Quem sou eu

Belém/Ribeirão Preto, Brazil
Amazônida jornalista, belemense papa-xibé. Mãe, filha, amiga... Que escreve sobre tudo e todos há décadas. Com lid ou sem lid e que insiste em aprender mais e mais... infinitamente... Até a morte

Aos que me visitam

Sintam-se em casa. Sentem no sofá, no chão ou nessa cadeira aí. Ouçam a música que quiser, comam o que tiver e bebam o que puderem.
Entrem...
Isso aqui está se transformando em um pedaço de mim que divido com cada um de vocês.
Antes de sair me dê um abraço, um afago e me permita um beijo.

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quinta-feira, 27 de março de 2008

Novas esperas

Paciência nunca esteve entre as minhas poucas virtudes. Sempre fui apressada, agitada, ansiosa. Fazendo e querendo fazer mil coisas ao mesmo tempo. Talvez nunca tenha exercitado tanto o ser paciente como agora.
Depois de peregrinar pelos oncologistas clínicos em Belém e em São Paulo e ir me cadastrar no Hospital Ophir Loyola, nada mais me resta fazer a não ser esperar. Esperar pelo resultado da revisão histopatológica que está sendo feita em São Paulo, em um laboratório mais moderno (presume-se!) e por pessoas mais qualificadas (imagina-se!). O material retirado do nódulo já seguiu para Sampa. Confesso meu receio em receber essas informações em breve. E se elas não forem compatíveis com o que foi detectado pelo laboratório de Belém? E se ele apontar que terei que fazer quimioterapia em função de uma informação errada ? E se ... e se... e se....Tenho que esperar. Bem sei. De novo a ansiedade toma conta de mim.
Esperarei ainda até o dia 8 de abril para fazer a programação da radioterapia. Um procedimento que antecede as aplicações propriamente ditas. Pelo que me foi explicado e pelo que já pude ler sobre o assunto, vou nesse dia apenas ser marcada com uma tinha quase permanente (fica no corpo por anos) o local onde devo receber a irradiação. Após é que será definido o início das sessões. Quis saber o por que da demora, tantos dias para marcar a programação, certamente muitos outros para começar a radio e a explicação foi mais uma surpresa irritante, absurda e inaceitável. Terei que esperar porque não sou uma paciente grave.
Entendo que há outros pacientes mais urgentes, mas terei que esperar me tornar uma paciente grave para ter esse direito ? O que são para essas pessoas, que se habituaram ao sofrimento alheio, que enxergam com naturalidade aquele outro à sua frente esquálido, com fome e semimorto como parte do seu trabalho, um paciente grave ? Tenho que me tratar exatamente agora, enquanto tenho todas as chances de me curar. O pior é saber que não tenho escolha. Falta-me opção. Em Belém, esta cidade que os políticos insistem em rotular de “metrópole da Amazônia”, com cerca de um milhão e meio de habitantes e que anuncia que temos um hospital referência no tratamento do câncer, só possui esta alternativa para os que são portadores dessa traiçoeira doença. Nem mesmo o nosso governador médico, duas vezes à frente do Estado, mudou este cenário. Agora que a titular é arquiteta, acho que fica mais difícil ainda. Não há nenhuma clínica particular ou conveniada para dividir o número de pacientes que só cresce no Ophir Loyola, já que além do Pará, atende também pessoas carentes que chegam do Maranhão, Amapá, Tocantins ...
Ter conhecido as opções fora de Belém só aumenta a minha insatisfação. Vi, mais uma vez, agora sentindo na pele, especialmente em Campinas, a grande diferença que existe entre as regiões ditas pobres do Brasil e o “sul maravilha”. Clínica conveniada, inclusive com a Embrapa, localizada em um bonito bairro (Taquaral), limpa, moderna, com atendimento de primeira e com equipamento de radioterapia à disposição. Pacientes bem tratados, ninguém jogado no chão, exposto em macas pelo corredor ou indo e voltando por falta de documento.
Tenho a opção de ir fazer meu tratamento lá. Mas deixar Belém neste momento é muito complicado. Significa ficar mais de um mês fora e sozinha, além dos altos custos com hospedagem e alimentação. Acho que não agüentaria. Estou frágil, sensível demais e sei que um estado emocional ruim só alimenta essas células desobedientes que perambulam silenciosa e traiçoeiramente pelo meu corpo. Tentei identificar, pela Internet, pelo menos um curso na área de Comunicação, o que ocuparia meu tempo. Preciso me sentir viva, ocupada, útil, mas não encontrei nada.
Há outros motivos que prendem em Belém também. Preciso terminar a minha monografia antes de retornar à Embrapa. Algo que está me preocupando, mas que ainda não me dediquei de cabeça como deveria. Hoje tenho um encontro com a minha orientadora (a Ivana) e espero ter uma definição sobre o meu objeto de estudo. Tem meus alunos. Assumi, mesmo sabendo de minhas potenciais limitações, três disciplinas. Não tenho o direito de deixá-los no meio do caminho. E o Raul e a Anaterra ? E o Leonardo, que neste momento está hospitalizado com pneumonia?
E o mais importante de tudo isso: não vou fugir dessa realidade que é o meu Estado, a minha cidade. Como diz a minha amiga virtual Ana Maria, que mora no Rio, esse é o retrato de todos os hospitais públicos do nosso País. Estou classe média demais, burguesa demais, sensível demais, preocupada demais com os outros. Preciso encarar de frente que este é o meu mundo e não fugir e me abrigar entre paredes de mármore em São Paulo ou Campinas enquanto a minha Belém fede, apodrece e nossos políticos distribuem sorvete de tapioca na CPI dos cartões corporativos, em Brasília.
Força e resignação Ruth !!!

