Quem sou eu

Belém/Ribeirão Preto, Brazil
Amazônida jornalista, belemense papa-xibé. Mãe, filha, amiga... Que escreve sobre tudo e todos há décadas. Com lid ou sem lid e que insiste em aprender mais e mais... infinitamente... Até a morte

Aos que me visitam

Sintam-se em casa. Sentem no sofá, no chão ou nessa cadeira aí. Ouçam a música que quiser, comam o que tiver e bebam o que puderem.
Entrem...
Isso aqui está se transformando em um pedaço de mim que divido com cada um de vocês.
Antes de sair me dê um abraço, um afago e me permita um beijo.

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domingo, 22 de junho de 2008

No frio de sampa

Quatro dias de muito frio e um universo que aos poucos vai se desvendando. Ora alegremente ora tão tristemente. Chegamos na manhã da quinta-feira, dia 19. Encontramos uma cidade com temperatura em torno de 15º C. Frio demais para duas paraenses que deixaram Belém com mais ou menos 30º e muita umidade. Na barriga o friozinho do desconhecido, do que estava fazendo, do receio de estar errada ao tomar tantas decisões profundas e radicais. Tenho pensado muito nisso, nessa impetuosidade do fazer, do mudar, do querer viver. Hoje estou vendo a vida de outra forma, reavaliando quase tudo, supervalorizando o que era tão insignificante e desconsiderando o que antes parecia tão imprescindível.
Surpreendo-me com a naturalidade com que estou vivendo todas essas mudanças. O ambiente de um hospital sempre me assustou, me causava muito incômodo. Agora estou passando meus dias em um que trata especificamente de câncer onde se encontra, a cada passo, pessoas em tratamento ou parentes e amigos com semblantes entristecidos.
Felizmente é tudo tão diferente do Ophir Loyola. Aqui é o acesso ao tratamento de saúde que todos queremos, que temos direito e que deveria ser oportunizado a qualquer cidadão brasileiro. Sinto-me privilegiada por estar neste meio e sem despender um centavo. Cheguei a comentar com o Manoel essa coincidência tão bem-aventurada que nos trouxe pra cá. Os profissionais, além de extremamente capacitados, são humanos. Conversam, sorriem, explicam com paciência e objetividade o que estamos passando. O que significa cada exame, cada medicamento. Querem saber tudo o que o paciente sente e levam à risca as recomendações pra evitar novas infecções.
O local é limpo, bonito, arejado e faz bem aos olhos. Não há pacientes em macas espalhadas pelos corredores ou longas filas de espera. Sinto-me no primeiro mundo. Fica evidente que aqui o Manoel terá todas as chances para se curar. Uma cura difícil, que levará muito tempo, que exigirá muita paciência de todos nós, mas que nada me fará desistir.
Sua aparência é de um homem muito mais velho, apenas alguns fios brancos de cabelo na cabeça e no rosto. Nada lembra a barba espessa que sempre foi a sua marca. Pálido, quilos a menos e com oscilações de disposição. Há medicamentos que o deixam completamente prostrado, quase imóvel. Não fala, não quer comer e só dorme ou finge dormir solitário em seus pensamentos que raramente extravasa, compartilha com alguém. A febre, que todos torcem para que desapareça, mas que insiste em surgir pelo menos uma vez ao dia, anunciando assim que ainda há infecção, também o deixa muito indisposto. Chega a ter tremores. Uma cena dura de se presenciar. Para os médicos nada é novidade. Tudo é dentro do esperado, embora o ideal fosse que a febre não existisse. Ele precisa estar bem para se preparar para receber a medula da irmã. Outra etapa que nos reserva muita apreensão e expectativa.
Nada porém tem me assustado, me deixado alarmada, desesperada.
Hoje me emocionei particularmente com a presença de um grupo do tipo Doutores da Alegria. O Manoel já está no andar dos transplantados (os que receberão a medula ou que já receberam) e neste também está a Pediatria. Crianças que mal nasceram e já estão brigando pela vida. Todas com câncer. Chorei quando fui abraçada por aqueles jovens que poderiam estar no shopping, em uma balada ou namorando, mas que resolveu doar seu domingo aos que necessitam de alegria pra enfrentar tanta dor, tanta tristeza. Rostos pintados, violão, roupas coloridas e uma solidariedade que emociona, que dá orgulho do ser humano.
Ficarei em São Paulo, capital, até a próxima terça-feira quando seguiremos para Leme. Lá terei o colo do Ruy, da Dóris que tem sido parceira, amiga, sempre presente, tão prestativa e da Ana Júlia com seu sorriso calmo e jeito meigo de ser.
Na quarta tenho a primeira consulta de retorno na clínica de Campinas onde retomarei a radioterapia. Imaginar que há pouco mais de um mês eu via a radioterapia com medo, como algo tão danoso e complicado... Mudei sim. Mudei meu olhar para com a vida. Reaprendo, a cada minuto, o quanto ela é importante, o quanto priorizamos o banal e sufocamos o vital. Não sei ainda quando retornarei para Sampa, quando viremos (eu e a Anaterra) novamente para o hospital. Sei apenas que serão poucos dias longe do Manoel, agora já são poucos quilômetros a nos separar.
Estou sem endereço fixo, sem casa, quase sem rumo.
Hoje estou no bairro da Liberdade (chegamos a ver o Príncipe do Japão quando visitou o local parte das comemoração do centenário da imigração japonesa); depois de amanhã em Leme; na quarta em Campinas. Meu marido continuará aqui, minha filha estará comigo, meu filho a mais de 3 mil km junto com a minha mãe que também ficou. Há um ano era tudo tão diferente ...
Dentro de mais alguns dias, além do Manoel no hospital, da minha radioterapia, terei que me organizar para também decidir coisas mais práticas. Alugar um apartamento em São Carlos, conhecer os colégios onde potencialmente os meninos estudarão, tentar transferir minha perícia do INSS para Campinas ou mesmo São Paulo e o mais complicado e estafante, embora seja também muito prazeroso, montar o nosso cantinho. Não trouxe nenhum móvel e nem chegará este ano qualquer mobília. Vendi o que pude. Apenas parte da nossa história permanece em Belém. Não tenho idéia de até quando. Tudo é muito indefinido. Quanto tempo ficaremos por aqui, quando voltaremos a Belém, como nossa vida se ajeitará daqui pra frente. Não sei... não sei...
Na verdade ninguém sabe, mas a proximidade com a morte nos dá essa certeza da mortalidade, da efemeridade. Somos todos mortais, por mais que a gente nunca queira ver, nunca trabalhe com a hipótese de que amanhã poderemos não estar mais neste plano. A diferença agora é que a probabilidade é real, está muito perto. Só os que vivem essa experiência sabem exatamente o que estou falando. Antes nos imaginávamos imortais. Os planos eram todos a longo prazo. Muito ainda por fazer. Diferentemente deste momento. A casa, os cachorros, as roupas, a Tv de 29’ ou o freezer novo são tão supérfluos diante deste novo mundo de incerrtezas.
O homem com quem tive dois filhos, com quem convivo há 18 anos, o amigo que tanto me respeita e me incentiva, o companheiro que me ajudou e me suportou esses anos todos, agora está ali imóvel, apático, tão frágil. Já não brigamos porque deixo vidros de remédio ou garrafas sem a tampa ou porque ele sempre se atrasa nos compromissos. Não implica mais com o meu jeito de falar alto e nem eu com as latinhas de cerveja que toma. Somos apenas um casal que espera.
Esperamos pela chegada dos médicos, pela comida, pela bolsa de plaqueta, pelas novas picadas na pele já escura de tantos hematomas.
Esperamos pelas boas notícias que nem sempre chegam.
Esperamos pela medula e que tudo corra bem com a irmã dele.
Esperamos pela vida que nunca esteve tão em risco como agora.
Esperamos apenas viver ...

