Quem sou eu

Belém/Ribeirão Preto, Brazil
Amazônida jornalista, belemense papa-xibé. Mãe, filha, amiga... Que escreve sobre tudo e todos há décadas. Com lid ou sem lid e que insiste em aprender mais e mais... infinitamente... Até a morte

Aos que me visitam

Sintam-se em casa. Sentem no sofá, no chão ou nessa cadeira aí. Ouçam a música que quiser, comam o que tiver e bebam o que puderem.
Entrem...
Isso aqui está se transformando em um pedaço de mim que divido com cada um de vocês.
Antes de sair me dê um abraço, um afago e me permita um beijo.

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terça-feira, 26 de agosto de 2008

Sentimentos contraditórios

Ainda estou cheia de dúvidas. E das mais diversas possíveis e o que é pior: hoje tenho poucas pessoas para dividir tanta angústia e insegurança. Não que as pessoas em São Carlos não estejam dispostas a me ouvir. Tenho esbarrado em algumas especiais, mas não entenderão o que passo, não acompanharam meu passado, ainda não fazem parte da minha história. Apenas ouvirão, comentarão superficialmente, mas não mergulharão nas minhas emoções e talvez nem compreendam os reais motivos desses sentimentos contraditórios que me perseguem noite e dia.
Os dias mais recentes têm me reservado oportunidades únicas para pensar, avaliar e pesar o que pretendo daqui pra frente, como imagino meu futuro. Minha prioridade neste momento são meus filhos. A partida do Manoel aumentou a minha responsabilidade. Já não tenho com quem conversar sobre eles usando o verbo na primeira pessoa do plural. Agora eles são “meus” filhos. Uma decisão mais difícil, uma ponderação ou uma repreensão mais firme será única e exclusivamente tomada e assumida por mim. Nem tenho com quem comentar que percebi isso ou aquilo, que estou preocupada com esta frase ou feliz com a descoberta de que eles são mais maduros do que imaginávamos.
Preciso ser doce, afável, carinhosa, amiga, mãe devotada e presente, mas ao mesmo tempo rígida, segura, cobradora, incentivadora e observadora em uma cidade onde não conheço quase ninguém, onde as ruas ainda são uma incógnita e me levam a caminhos tortuosos, onde as pessoas começam a ser desvendadas e os novos amigos deles, que estão entrando devagar na vida de cada um, despertam em mim, na mesma proporção, boas e más sensações, medos e alegria, tranqüilidade e perplexidade.
Minhas perguntas estão quase todas sem respostas. Nem minha terapeuta, de tantos anos, está aqui. Sinto falta dela. Alguém que, mesmo já tendo ultrapassado a relação paciente-profissional, ainda é a que consegue captar com lucidez que me sinto fragilizada diante deste novo mundo, mesmo que aparentemente esteja forte, sorridente, tentando cuidar de mim mais do que nunca, freqüentando academia, controlando a alimentação, indo ao cabeleireiro com regularidade, mantendo-me cheia de planos. Sinto falta da hora semanal em que podia ouvir e ser ouvida e ao final ter algumas frases para refletir e assim entender melhor minhas emoções, ações e reações. Poderia procurar outro profissional em São Carlos, certamente há excelentes, mas de novo sentirei falta do passado, do fazer parte da minha história. Ele, assim como a maioria das pessoas que tomam conhecimento do que tem acontecido com nossas vidas nesse passado recente, certamente ficará impressionado e ao final dirá que estamos no caminho certo, que sou lúcida, forte e coerente. Não sou !!! Tenho tantas dúvidas...