terça-feira, 25 de março de 2008

Em Belém

De volta à Terra. Umidade para umedecer as narinas e não sangrar. Saudade do calor abafado. Reencontro com a família, feriados ajudando e no domingo um passeio especial no Mangal das Garças com os dois caçulas da família (Leonardo e Thomas) com direito a ganhar ovos de páscoa escondidos nos jardins. Chocolate em pequena dose.
Mas hora também de olhar de frente o que me espera. Se por um lado decidi, com a ajuda de tantos especialistas, não fazer a quimioterapia, por outro tenho que me preparar para as radioterapias. Tudo bem que são mais leves, com efeitos colaterais insignificantes diante da quimio. Em Belém, apenas o Hospital Ophir Loyola realiza esse procedimento e ontem dei início à tramitação que resulta em uma carteirinha onde a minha passagem por lá será registrada.
Fui sozinha ... Não sei se opção ou porque todos sempre acham que nunca preciso de colo. Percebi, tarde demais, que precisava sim.
Em cada bancada que chegava a mesma pergunta: quem está acompanhando a senhora ? Ninguém, era o que eu tinha para responder. Não entendi exatamente o motivo da pergunta insistente. Mas com o passar do tempo fui me dando conta de que deveria ter ido com alguém. (A senhora não tem filhos, marido, irmãos ou um amigo que pudesse acompanhá-la ? queriam saber). Mais do que saber que tenho câncer e chances dele ressurgir em outros lugares, algo que dá medo e nos deixa refém de exames, médicos e de um futuro sempre cheio de interrogações, foi presenciar a situação de pessoas bem mais carentes do que eu.
Mais do que nunca entendi porque a informação é o tesouro maior dessa nossa época. Compreendi porque ter visão do mundo, da sua doença, dos seus direitos faz tanta diferença. Pessoas humildes, esquálidas, cochilavam nas cadeiras aguardando há horas para apenas marcar uma consulta para dentro de dois, três meses. Outros queriam apenas levar o parente fraco para tomar um soro na esperança de reabilitá-lo. Alguns, quase inaudíveis, gemiam na maca. Um, que me chamou muito a atenção, segundo sua irmã, não sabia que tinha câncer no cérebro. Iria fazer radioterapia sem saber exatamente do que se tratava. Outra senhora, sem a mama esquerda visivelmente extirpada perambulava pelos corredores, falando com um e com outro demonstrando que já freqüenta o lugar há muito tempo. Parecia até gostar de estar ali, sentindo-se importante, íntima de todos. Aos meus pés, de repente uma criança com problemas motores e sem enxergar, batendo-se ao chão, enquanto sua mãe buscava informações. Não poderia levantá-lo. Era pesado demais. Ainda não posso ... Lagrimei. Até que uma senhora foi acudi-lo e ele, sem coordenação nenhuma, a agarrou no pescoço. Cenas que marcam, chocam, incomodam, mas nós, classe média privilegiada, vê, fica incomodada, mas depois esquece.
Cheguei a pensar em sair dali e viajar para outro Estado em busca da radio em uma clínica. Não ! Não e não ! eu preciso olhar tudo isso, aprender a valorizar o que eu tenho e buscar (não sei exatamente de que forma) alternativas que possam minimizar esse quadro.
A humildade das pessoas me incomodou tanto quanto as imagens. São frágeis, chegam olhando pra baixo, tímidas, como se estivessem pedindo um favor. Desconhecem seus direitos, não conseguem entender que aquilo é seu !! Os atendentes, por outro lado, discriminam os que chegam de sandálias de dedo, pés sujos, fala mansa e baixa, sacolas de plástico na mão, maltrapilhas. Dizem o básico, não explicam direito, mas mudam de comportamento quando encontram alguém com uma roupa melhor, um olhar mais direto, um andar mais firme, destemido.
Escolhi minha roupa conscientemente. Nada de sandálias altas, bijouterias chamativas, maquiagem ou algo que pudesse me tornar uma “diferente”. Acreditava que sabia o que encontraria. Ledo engano ! Não queria ter visto aquele senhor com a traqueotomia aberta ou a velhinha que esperou horas para ser atendida, mas esquecera de um documento. Amanhã voltaria, sabe Deus como !
Tentei disfarçar, mas, pela atitude dos atendentes, eles perceberam que eu conhecia meus direitos, queria ser atendida e fazer uso do tratamento como qualquer outra pessoa. Não usei conhecimentos, sequer procurei minha sobrinha Thaís que trabalha lá. Nenhum privilégio. Esperei mais de duas horas para ser recebida pela assistente social que antes ameaçara ir embora porque já tinha cumprido seu horário, embora estivessem, marcados e ali aguardando, quatro pessoas. Uma, com câncer na garganta, chegara de madrugada com a filha, de Açailândia (Maranhão) e tinha que voltar ontem mesmo. Não tinha dinheiro nem onde dormir. Eu e outros fomos educadamente reclamar. Dizer que queríamos ser atendidos porque estávamos esperando há horas. Quase 14 horas, a profissional me fez sentar, perguntou onde era meu câncer, se estava sozinha, escreveu a data na carteirinha e me despachou. Dois, três, cinco minutos talvez. Essa foi a minha avaliação. A que eu aguardara por cerca de duas horas.
Ainda estou me sentindo cansada, inconformada, revoltada e buscando forças para encarar as 33 sessões de radioterapia e, obviamente, 33 idas a cenário que bem sei, não difere da maioria dos hospitais públicos do País. Mas que só os insensíveis não se abalam.

