir Loyola. A sensação que me dá é que tudo é feito porque assim alguém determina. Não há compromisso com a cura. São tratamentos apenas paliativos para pessoas sem chances de viver como viveram um dia.
Quero, porém, mudanças e mudanças profundas. Não sei esperar, deixar que as coisas aconteçam espontaneamente, preciso acompanhar, provocar, ousar. Tenho pensado muito em deixar Belém e permitir que eu e o Manoel tenhamos uma qualidade de vida melhor nos anos que nos restam e que exigirão monitoramento constante e sistemático do câncer em nossos corpos. Talvez nossos destinos já estivessem traçados e São Paulo seja nosso fim da linha.
Uma hipótese, um caminho...
Justo eu que sempre cantei em verso e prosa a minha Belém...
Quanta ironia !
Mas meu tacacá, maniçoba, açaí, pupunha e bacuri já não me bastam. As minhas praias de água doce e morna de Mosqueiro já não são suficientes para minha qualidade de vida nos próximos anos. Meus peixes, meus rios, minha chuva de todos os dias, esse calor abafado terão que ser deixados para trás em troca de vida, de tecnologia, de uma medicina que não temos direito, que ainda não está disponível em nosso Estado.
Deixar amigos, colegas, parentes (ahhh nem quero pensar em não poder ver o Leonardo com freqüência), alunos, ex-alunos e recomeçar aos 50 anos. Uma nova vida, cheia de limitações, privações, obstáculos, medos e sustos, mas uma nova vida.
Preciso também me preocupar com meus filhos. Raul e Anaterra necessitarão de acompanhamentos preventivos específicos, afinal devem ter uma carga genética oncológica muito forte.
Mãe e pai portadores de câncer é demais !!!
Um futuro incerto e cheio de fantasmas...
quarta-feira, 14 de maio de 2008
Pequenas vitórias
Agora me vejo assim meio perdida, ainda tentando entender o que está acontecendo com a minha vida. Até setembro do ano passado era tudo tão arrumadinho, tão bem encaixado e agora setembro parece tão distante. Nossas preocupações limitavam-se às contas, às crianças, à margarina que tinha acabado ou o peixe que não deu tempo de ser comprado.
Há exatamente um ano estávamos organizando a bela festa dos meus 50 anos. Eu preocupada com o chope que o Manoel não conseguia contratar, com a distribuição dos convites. Ele e a Anaterra acertando os detalhes com o Alexandre Souza, o mais perfeito cantor paraense da obra do Chico Buarque.Transformamos nossa casa em um barzinho com música ao vivo e chope à vontade da década de 80. Ficamos até o amanhecer brindando a chegada de outra década.
Hoje minha realidade, minha agenda só inclui médicos, hospitais, exames. Meus e dele. Procurei durante esse tempo em que descobri que tinha câncer na mama, ler tudo sobre o assunto, participar de comunidades na Internet (maravilhosas, por sinal!) e entender, decidir sobre o meu corpo, sobre o meu tratamento. Agora busco informações sobre leucemia. Novo aprendizado, novos medos, mais angústia.
O que me tranqüiliza é que sei que tomamos a decisão acertada ao enviá-lo para São Paulo, para um bom hospital. Enquanto decidia, mobilizava os amigos, providenciava ambulância muitas dúvidas me atormentavam. Eu era a principal incentivadora, mas tinha medo do afastamento, temia pela distância. Mas agora eu sei: as viagens que fiz antes para São Paulo, quando trilhei os caminhos da burocracia, dos hospitais não eram para minha cura, eram todas para o Manoel. Fui apenas um instrumento de Deus para ir na frente desvendar, saber com antecedência para onde ele deveria ir em busca da sua saúde. O que leva em torno de um mês, conseguimos providenciar em cinco dias. Meu coração está tranqüilo agora. Ele está no melhor lugar e é lá que ficará bom. Voltará para continuar criando seus filhos.
Ontem ele comemorou a sua primeira pequena/grande vitória: saiu do isolamento, já pode deixar o quarto, conhecer o hospital, conversar com outros pacientes. Em breve estará cheio de amigos, falando de Nelson Rodrigues, Belém, dos filhos, cachorros e Embrapa. Estava visivelmente feliz ao telefone.
Enquanto isso tento manter a rotina aqui. Meninos na escola, balé, natação, academia, inglês; idas ao supermercado, feiras; visitas ao Leonardo e até mesmo uma participação ontem na primeira discussão para criação de uma Rede de Comunicação e Ciência. Revi pessoas queridas, conversei sobre tudo isso e saí mais aliviada.