Misturo a certeza de que aqui é o melhor para o Raul e Anaterra e a saudade de Belém; a leveza de estar em uma cidade limpa, segura, tranqüila com a vontade de rever lugares, reencontrar meu povo, minhas origens; a vontade de experimentar o novo com o enorme vazio que o velho me dá; a experiência de estar “perto” do mundo podendo sair para qualquer lugar sem problema e a custos menores com a ausência dos amigos, com as ruas conhecidas e rostos familiares. Sinto-me em uma encruzilhada.
A efemeridade da vida me assusta. Ao mesmo tempo em que tenho vontade de viver intensamente, de sair em busca de tudo aquilo que eu acredito ser a felicidade, pergunto-me se não estou sendo irresponsável. Ela pode estar aqui, enquanto vejo meus filhos crescerem e de forma surpreendentemente amadurecida entendendo o que se passa, freando seus impulsos, buscando uma compreensão que poucos, nessa idade, demonstram. Ou muito distante, bem mais longe do que a marioria imagina. Quando saber ? Como agir ?
Quanto tempo viverei ainda ? Nem eu nem ninguém nunca saberemos ! Mas saber que posso produzir células cancerígenas, que periodicamente serei submetida a uma bateria de exames que caçarão novos cânceres e que existe a probabilidade de um novo surgir, aumenta ainda mais o gosto ruim de que tudo é passageiro, que o amanhã não nos pertence, que não podemos ir além do que está predestinado a nós.
Tento tirar o máximo de proveito dessa experiência com a partida do Manoel. Analiso tudo com enfoques diferentes, busco explicações que me permitam compreender como é possível acabar tudo tão rapidamente. Na próxima sexta-feira, eu e Raul iremos a São Paulo e entre as atribuições está retirar as cinzas do crematório da Vila Alpina.
Desde já estou angustiada. De novo se manifesta a patologia há tanto diagnosticada: ansiedade antecipatória. Vou receber, em uma caixinha, o que antes era uma pessoa que passou 18 anos dividindo a mesma cama comigo, que me deu dois filhos maravilhosos, que está na minha história para sempre. Como é possível ser tão efêmero ? Há quatro meses o Manoel estava ao nosso lado, fazendo planos para assumir a coordenação de obras na Embrapa, um sonho antigo que começava a se realizar: enfim atuar como engenheiro. Participando da vida dos filhos, se orgulhando do desempenho do Raul no colégio, com a transformação da Anaterra em uma mulher, visível no corpo, mas ainda ausente na cabeça infantil. Este homem que deixou tantos amigos, que causou comoção em Belém com a sua morte, que tem desencadeado incontáveis manifestações agora nos será devolvido como um pó.
Não consigo entender !! Não consigo aceitar !
Talvez essa proximidade com o momento que eu queria tanto adiar esteja me deixando tão reflexiva, tão abalda, tão carente de pessoas que me conhecem bem, que entenderiam essa necessidade de ir atrás de um sonho, de buscar momentos intensos que de fato me dêem a certeza de que vale a pena viver, que estou viva, independente de quanto tempo.
Constatar que o mundo não sofre quaisquer mudanças com a sua morte, que mesmo os filhos, esposa, amigos, familiares prosseguem suas caminhadas também me perturba. O dia amanhecerá sempre, independente de você estar vivo ou morto . A ausência aos poucos se tornará uma doce lembrança como se em um sonho tivéssemos construindo uma casa com a nossa cara, discutido sobre tantas coisas insignificantes ou não, idealizado o futuro de nossos filhos preocupados em lhes oferecer mais do que a vida nos deu.
Estou tão confusa ...