sexta-feira, 21 de março de 2008

Leme e Campinas

Já que estava a mais de 3 mil km de Belém, por que não aproveitar e ir visitar meu irmão que há sete anos mora em uma pequena e agradável cidade de Leme, à beira da rodovia Anhanguera ?Assim fizemos. Dormimos o sábado e passamos o domingo com eles. A sobrinha-afilhada Ana Júlia já mocinha, bonita, magrinha, elegante, bem diferente dos Rendeiro e a cunhada Dóris sempre cuidadosa com a casa, tudo arrumadinho, limpinho. Dá gosto sempre visitá-los.
Mas o que me deixou aflita foi ver meu irmão, mais jovem do que eu, ainda não ter percebido que chegamos a meio século, que o nosso corpo, essa máquina fantástica, também envelhece, se desgasta, se nega a continuar sendo agredida sem reclamar.
Não é porque descobri esse câncer que agora vou virar “natureba”, fazer discursos naturalistas ou ser a antitabagista ou antialcóolica xiita. Apenas acredito que chega um momento que é preciso parar para refletir, avaliar o que queremos da vida. O meu tumor me trouxe essa realidade com muito impacto e muitas lágrimas, mas gostaria muito que ele pudesse ser um aviso para outras pessoas também, como o querido Ruy que fuma, bebe e come tudo o que não deveria de forma impiedosa e abundante. Está visivelmente mal, mas nega-se a enxergar e ninguém, a não ser ele, pode mudar essa trajetória. Queria tanto que ele “acordasse” em tempo ! As agressões diárias só serão percebidas quando o pulmão for requisitado, quando o fígado precisar sintetizar altas doses de anestesia ou outros medicamentos. Agora estão silenciosos, mas será sempre assim ?
Mesmo assim voltei feliz. Revê-los, abraçá-los e saber que estão bem em uma cidade tranqüila, pacata, acolhedora, em uma casa confortável, é sempre revigorante.
Chegara a hora de mais uma consulta. Mais um médico e de novo a mesma história. Agora em Campinas, a pouco mais de 100 km de Leme. Fui recebida por um profissional que transpira seriedade e segurança e que não me decepcionou quando, ao final, emitiu sua opinião com firmeza: não há necessidade de quimioterapia. Os indicadores contidos no tumor levam a essa conclusão. Os efeitos colaterais e a relação custo\benefício não justificariam. Falou-me das pesquisas com mulheres que descobriram o câncer no meu estágio e que somente agora no Brasil começam a se tornar mais numerosas. Infelizmente a maioria só descobre em um estágio muito avançado e que o tratamento utilizado incluiu, indiscutivelmente, a mastectomia (retirada total da mama), esvaziamento de muitos lifonodos, que causa sérias limitações à vida da mulher, além de quimioterapia e radioterapia. Segundo ele, as dúvidas só existem porque ainda não há certezas sobre o que fazer com segurança, mas nada indica a quimio.
A firmeza, a experiência estampada nas palavras e a convicção nas recomendações levaram-me à decisão, muito difícil, mas necessária: não farei a quimio.
Agora é chegar em Belém é começar o tratamento.
Um outro capítulo ...

quinta-feira, 20 de março de 2008

SP... Leme... Campinas ... Belém...