Meu tratamento também começa a se materializar, mesmo com tantas dificuldades. Na quinta-feira fiz as marcações, mas até hoje não tinha nenhuma informação sobre quando começaria a radio. A médica garantiu que seria no início dessa semana. Não viajei com o Manoel por isso e hoje, quarta-feira, nenhuma notícia. Fui me mobilizando, articulando, conversando com um e com outro e tentando rastrear onde estava meu prontuário, quais os impedimentos e finalmente, há alguns minutos, a boa notícia: amanhã vou ao Ophir Loyola iniciar a radioterapia e assim me prevenir mais ainda de uma recidiva ou mesmo um outro tumor.
Só espero que a displasia diagnosticada ontem pelo mastologista não seja impeditivo para que o tratamento aconteça. As dores que têm me acompanhado há uma semana na mama esquerda, é, segundo ele, uma reação do organismo ao estresse desses últimos dias e talvez a antecipação da menopausa também esteja influenciando. Estou tomando a medicação recomendada por ele e me sentindo melhor.
Agora é esperar pelos próximos episódios, rezar para que nada mais aconteça e nos surpreenda e arrumar uma mala para em breve ir a SP ver o Manoel.
Fará bem para mim, para ele e para a Anaterra que irá junto.
domingo, 11 de maio de 2008
Alma Cansada
Foram horas e mais horas de agitação, esperança e desesperança, mas sobretudo de muita amizade demonstrada por pessoas muito próximas ou não tão próximas assim que se mobilizaram para viabilizar a decisão que tomamos dele partir. Dinheiro na conta para ajudar no deslocamento, milhagens da Tam doadas, orações, sangue e muitos telefonemas amenizaram nossa angústia. Colegas da Embrapa, da Faz, da vizinhança ou os antigos que retornaram. Familiares incansáveis na vigília de dormir com ele ou apenas fazer companhia enquanto decidíamos o que fazer.
A decisão enfim foi tomada. O Manoel iria para o Hospital A C Camargo. Difícil afastá-lo de nós em um momento como esse, privá-lo de nossa companhia, mas agora sabemos que para a sua cura a atitude era imprescindível.
Vivi esse período como se estivesse em transe. Um robô que agia incansavelmente em um busca de um só objetivo: permitir sua transferência. O nosso sistema de saúde é muito precário, carece de exames sofisticados, de pareceres definitivos e sobretudo de mão-de-obra capacitada capaz de conviver com patologias como a leucemia diagnosticada talvez precipitadamente.
Viajar para tão longe, com tantas horas de viagem exigiu um aparato que desconhecíamos até então. Ambulância do hospital para o aeroporto e do aeroporto para o hospital, contatos prévios com a companhia aérea e hospital e felizmente a concordância da jovem médica hematologista que o atendeu desde a dengue, em acompanhá-lo na viagem e depois entregá-lo nas mãos dos colegas que cuidarão dele em São Paulo.
Cada visita na sexta-feira teve um gosto de despedida. Sabemos dos riscos, sabemos que podíamos estar dizendo adeus. Lágrimas em abundância, mas sobretudo muita esperança e fé de que outros exames,aparelhos e médicos experientes irão mostrar o rumo certo.
Arrumar a mala, selecionar roupas e imaginar que elas serão usadas tão longe, em um hospital doeu muito. Tentar não esquecer cada item da higiene pessoal sem aquele gosto da viagem de férias. Agasalhos para amenizar o frio paulistano; meias para aquecer os pés e os bilhetes que eu e a Anaterra espalhamos no meio da bagagem. Tudo tão doloroso...
Uma parte da minha história chegou de ambulância no aeroporto, deitado, de máscara no rosto, acompanhado do seu irmão Pedro, que está com ele em São Paulo e da médica. Tão diferente das inúmeras vezes que já freqüentamos aquele ambiente. Eu, a amiga Ieda Jucá, o André (filho dela) e a incansável colega Débora, da Embrapa, fomos na frente para resolver as pendências que um caso como esse exige. Documentos, laudos, atestados e muita cautela da companhia aérea. Afinal, há riscos e ela não pode assumir sozinha. Na maleta da médica agulhas, seringas, estetoscópio, medidor de pressão e muitos medicamentos. Apreensão imensurável.
Depois o avião subindo, levando para longe o pai dos meus filhos, meu amigo e companheiro de tantos anos. Que dor ...
Dor na alma.
Uma alma cansada de sentir medo
De imaginar o pior
De não agüentar
Uma alma cansada de imagens fortes
De decisões difíceis
De controlar emoções
Uma alma buscando esperança
Alegria, reencontros
Depois uma noite sem dormir à espera de notícias que finalmente chegaram pela voz da médica: tudo correu bem e já estavam a caminho do hospital.