terça-feira, 19 de agosto de 2008

Longe de Belém...Em São Carlos

Há exatamente dois meses deixei Belém sem direção definida, sem ter a mínima noção do que me aguardava. Apenas 60 dias, mas que parecem um século. Olho pra trás e não compreendo e busco explicações que antecipadamente sei que só o tempo me dará.
Já não moro mais em uma ampla casa, reformada para as nossas necessidades, que tinha a nossa cara, que permitia as nossas valiosas reuniões com os amigos quase semanalmente, com cada quadro comprado ou presenteado com carinho, com cada móvel com a sua história. Os meus queridos vizinhos ficaram no passado. Agora tenho ao meu lado pessoas que nunca vi, que não sei o nome, o quê fazem, com quem não posso trocar quitutes aos domingos por cima do muro. Grande parte dos meus livros e cds permanece na estante quase fantasma que ficou em Belém. Saudades das manhãs em que o único compromisso era comprar meia dúzia de cerpinhas, temperar o tambaqui e escolher os cds que ouviria enquanto cozinhava e aguardava os que viriam naquele dia. Sinto falta até do estresse da vida corrida dividida entre a Embrapa e as aulas na Faz mesclada de providências no supermercado, compras nos shoppings ou discussões com o Manoel pelo atraso.
Estou em um outro mundo. Renascendo aos 51 anos em quase tudo. A casa é diferente, o clima completamente oposto (aqui não se sua), o bairro nada lembra Canudos, os vizinhos, a cidade, a unidade da Embrapa onde estou vindo, ainda sem compromisso, pela manhã, nada lembra Belém. Ainda não sei se melhor ou pior, por enquanto apenas muito diferente. Procuro, até para não desabar em comparações que só levarão ao sofrimento, identificar o que constato de bom e há muito a ser valorizado.
São Carlos tem cara de cidade de interior (e o é. Está a mais de 300 km da capital), mas nada que lembre as cidades interioranas da Amazônia. São dois universos antagônicos. Aqui é evidente que as pessoas têm outra qualidade de vida, que estão no Estado mais desenvolvido do País, da América do Sul. Tudo (ou quase tudo!) funciona. Os ônibus passam nas paradas exatamente na hora pré-determinada. Uma das diferenças mais marcantes. Dez para as horas ou horas e vinte ou qualquer hora a mais ou a menos. É assim que se apanha o ônibus em São Carlos. Cada linha tem um horário em cada parada. É chegar e apanhar. Se perder, só daqui a uma hora. Ainda não conseguimos dominar todos, mas Raul e Anaterra já se movimentam com desenvoltura do colégio para casa e eu de casa para o centro. A tranqüilidade é outro grande atrativo da cidade. O que para nós de Belém parece inadmissível nos dias atuais e só vivenciados pelos mais antigos, ainda predomina em São Carlos. Casas sem grades na janela, carros com o vidro aberto enquanto o proprietário vai ao banco, jovens caminhando à noite conversando no celular ou andando de ônibus depois das 22 horas. A cidade tem cara de um grande campus universitário. Jovens estudantes ou senhores professores são os predominantes nos supermercados, restaurantes ou paradas de ônibus. Gosto de observá-los. Nos carrinhos de compras muito embutido, leite em caixa, sucos em garrafa, iogurtes, biscoitos, refrigerantes. Nada de arroz, feijão, carne fresca ou frutas que precisem de algum tipo de processamento. Vestem-se despojadamente. Jeans, mochilas nas costas, camiseta e um agasalho que começa o dia no corpo, vira cinto na cintura no meio e volta a ser peça de vestuário quando a noite se aproxima e volta a esfriar.
Esse novo ambiente tem me permitido um dos exercícios mais sofridos pra mim: deixar que Raul e Anaterra tornem-se mais independentes, menos apegados a mim. Um processo doloroso, mas necessário. A partida rápida do Manoel, que ainda estamos nos adaptando, tem me levado a muitas reflexões, tem me deixado horas e mais horas de olhos abertos de madrugada tentando entender a efemeridade da vida, ao que deixamos como legado, o que levamos e que só a nós pertence e sobretudo como somos perfeitamente substituíveis, mesmo quanto tão amados, mesmo quando acreditamos ser tão essenciais. Os meninos perderam o pai e precisam agora começar a viver menos dependentes de mim. Sofro porque gosto de tê-los sempre por perto, de mostrar o mundo pra eles. Mas esse mundo é o meu, visto sob a minha ótica, a partir da minha experiência, da minha história, das pessoas que por ela passaram. O deles ainda precisa ser descoberto e o máximo que posso fazer é abrir a janela para que o sol entre e eles possam ter uma visão nítida, clara e objetiva, mas a compreensão, percepção e avaliação do certo e do errado será exclusivamente deles. Eles farão a sua escolha, eles vão optar pelo que mais possa atrai-los. Errar, acertar, retomar o rumo, assim como eu fiz diversas vezes. Assim como estou fazendo agora. Ou pelo menos tentando.
Um dos compromissos que assumi comigo foi a de buscar a felicidade onde ela estiver. Em uma boa leitura, um bom papo, um novo lugar, um (re)encontro, os olhos brilhantes do filhos, a felicidade deles... Estar no Sudeste me propiciará mais ter acesso a viagens, a me deslocar com mais facilidade e no último sábado eu e a Anaterra iniciamos justamente por um dos meus mais antigos sonhos: a Bienal do Livro. Mais de quatro horas andando entre estandes e prateleiras e um enorme dilema sobre o que levar. Alguns para mim, outros escolhidos por ela e os mais caros, os mais raros, para o Raul : musculação, nutrição para quem pratica exercícios de força e uma sutil declaração de amor da Anaterra para ele: um daqueles livrinhos com frases curtas resumindo afetos, amores intitulado para o meu irmão. No dia anterior fora obrigada a percorrer novamente o hospital ACCamargo, rever pessoas, ir em busca de documentos que a burocracia exige e foi muito doloroso. Um filme passou na cabeça e as lágrimas desceram incontroláveis. Vi e revi o Manoel naqueles quartos, subindo e descendo para os exames e depois já morto, mudo, pálido, imóvel. Sei que os dias serão assim durante muito tempo: alternância entre dor e alegria, sofrimento e felicidade. Idas e vindas de uma vida que se renova, de alguém que reaprende a caminhar e que experimenta, pela primeira vez, a dor da partida definitiva, aquela que não permitirá reencontros materializados e que, mesmo assim, ainda crê, que quer viver, que acredita na felicidade.