Eu fui...
Um tempinho ausente e felizmente sentido por alguns amigos fiéis que me escreveram perguntando onde eu andava, o que estava acontecendo comigo.
EU FUI !
Sou do tipo que quando diz vou fazer, vou ou eu quero, não meço esforços para realizar. Se estiver ao meu alcance, enfrento os maiores obstáculos, mas consigo realizar e ir a São Paulo era algo fundamental para mim neste momento e por isso eu fui.
Como é uma passagem relativamente grande, vou dividi-la em parte. Hoje apenas a capital, depois Leme e Campinas.
Fui com o meu filho Raul. Aos 16 anos já um companheirão, forte para aturar o meu medo de avião felizmente reduzido a três horas e alguns minutos diretos e para carregar as malas. Uma viagem calma e felizmente sem escala. Mas ele ainda é um adolescente manhoso, meio fraquinho para o meu gosto. Até hoje ainda sente os efeitos do frio que nos pegou durante a estadia. Estranha a comida, o clima, o banheiro e de tudo reclama. Bem diferente da mãe.... Prazer mesmo só nos shoppings e fazendo compras em suas lojas preferidas. Mas isso é outra história .
Fui em busca de mais um a opinião, precisava ouvir mais um oncologista clínico. Bela clínica nos Jardins freqüentada por pessoas visivelmente de alto poder aquisitivo e no consultório um médico simpático que após analisar os exames que levei de Belém e de me examinar, novamente explicou-me que o meu tipo de câncer suscita mesmo dúvidas. Está em um patamar intermediário e as pesquisas, para esses casos, ainda são recentes. Para doenças como o câncer é preciso um acompanhamento de 15, 20 anos e a detecção de cânceres no estágio do meu tumor o que se tem ainda são estudos em torno de 10 anos. Por este motivo, fazer ou não a quimio é uma decisão difícil de recomendar.
Não fazer pode significar um novo tumor no seio dentro de alguns anos ou em outro local, sobretudo no fígado, cérebro, ossos ou pulmão, os mais freqüentes depois do Ca de mama. Mas fazer a quimio, por outro lado, não elimina a possibilidade. Poderia aumentar um pouco a impossibilidade, mas os médicos não garantem, a ciência ainda não tem essa certeza.
Por questão de segurança, o onco de SP pediu uma repetição do exame histopatológico do tumor em um laboratório de sua completa confiança. De Belém o Manoel enviou o material, que fica à disposição do paciente por cinco anos no laboratório que primeiro o recebeu e neste momento ele está em fase de nova avaliação. Espero que todas as informações sejam ratificadas.
Outra novidade, nunca falada em Belém, foi um exame recente realizado em apenas um laboratório de SP chamado Mamogen que dá mais informações sobre a genética do câncer fornecendo os marcadores moleculares e genéticos e demonstrando qual o nível de agressividade da doença e tipo de receptores tem o tumor. Tudo muito novo e custando cerca de 4 mil Reais. Mais uma decisão a tomar.
Preferi entrar na Net, conversar com algumas pessoas, conhecer um pouco mais sobre o exame e depois da consulta de Campinas, com o outro onco, decidir.
Depois da consulta queria apenas aproveitar o momento, viver um pouquinho a loucura de Sp e assim fizemos, eu e o Raul. Primeiro ir ver de perto os enormes prédios da avenida Paulista e passear no shopping Iguatemi. No dia seguinte a estréia dele no metrô rumo à Estação da Luz onde visitamos o belíssimo Museu da Língua Portuguesa. Que emoção ! Aprendi um pouco mais sobre nosso idioma e passei a admirá-lo mais ainda. Um rápido almoço e visita a lojas e mais lojas nas ruas do Bom Retiro. Uma pausa e depois outra emoção e mais aprendizagem: a exposição genômica no Ibirapuera. Tudo sobre o DNA, inclusive o privilégio de ver a extração do DNA de morangos ao vivo, por dois jovens biólogos. A temperatura também nos lembrava que estávamos a milhares de quilômetros de casa. Algo em torno de 15º graus mudou nosso visual : botas, agasalhos e meias e de novo arrumar malas. No dia seguinte, a Rodoviária do Tietê nos aguardava. Era a hora de rumarmos para Leme, a cerca de 150km da capital e ir abraçar o Ruy, meu irmão, Ana Júlia, a sobrinha e a Dóris, a cunhada.
Ufa ! que dia !

quarta-feira, 5 de março de 2008

Deve ser a profissão ...