Hoje sinto que o dia amanheceu com mais luz, a imagem de Nossa Senhora de Nazaré ali na frente até parecia sorrir. A confiança se restabeleceu, a voz firme e decidida do Manoel do outro lado da linha ratifica que fizemos o melhor. Tudo é diferente, tudo é mais profissional, tem mais rigor e certamente maior probabilidade de se alcançar a cura.
Um Dia das Mães diferente. Pela metade. Não estamos separados porque assim decidimos, porque resolvemos acabar nosso casamento ou porque um foi trabalhar ou mesmo passear em outro lugar. Uma grave doença se interpôs entre nós, cruzou nosso caminho e impediu que ele nos preparasse o já tradicional café da manhã do segundo domingo de maio. Como as mães da família e as vizinhas normalmente têm compromisso no almoço, há alguns anos o Manoel se especializou em nos oferecer um variadíssimo café da manhã que todos os anos fingíamos que não sabíamos que estava sendo planejado. Eu e mamãe éramos obrigadas a ficar até mais tarde na cama e depois rir da arrumação fora de ordem e bem intencionada que nos esperava. Ano passado, no lugar de uma toalha, a mesa foi coberta com um lençol. Todas as que já estavam habituadas a se fartar com as guloseimas do dia das mães, sentiram a falta dele. Algumas não suportaram e choraram.
Nossos dias agora serão cada vez mais cheios de dúvidas, mas nada abalará nossa fé e esperança de que em breve a vida arrumadinha voltará à normalidade.
A saudade é enorme, mas a certeza de que ele está mais bem cuidado conforta.
Preciso cuidar agora um pouco de mim. Uma dor me acompanha desde a última quarta-feira. Um nódulo duro, consistente na mama esquerda incomoda e eu preciso saber o que é. Preciso também concluir minha monografia na especialização. O prazo é improrrogável e tenho um compromisso oficial com a Embrapa.
Felizmente tenho meus filhos. Estão aqui, do meu lado me apoiando, me fortalecendo, crescendo e sofrendo comigo.
E eu que pensei que este seria o primeiro Dia das Mães longe deles...
terça-feira, 6 de maio de 2008
Mais buscas
Agora é hora de raciocinar, racionalizar, colocar o pé no chão. As emoções que afloraram com tanta intensidade, que me deixaram cega e desnorteada, cedem lugar à realiade, mesmo que as lágrimas persistam, mesmo que o cansaço não passe, mesmo que o medo exista.
Não voltarei mais a São Paulo. Farei em Belém meu tratamento merecendo um olhar agora bem diferenciado dos que dirigem o hospital Ophir Loyola. Fiz o que não queria e agiram exatamente como eu sempre condenei: usei pistolões, houve interferência de terceiros e as portas se abriram, o tratamento passou a se diferenciado. Enquanto eu era apenas uma cidadã comum, mal consegui ser atendida pela assistente social. Tive que argumentar para conseguir, junto com outras pessoas que aguardavam há horas, que ela não fosse embora e nos atendesse.
Dessa vez foi diferente:até o diretor geral encontrou alguns minutos para me explicar as dificuldades do hospital, mostrar dados e situações e ratificar o quanto essa herança é difícil. Mostrou-se otimista e acredita que em breve teremos mais um aparelho
Penso na minha radio, mas sei que a prioridade neste momento é o Manoel. Embora esteja reagindo muito bem ao tratamento, não apresentando nenhuma complicação, sem sinal de febre há muitos dias e muita disposição para brincar, ironizar, comer e rir, sabemos que o caso dele é grave. Precisa de cuidados especializados e Belém, de novo, se mostra limitada nessa área. Alguns exames não são feitos por nenhum laboratório da cidade. É preciso enviar o material para SP com dias de atraso, com longas horas de viagem, o que pode interferir no resultado. Por isso estamos nos mobilizando (e o pessoal da Embrapa está sendo incansável nesse aspecto) para que ele seja tratado em um hospital paulista. A limitação principal está em obter uma UTI móvel aérea, já que a médica não autoriza o transporte por avião comercial. Sei que conseguiremos.