quinta-feira, 14 de agosto de 2008

Permissão para (re) viver

Com certeza a marca registrada do Manoel foi e sempre será o de pai. Pai dos filhos que teve comigo e dos sobrinhos (dele e meus), talvez por isso tenha sido tão difícil este primeiro Dia dos Pais sem a presença dele.
No sábado, mamãe, eu, Anaterra, Raul, Ruy, Dóris, Ana Júlia e Sula fomos à missa em intenção a ele. Uma missa rotineira na igreja de Santo Expedito nos fez desabar na saudade, nas lágrimas, no sentimento de perda enorme. O Padre, um negro jovem e simpático, nos identificou como a família da pessoa que tinha apenas sete dias de falecido. Certamente nosso semblante denunciava a dor. Várias vezes, durante a cerimônia religiosa, ele se dirigiu a nós, pediu que tivéssemos paciência e muita fé e disse que fé é algo que não se vê e não se explica, apenas se sente. Falou da perda do pai dele e na saudade que ainda sente. A missa era para os Pais e os pais presentes foram homenageados com uma bela canção entoada pelos jovens da paróquia. Que dor ouvir aquelas palavras, saber que nunca mais meus filhos abraçarão o pai deles, que nunca mais o Dia dos Pais terá o significado que tinha até o ano passado.
Sempre gostamos de festas e essas datas eram para nós mais do que simbolismo comercial. Eram momentos para nos reunir com a família, os sobrinhos aparecerem para um abraço e participarem do farto almoço. Motivo para implícita e carinhosamente dizerem a ele que era um pai também de todos nessa família onde a presença feminina sempre foi muito acentuada. Muitos presentes, muitos abraços ,muito barulho... Bem diferente deste domingo em que as lágrimas cederam lugar aos sorrisos, em que arrumar a mala que veio do hospital com tantas dolorosas lembranças substituiu o desfazer dos pacotes coloridos. Os óculos, as cuecas largas e as roupas e sapatos nunca usados. Quando arrumei a mala em Belém fiz questão de incluir peças de roupa que imaginava ele iria usar em São Carlos ou num passeio em Sampa. Nunca me detivera na possibilidade de que elas iriam vesti-lo depois de morto. A Doris ajudou na seleção e o Ruy, sem problemas, aceitou ficar com algumas. Ele não se incomodará. Era generoso.
Agora quero permissão pra viver, para retomar meu rumo, para olhar de novo pra mim. Não esquecerei nunca o Manoel. Foram 18 anos de convivência diária, pacífica, carinhosa, respeitosa, mas não posso ficar atrelada à saudade, mesmo que ela chegue sem pedir licença, mesmo que as lembranças me invadam só de ver um carro antigo como ele sonhava ter, passar diante de mim ou de nunca aprender como furar uma parede ou apertar um parafuso.
Não aceitarei as pressões dos que, hipocritamente, insinuam uma viuvez do século retrasado. Minha saudade e minha dor são minhas e só eu sei como as sinto, onde dói, quando dói e porque dói.
Hora de olhar o mundo à frente e de frente, viver os dias (que espero sejam muitos anos!) que ainda me restam.
Voltar ao ambiente da Embrapa foi um marco neste recomeço. A Área de Comunicação Empresarial e Negócios da Embrapa Instrumentação Agropecuária de repente se transformou em um porto seguro que me indica que um novo navio aportará. Na chegada, segunda-feira, uma recepção que me surpreendeu e me emocionou.
Um grande banner na parede e o texto
“Ruth Rendeiro
Seja bem-vinda à Embrapa Instrumentação Agropecuária. Ainda que extra-oficialmente, mas já estamos felizes por saber que teremos a oportunidade de dividir com você o mesmo espaço, de conhecer e ouvir um pouquinho das suas histórias e estórias, partilhar do seu conhecimento, desse jeitinho simples de ser mulher. Siga em frente e caminhe segura. Você não está sozinha, ainda mais agora que descobrimos sua paixão pelo Chico”.