A dúvida sempre foi o principal objeto de qualquer jornalista. Duvidar não significa não acreditar, mas ir em busca, incessantemente, da verdade maior. Compreender o que se ouve, vê, lê e interpretar coerentemente é outra lição do jornalismo. Durante anos exercitei esse lado da dúvida e o máximo da compreensão, mesmo quando o assunto parecia complexo demais para o leigo. Precisava ter um nível de entendimento de temáticas exageradamente técnicas que incluem jargões, nomenclaturas, metodologias e estratégias complexas e inatingíveis fora do mundo científico. Linguagem inacessível à sociedade. Sempre buscando ao final redigir um texto claro, conciso, objetivo e acima de tudo compreensível a qualquer cidadão alfabetizado. Essa prática também se inseriu em minha vida. Não posso ser duas pessoas. Uma que duvida no trabalho, que busca explicações convincentes para compor uma matéria e outra, na vida pessoal, apática, que tudo consente e aceita sem questionar. Preciso ter o quebra-cabeça completo, princípio, meio e fim com as peças encaixadas, fazendo sentido. Tudo pode ser explicado, mesmo que de forma inconclusiva, atemporal, mutável. A verdade de hoje pode não ser a mesma de amanhã, mas hoje ela é a verdade compreensível e palpável; evidente e explícita; objetiva e latente. E é ela que estou buscando incansavelmente.
Eu não poderia ser diferente neste momento da minha vida. Preciso entender o que acontece em meu corpo, porque produzi essas células cancerígenas, qual a melhor forma de me prevenir para que elas não se alojem em outros órgãos, qual o tratamento que a medicina dispõe, qual o recomendado para o meu caso. A compreensão, evidentemente, não perpassa pelos conhecimentos médicos (nunca estudei Biologia, química e essas disciplinas inerentes à área. Sou do tempo do CH rsss). Cada câncer tem uma especificidade, as informações contidas no tumor variam de paciente para paciente, além de outras peculiaridades inerentes ao momento atual do paciente e que levam à decisão sobre o tratamento indicado. Ter câncer de mama não é linear, há características que fazem cada um ser cada um. Porém é preciso uniformidade, coerência e acima de tudo segurança sobre como tratar, prevenir e dar uma melhor qualidade de vida ao portador da doença. E é isso que mais almejo: preciso me convencer de que o recomendado é o melhor para mim. É a minha a saúde em jogo, é a minha vida sendo decidida.
Depois dos sustos com o fígado, cirurgias, pós-operatório, chegara a hora de definir o que chamam de protocolo das quimioterapias. Ou seja : qual a combinação medicamentosa que irei tomar, como se fosse um soro, para combater as células cancerígenas que porventura tenham escapado da área da mama e estejam percorrendo minha corrente sangüínea ou já alojadas em um outro órgão.
É aí que começa a minha odisséia.