Até mesmo o diagnóstico me parece precipitado. Tento entender, já com mais calma, o quadro como um todo e não me convenço. A conclusão do hemograma diz: medula óssea sugestiva de leucemia aguda. Sugestiva não é conclusiva. Ele tem um longo histórico de problemas hematológicos, principalmente plaquetas muito baixas e leucócitos muito altos. Nunca levou muito a sério o tratamento. Comia o que não devia, bebia o quanto podia, mesmo tomando remédio. Trabalhava demais, se estressava demais e contraiu uma dengue. Acredito que esses antecedentes devem ser mais bem avaliados, principalmente porque ele está respondendo bem demais a todas as interferências médicas. Nenhum indício de leucemia, mesmo que seja inicial. Pode ser apenas uma dúvida, uma esperança de que o diagnóstico esteja errado, mas eu preciso ter certeza. Tudo o que vivi com o meu câncer me mostra que é preciso duvidar, perguntar e nunca acreditar no primeiro médico. Eles são humanos e também podem errar.
A minha ansiedade é que me move, não desligo, não paro de pensar, de buscar na Internet explicações e casos similares. Ansiedade que se revela também no ambiente doméstico, com os filhos que acabam sendo meus escudos, os que mais recebem minhas explosões. Não queria que fosse assim, mas estou fragilizada, com medo que aconteça alguma coisa com eles e acabo exagerando na preocupação, nas cobranças, no desejo de tê-los bem perto como se isso impedisse que algo ruim os atinja. Eles também estão sofrendo. Cada um do seu jeito, mas não deve ser fácil ver o mundo cor-de-rosa de um ano atrás desmoronar. Amadurecerão mais rápido e de uma forma tão penosa. Coitado dos meus meninos !
Não dá pra parar. Não sou a mulher maravilha, estou carente, cheia de angústia e apreensões, mas há tanto a providenciar, há tanto a decidir.
Ouvirei outro hematologista à noite, tenho consulta com a psicoterapeuta hoje à tarde, preciso ir a um cartório tratar de uma procuração, pagar contas que já venceram, visitar o Manoel e tentar dormir, relaxar e me preparar para quinta-feira retornar ao Ophir Loyola e pelo menos ter a boa notícia de que começarei a radio muito em breve.
Meu tempo se esgota (ou já se esgotou ?)
A busca incessante
Agora é hora de raciocinar, racionalizar, colocar o pé no chão. As emoções que afloraram com tanta intensidade, que me deixaram cega e desnorteada, cedem lugar à realiade, mesmo que as lágrimas persistam, mesmo que o cansaço não passe, mesmo que o medo exista.
Não voltarei mais a São Paulo. Farei em Belém meu tratamento merecendo um olhar agora bem diferenciado dos que dirigem o hospital Ophir Loyola. Fiz o que não queria e agiram exatamente como eu sempre condenei: usei pistolões, houve interferência de terceiros e as portas se abriram, o tratamento passou a se diferenciado. Enquanto eu era apenas uma cidadã comum, mal consegui ser atendida pela assistente social. Tive que argumentar para conseguir, junto com outras pessoas que aguardavam há horas, que ela não fosse embora e nos atendesse.
Dessa vez foi diferente:até o diretor geral encontrou alguns minutos para me explicar as dificuldades do hospital, mostrar dados e situações e ratificar o quanto essa herança é difícil. Mostrou-se otimista e acredita que em breve teremos mais um aparelho
Penso na minha radio, mas sei que a prioridade neste momento é o Manoel. Embora esteja reagindo muito bem ao tratamento, não apresentando nenhuma complicação, sem sinal de febre há muitos dias e muita disposição para brincar, ironizar, comer e rir, sabemos que o caso dele é grave. Precisa de cuidados especializados e Belém, de novo, se mostra limitada nessa área. Alguns exames não são feitos por nenhum laboratório da cidade. É preciso enviar o material para SP com dias de atraso, com longas horas de viagem, o que pode interferir no resultado. Por isso estamos nos mobilizando (e o pessoal da Embrapa está sendo incansável nesse aspecto) para que ele seja tratado em um hospital paulista. A limitação principal está em obter uma UTI móvel aérea, já que a médica não autoriza o transporte por avião comercial. Sei que conseguiremos.
Até mesmo o diagnóstico me parece precipitado. Tento entender, já com mais calma, o quadro como um todo e não me convenço. A conclusão do hemograma diz: medula óssea sugestiva de leucemia aguda. Sugestiva não é conclusiva. Ele tem um longo histórico de problemas hematológicos, principalmente plaquetas muito baixas e leucócitos muito altos. Nunca levou muito a sério o tratamento. Comia o que não devia, bebia o quanto podia, mesmo tomando remédio. Trabalhava demais, se estressava demais e contraiu uma dengue. Acredito que esses antecedentes devem ser mais bem avaliados, principalmente porque ele está respondendo bem demais a todas as interferências médicas. Nenhum indício de leucemia, mesmo que seja inicial. Pode ser apenas uma dúvida, uma esperança de que o diagnóstico esteja errado, mas eu preciso ter certeza. Tudo o que vivi com o meu câncer me mostra que é preciso duvidar, perguntar e nunca acreditar no primeiro médico. Eles são humanos e também podem errar.