Estava de novo em casa. As raízes com a Embrapa Amazônia Oriental são eternas. Ali entrei ainda jovem, ingênua, cheia de sonhos e quase nenhum plano. Ali cresci, conheci o Manoel que se tornaria pai do Raul e da Anaterra, fiz grandes e eternos amigos (relacioná-los seria cometer injustiça) e durante esses meses de enfermidade do Manoel, a constatação de que o que plantamos foi bem adubado, regado e floresceu. Apoio, ajuda e demonstrações de carinho amenizaram a perda.
Agora estão do meu lado, dividindo a mesma sala, a Joana (jornalista generosa que no primeiro contato, ainda de Belém, abriu as portas pra mim), a Beth (que já me permiti uma empatia que ao longe denota uma amizade bonita e forte), o Valentim (que já conhecia das exposições Ciência para Vida) e o Carlos, Sandra, Fabiana e Valéria que acabam de entrar em minha vida. Uma mesa, um aparelho telefônico com ramal e um computador já me aguardavam. Agora é prosseguir com a monografia e mesmo antes de voltar oficialmente (o que só acontecerá em outubro) me envolver em atividades que gosto, que me realizem, que me ocupem, que me façam bem.
Volto a me estressar com os meninos, sinal de vida, de vitalidade. Muito difícil para eles, entenderem tantas mudanças bruscas em tão pouco tempo. O vazio da ausência do Manoel os perturba. Não podem mais se locomover como antes, não têm mais o pai para intermediar quando o conflito comigo parecia inegociável; já não têm mais pai... Algumas vezes sinto que exijo demais deles. Não os preparamos para essa nova fase da vida. Desarrumam demais a casa e agora já não temos também a dona Lúcia que durante 14 anos esteve à disposição limpando, lavando, cozinhando, varrendo, guardando o que deixavam espalhado pela casa. Minha mãe não veio para ser doméstica. Precisa da ajuda de todos. Levará algum tempo para que uma rotina de casa sob nova direção se imponha.
Agora tento agora olhar mais pra mim. A primeira consulta com o mastologista de Campinas, indicado pelo oncologista, me agradou bastante. Experiente, seguro e profissional. Um exame minucioso, o primeiro para conhecer meu corpo, entender minha vida e avaliar-me sob diferentes aspectos. Duas recomendações básicas: diminuir os quilos e fugir do estresse. Prometi tentar as duas coisas. Vou a busca de ajuda de um nutricionista, de um professor de educação física e de algo que possa conter minha ansiedade, minha necessidade de estar ocupada, de estar sempre na ativa. Preciso aprender a não fazer nada, a ler mais e mais, a ouvir minha respiração, a olhar calmamente os passarinhos que visitam nosso pátio, a ficar comigo em silêncio.
A proximidade com a morte me deu a certeza de que vale a pena viver e viver são momentos, dias, horas, segundos e intensamente, sem medo, sem muitos freios e temores. Podemos estar sendo devorados silenciosamente ou com um acidente marcado em nossas agendas sem aviso prévio.
Quero permissão pra chorar, mas só quando tiver vontade e não para impressionar alguém que precise me ver triste para acreditar que de fato estou sofrendo
Quero permissão para sentir a minha dor sem que necessite estar de preto, com o rosto sem maquiagem ou com o cabelo desalinhado.
Não sou tão forte como querem me fazer acreditar, como muitos têm ressaltado. Acredito que estou apenas reagindo às situações adversas que a vida me impôs.
Sofro, choro, me lamento, me pergunto e não encontro respostas e tento viver.
Fico depressiva, reajo. Fico indignada, levanto. Fico desnorteada, revejo-me.
E luto, luto, provavelmente uma luta pela sobrevivência como qualquer animal acuado.