4 comentários:

Anônimo disse...

Ruth,
a grande vantagem de crer em Deus é que esta esperança que tão bem descrevestes, está sempre acompanhada da esperança que somente a Fé nos assegura. A esperança na imensa misericórdia Divina nos dá o alento da vida. Também me emocionei ao ler a narrativa sobre aqueles jovens que levam a alegria a quem tanto precisa dela. São agentes da solidariedade humana, agentes da misericórdia divina: "Sede misericordiosos como vosso Pai é misericordioso". Estudei isto nesta semana! Não esquece também da grande confiança que tens em Nossa Senhora de Nazaré. Como mãe, ela, mais do que ninguém, te compreende e ampara.
Dá um abraço (com moderação) no Manoel e um beijinho na Ana Terra.
Rita e eu rezamos todos os dias por vcs
fernando jares

Unknown disse...

Andar com fé

Andar com fé
é saber que cada dia é um recomeço,
é ter certeza que os milagres acontecem
e que os sonhos podem se realizar.

Andar com fé
é saber que temos asas invisíveis,
é fazer pedidos a estrelas cadentes
e abrir as mãos para o céu.

Andar com fé
é olhar sem temor
as portas do desconhecido,
ter a inocência dos olhos da criança,
a lealdade do cão,
a beleza da mão estendida
para dar e receber.

Andar com fé
é usar a força e a coragem
que habitam dentro de nós
quando tudo parece acabado.

Andar com fé
é saber que temos tudo a nosso favor,
é compartilhar as bênçãos multiplicadas,
é saber que sempre seremos surpreendidos
com presentes do Universo,
é a certeza que o melhor sempre acontece
e que tudo aquilo que almejamos
está totalmente ao nosso alcance.

Basta só Andar com Fé !

A fé é um Dom de DEUS ! Eu agradeço por ela:

"Senhor eu creio , mas aumente a minha fé "

Unknown disse...

Ruth, estaremos aqui fazendo uma corrente de oração para que tudo dê certo, e eu creio que pra DEUS nada é impossível. E depois de reabilitado, que eu creio que DEus vai operar esse milagre em suas vidas vcs possam ir até a canção nova e agradecer a Deus por mais uma vitória, Estaremos aqui juntos orando por vocês.

Um forte abraço e fique com DEUS.

Anônimo disse...

Oi Ruth, sou Joelma, prima de Dulcivânia Freitas de Macapá, fiquei sabendo através dela da sua história e passei a acompanhar seus momentos de incertezas. Nem sei o que dizer, pois nestas horas só você sabe o quanto é difícil lidar com tantos problemas ao mesmo tempo, mas de uma coisa tenho certeza, Deus está contigo nesta caminhada, seja forte, lute com todas as forças e nunca esqueça de agradecer, agradecer por ter condições de cuidar de tudo e ter amigos ao seu lado, eles são tudo em nossas vidas, viva cada dia intensamente e que Deus abençoe você e seus filhos neste momento de dificuldades, lembrarei sempre de vocês em minhas orações, que Deus te dê o conforto necessário, só a ELE poderemos recorrer neste momento, entrega tudo nas mãos DELE e tenha fé, muita fé que ELE nunca vai te abandonar. Um grande abraço pra você.