Primeiro ouvi, embora informalmente, de um médico que faria uma quimio da branca (a mais leve) e tecnicamente denominada de CMF (Ciclo fosdamida Metrotrexate e Fluoracil). Em seguida fui ao especialista que de fato seria o responsável pelo protocolo. Após analisar detalhadamente os exames, ouvi a notícia que mais queria na vida: não precisava fazer nenhum tipo de quimio.Uma informação maravilhosa, mas incompatível com tudo o que eu já havia lido e conversado com pessoas que também têm câncer de mama. Ainda menstruo normalmente e isso é um motivo para mudanças no protocolo. Meu câncer é do tipo invasivo, ou seja, pode ter entrado na corrente sangüínea. Comemorei, fiquei QUASE FELIZ, mas cheia de dúvidas. Perguntas sem respostas e angustiantes.
Fui em busca de outro parecer. Mais um especialista. Depois de muita conversa e análise dos resultados dos exames, sobretudo o histoquímico, a notícia que não queria ouvir: como tive um escore HER-2 +1, a interpretação deste profissional é que eu necessitava de quimio e das mais fortes, a chamada FAC (a branca junto com a vermelha) com o agravante que ainda não sou menopausada. As explicações, por mais detalhadas que tenham sido não me convenceram de novo. Como podia dois especialistas renomados, que tratam de tantos portadores de câncer terem opiniões tão antagônicas ? Eu tinha que optar pelos extremos: não fazer a quimio e ser surpreendida dentro de alguns anos com um novo câncer ou me submeter a um tratamento agressivo e que até então não tinha sido cogitado por ninguém.
Fiquei arrasada, revoltada, sentindo-me traída pela dúvida e inconsistência dos pareceres médicos. E aí a minha necessidade de sai rem busca de mais explicações só fez crescer.
Uma contato com uma amiga que também vivencia a mesma doença, trouxe-me uma nova informação ainda mais chocante segundo a Sociedade Americana de Oncologia Clínica e o Colégio Americano de Patologistas, que norteia o escore de HER-2e que é seguido pelos laboratórios de referência, ovmeu escore de 1+ é classificado como NEGATIVO (padrão da membrana fraca e incompleta). O escore 2+ é duvidoso e somente o 3+ é considerado positivo. Como então, um oncologista clínico renomado, afirma que 1+ é positivo? Apenas pelo sinal de +? Uma interpretação lógica para um leigo, mas nunca para um especialista. Não posso acreditar que ele desconheça essa convenção internacional de análise do HER-2 que vem explicitada em muitos exames como informação adicional ao próprio paciente.
Estou mais confusa e mais enfurecida ainda. Preciso de uma terceira opinião. Alguém que de fato me convença de que a quimio é necessária ou desnecessária, que meu diagnóstico é este, que meu tumor tinha estas e estas características. Informações que tenho o direito de exigir de quem estudou, de quem se especializou, de quem se dedica, pelo menos teoricamente, a salvar vidas e a fazer o melhor.
Começo a me preparar para viajar a São Paulo. Quero ser convencida de que farei o tratamento mais indicado, de que o protocolo é o que rege todos os tipos de câncer como o meu, em todo o mundo, que não vou ser agredida desnecessariamente ou que deixarei de fazer a profilaxia, mas alicerçada na certeza de que ela é dispensável. Não vou sossegar enquanto não acabar de montar este quebra-cabeça. Tenho pouco tempo, as quimios já deveriam ter começado, mas preciso antes saber qual a fazer.
Os médicos parecem precisar de ajuda ...