sexta-feira, 8 de agosto de 2008

Buscando o novo rumo

Às vezes penso que estou tentando me iludir, que não estou vivendo esses momentos. Meu olhar é de uma estranha acompanhando pari passu o desenrolar de uma situação que nunca passaria pela minha cabeça viver.
Não sou eu...Essa não é a minha história.
Na calada da noite, enquanto o sono foge e todos dormem tento recompor os cenários que absurdamente passei a ser a protagonista. Primeiro meu nódulo e o medo do desconhecido, da morte, da partida antecipada. Todos morreremos, mas nunca acreditamos nisso. A efemeridade faz parte da vida, mas adiamos até em pensamentos. Vi meu mundo cair. Temi não ver a Anaterra crescer, não acompanhar o Raul até a maturidade ou minha mãe até o fim de sua vida. Sempre acreditamos que eles irão antes. Naqueles dias de grande angústia, sentia-me mais fortalecida porque o Manoel estaria cuidando deles no caso de eu ter que ir antes. Ele sempre fora um pai presente. Desses que dão os primeiros banhos nos filhos, que participam ativamente das reuniões na escola, que conhecem os amigos dos filhos, que apanha aqui e deixa ali. Nunca concordou que contratássemos transporte escolar. Poderia ir mais tranqüila, ele ficaria tomando conta dos meninos.
Como somos presunçosos ... Imaginamos que temos esse poder de decidir, de planejar e executar todos os planos. O que estava reservado para nós era justamente o inverso.
No reveion, em Ajuruteua, uma bela praia paraense no Salgado, choramos pela minha doença, pelo medo dela voltar, de haver recidiva, metástase. Não comentávamos abertamente sobre a probabilidade de durante a nova cirurgia o quadro se agravar, de ser pior do que queríamos.
Como poderíamos cogitar que sete meses depois ele é que nos deixaria ? Justo ele: o forte, o saudável, o que dormia pouco, o que não adoecia, o que não tinha ressaca. A doente sempre fui eu. Motivo para discussões sobre a necessidade dele se cuidar mais, ser mais responsável com a saúde. Desnecessário, segundo ele, pela sua performance.
Uma dengue, um exame de sangue e o diagnóstico. Meu câncer passou a ser insignificante diante da leucemia, quase sempre fatal. Bastou eu entrar na Internet, antes mesmo de retornar para Belém para ter noção da gravidade. As chances de cura em adultos são mínimas, mas isso não era impedimento para desistir. Onde era possível brigar pela vida ? Em São Paulo ? Então vamos lá. Nem dei tempo para que ele pensasse. Procurei os médicos, o hospital e o apoio da Embrapa e uma semana depois ele já estava em tratamento e eu solicitando minha transferência para São Carlos.
Precisava montar uma casa, encontrar uma escola para os meninos, decidir o que levar de Belém pra São Carlos, trazer a mamãe, obter mais um prolongamento do prazo para finalizar a monografia e ainda cuidar dele. Conseguiria ? Nem pensei !! Fiz.
Hoje olho pra trás e me surpreendo. Fiz mesmo ?
Vivo outros momentos agora com a calma começando a reinar, já temos uma rotina. Pouco depois das 6 horas da manhã, estranhando o frio, Raul e Anaterra acordam. Eu e mamãe preparamos a mesa do café e depois saem para o colégio. Já andam sozinhos de ônibus pela cidade e aos poucos vão se enturmando.
Enquanto ficam refazendo suas amizades, eu “brinco” de casinha. Nunca tive muito tempo (nem muita afinidade) com os serviços domésticos, à exceção da cozinha, meu lugar preferido. Mas sei fazer tudo e isso é que está me salvando agora nesse período de transição, de conhecimento da cidade e seus serviços. Ainda sem máquina de lavar tenho ido para o tanque diariamente, o que já deve estar trazendo problemas para o meu braço esquerdo operado em janeiro. O esforço tem causado algumas dores.
Limpeza de banheiro, almoço, jantar e arrumações que não acabam tudo. É preciso encontrar lugar pra tudo.
Não me queixo. Não lamento, apenas constato a diferença.
Sou agora mãe em tempo integral. Nunca imaginei também que um dia seria !!
Mas devo permanecer por muito tempo.
Trabalho desde os 17 anos. Poucas vezes fiquei sem uma atividade profissional que me envolvesse e já sinto falta. Segunda-feira vou ter o primeiro contato com a Embrapa Instrumentação Agropecuária, uma das Unidades localizadas em São Carlos. As boas-vindas dos colegas da área de comunicação me deixam menos apreensiva. Acho que vai dar certo.
Um convite para participar, final de agosto de um evento da Rede Brasileira de Jornalismo Ambiental em São Paulo e outro para estar no Paraná, em outubro, me revigoram, me dão a certeza de que estou viva, que vou superar, com a ajuda do trabalho, esses momentos de dor e de saudade que vão e voltam e machucam e dilaceram.
Na segunda-feira passada eu, Raul e Anaterra fomos ao centro comprar coisinhas que faltam em nosso novo lar. Ao passarmos na frente de uma loja a música do Ed Motta, “Manoel foi pro céu. Manoeeeelllll “ nos sufocou. Rimos emocionados.
Na vitrine, logo adiante, uma recomendação de presente para o papai: uma camisa preta e branca, listrada, exatamente como uma que ele tem.
Mais tarde, em busca de um táxi, o único disponível era o pequeno Fiesta Street, como o que tínhamos até maio. Entramos e sentimos de novo o desconforto de sermos tão grandes e termos que nos apertar nele, como fazíamos com o Manoel ao volante. Mais lembranças ...O motorista, falante e simpático, quis saber de onde éramos. O sotaque nos denunciava. Aos poucos fomos comentando nossa odisséia e ele sensibilizado se colocou à disposição para qualquer coisa. Deixou seu cartão com a recomendação de o procurarmos. O nome ? Manoel !!!
O comentário do Raul resumiu: ele está fazendo tudo para que a gente não o esqueça. Isso será possível ? Não acredito !!
Espero que a dor amenize, que essa sensação de vazio e os momentos em que penso que voltaremos para São Paulo em breve e que o encontraremos tentando sorrir, mesmo que o olhar seja de tristeza ou que um dia venha a dividir esse espaço conosco, dê lugar a uma doce lembrança, que predominem os bons momentos que agora passam como um filme já distante em minha mente.
Hoje à noite o Ruy, Doris, Ana Julia e Sula chegam a São Carlos. Vamos nos reunir amanhã em uma missa na Igreja de Santo Expedito (o santo de devoção do Manoel) e no domingo, um almoço especial marcará o dia dos pais. O Ruy o substituirá nos abraços, mas este será sempre o dia dele, afinal um pai como ele pode existir sim, mas melhor, duvido !!!