A minha ansiedade é que me move, não desligo, não paro de pensar, de buscar na Internet explicações e casos similares. Ansiedade que se revela também no ambiente doméstico, com os filhos que acabam sendo meus escudos, os que mais recebem minhas explosões. Não queria que fosse assim, mas estou fragilizada, com medo que aconteça alguma coisa com eles e acabo exagerando na preocupação, nas cobranças, no desejo de tê-los bem perto como se isso impedisse que algo ruim os atinja. Eles também estão sofrendo. Cada um do seu jeito, mas não deve ser fácil ver o mundo cor-de-rosa de um ano atrás desmoronar. Amadurecerão mais rápido e de uma forma tão penosa. Coitado dos meus meninos !
Não dá pra parar. Não sou a mulher maravilha, estou carente, cheia de angústia e apreensões, mas há tanto a providenciar, há tanto a decidir.
Ouvirei outro hematologista à noite, tenho consulta com a psicoterapeuta hoje à tarde, preciso ir a um cartório tratar de uma procuração, pagar contas que já venceram, visitar o Manoel e tentar dormir, relaxar e me preparar para quinta-feira retornar ao Ophir Loyola e pelo menos ter a boa notícia de que começarei a radio muito em breve.
Meu tempo se esgota (ou já se esgotou ?)
sexta-feira, 2 de maio de 2008
DESABANDO
Voltei correndo para perto dele, para perto do Raul, Anaterra, mamãe. Todos tão abalados, perdidos, desnorteados, impactados.
Os intermináveis desencontros em Campinas pareciam indicar que não era ali o meu lugar. O flat acertado com antecedência não estava disponível, os hotéis não tinham vaga ou eram muito distantes da clínica ou muito caros. Enquanto aguardava resolvi viajar para Leme. Uma cidadezinha agradável onde mora meu irmão Ruy, a Doris, minha cunhada e a minha sobrinha-afilhada Ana Júlia.
Depois de menos de duas horas de uma viagem tranqüila, ônibus confortável, rodovia sem buraco, cheguei na casa aconchegante que fora carinhosamente preparada para me receber. O casal foi tão gentil que saiu do quarto e me deu a cama deles e para que eu não me sentisse muito só, encheram de fotos do Raul, Anaterra, mamãe, Leonardo, Rulton pelo cômodo. Um jeito especial de me deixar em casa. Adorei !! Tudo perfeita para a estada demorada.
Mas um telefonema, na quarta-feira no início da tarde, me levaria à loucura. O que poderia ser apenas uma dengue, era na verdade uma doença mais grave que a minha. O Manoel estava correndo risco de vida, frágil, com leucócitos e plaquetas com taxas assustadoras. Foi fazer uma consulta no Hospital Porto Dias e lá ficou sem previsão de alta, sem previsão de vida, sem previsão de nada.
Foi a viagem mais difícil da minha vida, intermináve. Depois o choro no aeroporto ao abraçar os filhos que foram levados pela colega e chefinha Renata Baia de madrugada. A mesma companheira que junto com a Solange, também da Embrapa, se desdobraram para eu retornar ao Hospital Ophir Loyola e fazer o tratamento no local que fugira há pouco mais de uma semana. Já não tenho opção.
Nem sei como estou aqui, nem sei como ainda consigo raciocinar. Meu chão não existe mais. Choro como se o Manoel tivesse morrido e me deixado aqui, sozinha, precisando cuidar de mim, mas tendo que olhar pelos meus filhos. Ele também é forte. Está no hospital tomando sangue, plaquetas, soro, antibióticos fortes e ainda lamentando a minha volta antecipada.
Estou cansada... Muito cansada ...
Cansada de pensar, de imaginar o que poderá ser a minha vida sem ele. Cansada de acordar de noite e chorar escondida para que os meninos não me vejam desabar. Cansada de ter esperança. Cansada de não conseguir enxergar meu futuro.
Ai meu Deus, cansada de sentir as lágrimas escorrendo pelo meu rosto como agora.
Não posso desabar, não posso fraquejar, preciso viver e muito bem.
Por mim, para cuidar dele, para olhar pelos meus filhos.
Não quero imaginar que nunca mais o terei. As células assassinas que invadiram meu seio tomaram conta também do sangue do Manoel.
Quanta ironia... quanta coincidência... quanta tragédia.
Preciso de força...