domingo, 2 de março de 2008

Quase Feliz

Desde quinta-feira tenho experimentado um misto de felicidade e apreensão que espero na próxima semana dirimir definitivamente. Explicando melhor : o oncologista que deveria me passar o protocolo das quimioterapias, após analisar detalhadamente os exames, concluiu que não tenho necessidade de fazer nenhum tipo de quimio.
A minha primeira reação foi de uma enorme felicidade. Saí do consultório radiante e dividi essa alegria com uma amiga que até alguns minutos atrás aera apenas virtual : a Rosane que participa, como eu, da comunidade Combate ao Câncer de Mama. Somos as únicas de Belém e nos aproximamos muito, temos conversado e dividido muitas aflições e também alegrias.
Comemorei, dividi com os amigos que têm estado do meu lado essa notícia, agradeci a Deus e a Nossa Senhora de Nazaré pela graça, mas aos poucos fui ficando insegura e cheia de dúvidas.
Tenho consciência que o meu tumor foi um achado. Localizado no momento ideal, em um estágio tratável e com enormes chances de eu ficar totalmente curada. Mas em nenhum momento se comentou sobre não fazer a quimio. Como poderei controlar o avança das células malucas sem tomar esse coquetel de drogas ? que garantia eu tenho de que ela não é imprescindível ?
Ahh ,,, quero muito que este médico esteja certo. Não é desconfiança da competência dele, mas apenas a busca por uma segura completa, a certeza de que esta é decisão correta, afinal ela ela é importante demais. Por isso consultarei outros médicos antes de começar o tratamento com um remédio que terei que tomar por vários anos e as radioterapias. Se for preciso, irei a SP ouvir mais opiniões.
Tive uma nova oportunidade de viver e não quero desperdiçá-la.
Oxalá as quimios não sejam necessárias. Oxalá minha vida volte à normalidade mais rápido do que imaginava