terça-feira, 5 de agosto de 2008

A partida definitiva

Difícil escrever sobre a morte, uma despedida que todos enfrentaremos, mas que não queremos sequer cogitar. Impossível viver sem ela. A partida definitiva da matéria que nos acompanhou e nos envolveu. Se as partidas nos aeroportos, rodoviárias e portos causam tantas lágrimas, mesmo diante da hipótese do reencontro, não poder mais tocar, ouvir a voz ou apenas ver à distância parece em alguns momentos insuportável.
Vivo agora essa dor. Nego-me a acreditar que nunca mais verei o Manoel, meu colega de Embrapa que numa festinha de São João tornou-se, em menos de seis meses, o pai do filho há tanto sonhado. Brincalhão, meninão, amigo, prestativo, solidário, responsável, ético, bom caráter, profissional ilibado e acima de tudo o melhor de todos os pais.
Difícil aceitar que não ouvirei mais sua voz reclamando da minha rigidez nos horários ou cobrando melhores notas dos filhos na escola. Ou simplesmente saudando os vizinhos com o inconfundível “e aí seu menino ?”.
As lembranças se formam como um filme e não param de se avolumar. Recordações do nascimento dos filhos, os aniversários, as caranguejadas, as idas ao Ver-o-Peso, as cervejas sempre geladas à disposição dos que nos visitavam, a intransigência quando decidia fazer algum serviço na casa. Sempre o mais complicado, sempre o mais perfeito. Choque constante com a minha velocidade, praticidade e pouca rigidez.
Há outras lembranças, porém. As mais recentes, as que têm nos ajudado a entender e a aceitar esse momento. O sofrimento não combinava com ele, mas mesmo assim se manteve forte, otimista e nunca se entregou. Sabíamos, mesmo diante da melhora temporária, que era só uma questão de tempo. A infecção que o levou à morte não conseguia ser debelada e o pulmão atingido estava paralisando. Precisava de máscara para respirar, de fisioterapia pulmonar e de muitos medicamentos que protegiam e o debilitavam ao mesmo tempo. O sangue, sem plaquetas, não mais coagulava e um simples cateter com oxigênio no nariz era motivo para um sangramento intermitente que ele bravamente limpava como se fosse secreção de um resfriado.Minimizando o quadro grave e incômodo.
O Manoel naquela cama, não era mais o Manoel de Belém. Os que têm apenas a lembrança do homem forte e bom camarada devem estar mais impactados com a morte dele do que nós que não queríamos que esse sofrimento se prolongasse. Ele estava morrendo um pouco a cada dia, com dignidade, sem se revoltar, mas com muita dor, limitações.
Sofria ao ser tantas vezes furado em busca de uma veia mais resistente. Com a falta de apetite, com o cansaço quase insuportável pelo mínimo esforço de ir ao banheiro, pela força para tomar um banho, mas precisava mostrar-se bem, se convencer, nos convencer. Os remédios via oral amargos, o café sem açúcar, a comida quase sem sal e a proibição de nem abrir a janela. Um mundo que totalmente incompatível com a sua alegria.
Sofria também por nós. Tinha consciência do quando estávamos fazendo por ele, o quanto mexemos em nossa vida. Não comentávamos, mas sabia do quanto sofríamos em silêncio. Como um acordo tácito, tentávamos transformar cada ínfima melhora na cura, cada simplória conquista na vitória final. Percebia que sofríamos por ele, por não estar vivenciando conosco esse momento de mudança, de novos planos. Por saber que estávamos vivendo em função dele. Horas e mais horas na estrada, malas e mais malas sendo arrumadas e desarrumadas, hotéis no lugar de uma casa e a falsa alegria de reencontrá-lo cada dia mais debilitado.
Sofria por mim. Por saber que tinha relegado a segundo plano meu tratamento, por estar agindo sozinha em tantas coisas que sempre fora responsabilidade dele, por estar administrando com muito zelo o nosso dinheiro e ele ali, preso às máquinas, aos frascos de remédios que só o intoxicavam numa tentativa desesperada de salvá-lo.
Quando nos despedimos dele na quarta-feira estava com a grande máscara que tentava fazer o pulmão captar mais oxigênio. Brincávamos que parecia um pitbull passeando na praça. A última lembrança dele consciente foi um gesto de repreensão a Anaterra para que fosse mais obediente, menos malcriada. O dedo em riste sem palavras...
Deixamos o hospital lastimando a partida. Mas acreditávamos que voltaríamos logo e ele já estaria melhor para comemorar com os meninos o Dia dos Pais. Mesmo a internação no CTI parecia fazer parte do tratamento. A frase dita pelo médico de que “só os que têm chance vão para o CTI” de alguma forma me confortava. Sábado nos encontraríamos e logo logo ele estaria no quarto. Mas até quando, eu me perguntava ? Não queria ser a pessimista, mas no meu choro silencioso e solitário sabia que muito em breve a despedida definitiva aconteceria. A referência do hospital, a competência dos médicos não podiam ser desconsideradas. Certamente já viram inúmeras vezes o mesmo quadro e sabiam que estavam lutando contra o quase impossível. Não queria ver, não queria acreditar, por isso nossos planos se mantiveram e fomos para São Carlos. Lá matriculei Raul e Anaterra na nova escola, tentei transformar a casa em algo que pudesse nos receber com o mínimo de conforto, como ter uma cama digna que tirasse os meninos dos colchonetes no chão. Mas não tinha agenda, nem planos para receber os móveis. Não podia me organizar, nem mesmo comprar um vasinho de planta ou algo mais perecível que permanecesse na geladeira. Onde estaria no dia seguinte ? Quanto tempo ficaríamos fora ? A plantinha resistiria ? A comida não estragaria ?
Sábado deixamos São Carlos. Eu com o propósito de passar a semana inteira em São Paulo. Tudo organizado para que os filhos ficassem com a mamãe. Muitas recomendações, muita saudade antecipada deles. Mas o Manoel precisava de mim.Ou pelo menos eu achava isso ...
O que nos esperava era o que já imaginávamos estar preparados, mas que nunca estaremos. Ouvir do médico que ele tinha poucas horas de vida. Os órgãos vitais já estavam entrando em falência e a infecção avançava descontroladamente. Apenas aparelhos e fortes medicações o mantinham vivo. Uma dor dilacerante e uma grande impotência tomou conta de mim. Lá embaixo aguardavam Raul, Anaterra, mamãe e a Doris. Como me controlar e apenas comunicar que o nosso Manoel estava se despedindo deste mundo ? Eu e o Pedro nos abraçamos e choramos antes de levar a mais triste notícia que já dei.
Passados alguns minutos, fomos os três ao CTI nos despedir. De mãos dadas, eu, Raul e Anaterra dissemos adeus àquele que tanto marcou as nossas vidas. Lágrimas, palavras e um forte abraço selou o último contato com ele. Não sabemos se nos percebeu, mas acreditamos que sim. Sentiu a nossa dor, ouviu nossos soluços e certamente chorou por ter que nos deixar. Agora era esperar pela notícia e ela chegou logo depois das 23 horas desse mesmo dia (2 de agosto).
Outros momentos nunca vividos por mim, pelo Raul, pela Anaterra e pela mamãe nos aguardavam. Ao nosso lado, dando apoio incondicional a incansável Doris, Sula, Ivan e o Pedro. Os representantes de sua família distante e dos incontáveis amigos. As providências são dolorosas, mas necessárias. Funerária, documentos, cheques, decisões. Optamos por uma cerimônia simples e rápida que culminasse com a cremação do corpo. Seu desejo. Nosso desejo. E assim foi feito e no final do ano ficará eternamente na praia do Ariramba, na ilha de Mosqueiro como pediu.
Antes porém, era preciso colocá-lo em um caixão e nos despedir mais uma vez. Mais dor ...Aquele corpo inerte não nos via mais. Ele não falaria mais conosco... Ahh como é difícil acreditar !
Rezamos de mãos dadas no necrotério do Hospital ACCamargo. Por ele, por nós... Falei do privilégio de ter tido o Manoel como companheiro, como pai dos meus filhos, como amigo, incentivador, admirador. Depois, a longa viagem até a Vila Alpina, onde fica o crematório. Outra cerimônia bonita, com música, serena, calma onde predominava o som vindo dos soluços da Anaterra. Tão jovem a minha filha e já vivenciando uma perda tão grande.
Tenho procurado, porém, mostrar a eles que mais do que a dor da partida prematura, temos que celebrar ter convivido com ele, aprendido com ele, crescido com ele. Pouco ou quase nada adiantaria ter um pai com 70, 80 anos que em nada lembrasse o Manoel. Ele foi cedo (faria 51 anos em novembro), mas viveu mais de 100 em intensidade. Era esse o tempo que Deus tinha reservado para ele ao nosso lado.
Ficamos cheios de saudade, com lágrimas que brotam a cada telefonema dos amigos e familiares de Belém, a cada objeto encontrado na sacola que veio do hospital ainda com o seu cheiro, sua marca, mas estamos em paz. Tudo foi feito para tentar salvá-lo, para devolver sua saúde. Não havia mais chance. A doença traiçoeira já lhe fizera refém. Tê-lo a qualquer custo seria egoísmo e sofrimento para todos. Vê-lo morrer lentamente de dor e de tristeza nos mataria também.
Agora queremos apenas deixá-lo vivo em nós, em nossas lembranças, em nossos corações. Nunca o esqueceremos, nunca a nossa vida será a mesma sem a presença dele, mas precisamos continuar vivendo e sei que assim que ele queria. É assim que espera que eu aja.
Preciso retomar meu tratamento, cuidar mais de mim e tentar, de todas as formas, driblar uma recidiva, uma metástase. Tudo farei para que o câncer também não me leve tão rapidamente. Por isso ficarei em São Carlos. São Paulo me permitirá ter acesso a um acompanhamento digno e eficiente e um tratamento (se for o caso) que me permitirá lutar. Belém é a minha cidade do coração, o lugar que nasci, que amo, mas agora preciso aprender a viver longe dela, longe dos amigos. Por mim, pelos meus filhos.
Chego a acreditar que a doença do Manoel foi o instrumento para essa mudança. Talvez não houvesse outra forma de nos trazer pra cá, de permitir que nossos filhos pudessem ter uma qualidade de vida melhor, mais oportunidades profissionais, de usufruírem o que não nos foi permitido.
Nossa vida agora recomeça. Está mais triste, mais vazia, mas aprendemos muito com tudo isso, crescemos como família, como pessoas. Estamos mais unidos, mais conscientes do nosso papel nesse mundo, valorizando cada palavra que chega pelo telefone ou por e-mail, cada abraço apertado mesmo que seja virtual.
Sei que ele continuará me ajudando. Só que de outra forma.
Onde estiver estará guiando nossos filhos, protegendo-os e me apoiando nas decisões, nas loucuras que cometia e que ele apenas endossava, às vezes assustado com a minha impetuosidade, ousadia e até irresponsabilidade.
Nossa dor é só nossa. Cada um sente a sua, manifesta seu pesar do seu jeito. O meu será homenageá-lo sempre, preservar sua memória junto aos filhos e viver. Olhar pra frente e ser feliz mesmo que a saudade perdure para sempre.
Essa saudade que me traz agora lágrimas enquanto escrevo, que me acompanha quando deito, mas que também me dá a certeza de que só a sinto porque vivi, porque ele esteve ao meu lado.
Um abraço Manoel e até outro dia....