Quem sou eu

Belém/Ribeirão Preto, Brazil
Amazônida jornalista, belemense papa-xibé. Mãe, filha, amiga... Que escreve sobre tudo e todos há décadas. Com lid ou sem lid e que insiste em aprender mais e mais... infinitamente... Até a morte

Aos que me visitam

Sintam-se em casa. Sentem no sofá, no chão ou nessa cadeira aí. Ouçam a música que quiser, comam o que tiver e bebam o que puderem.
Entrem...
Isso aqui está se transformando em um pedaço de mim que divido com cada um de vocês.
Antes de sair me dê um abraço, um afago e me permita um beijo.

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terça-feira, 25 de março de 2008

Em Belém

De volta à Terra. Umidade para umedecer as narinas e não sangrar. Saudade do calor abafado. Reencontro com a família, feriados ajudando e no domingo um passeio especial no Mangal das Garças com os dois caçulas da família (Leonardo e Thomas) com direito a ganhar ovos de páscoa escondidos nos jardins. Chocolate em pequena dose.
Mas hora também de olhar de frente o que me espera. Se por um lado decidi, com a ajuda de tantos especialistas, não fazer a quimioterapia, por outro tenho que me preparar para as radioterapias. Tudo bem que são mais leves, com efeitos colaterais insignificantes diante da quimio. Em Belém, apenas o Hospital Ophir Loyola realiza esse procedimento e ontem dei início à tramitação que resulta em uma carteirinha onde a minha passagem por lá será registrada.
Fui sozinha ... Não sei se opção ou porque todos sempre acham que nunca preciso de colo. Percebi, tarde demais, que precisava sim.
Em cada bancada que chegava a mesma pergunta: quem está acompanhando a senhora ? Ninguém, era o que eu tinha para responder. Não entendi exatamente o motivo da pergunta insistente. Mas com o passar do tempo fui me dando conta de que deveria ter ido com alguém. (A senhora não tem filhos, marido, irmãos ou um amigo que pudesse acompanhá-la ? queriam saber). Mais do que saber que tenho câncer e chances dele ressurgir em outros lugares, algo que dá medo e nos deixa refém de exames, médicos e de um futuro sempre cheio de interrogações, foi presenciar a situação de pessoas bem mais carentes do que eu.
Mais do que nunca entendi porque a informação é o tesouro maior dessa nossa época. Compreendi porque ter visão do mundo, da sua doença, dos seus direitos faz tanta diferença. Pessoas humildes, esquálidas, cochilavam nas cadeiras aguardando há horas para apenas marcar uma consulta para dentro de dois, três meses. Outros queriam apenas levar o parente fraco para tomar um soro na esperança de reabilitá-lo. Alguns, quase inaudíveis, gemiam na maca. Um, que me chamou muito a atenção, segundo sua irmã, não sabia que tinha câncer no cérebro. Iria fazer radioterapia sem saber exatamente do que se tratava. Outra senhora, sem a mama esquerda visivelmente extirpada perambulava pelos corredores, falando com um e com outro demonstrando que já freqüenta o lugar há muito tempo. Parecia até gostar de estar ali, sentindo-se importante, íntima de todos. Aos meus pés, de repente uma criança com problemas motores e sem enxergar, batendo-se ao chão, enquanto sua mãe buscava informações. Não poderia levantá-lo. Era pesado demais. Ainda não posso ... Lagrimei. Até que uma senhora foi acudi-lo e ele, sem coordenação nenhuma, a agarrou no pescoço. Cenas que marcam, chocam, incomodam, mas nós, classe média privilegiada, vê, fica incomodada, mas depois esquece.
Cheguei a pensar em sair dali e viajar para outro Estado em busca da radio em uma clínica. Não ! Não e não ! eu preciso olhar tudo isso, aprender a valorizar o que eu tenho e buscar (não sei exatamente de que forma) alternativas que possam minimizar esse quadro.
A humildade das pessoas me incomodou tanto quanto as imagens. São frágeis, chegam olhando pra baixo, tímidas, como se estivessem pedindo um favor. Desconhecem seus direitos, não conseguem entender que aquilo é seu !! Os atendentes, por outro lado, discriminam os que chegam de sandálias de dedo, pés sujos, fala mansa e baixa, sacolas de plástico na mão, maltrapilhas. Dizem o básico, não explicam direito, mas mudam de comportamento quando encontram alguém com uma roupa melhor, um olhar mais direto, um andar mais firme, destemido.
Escolhi minha roupa conscientemente. Nada de sandálias altas, bijouterias chamativas, maquiagem ou algo que pudesse me tornar uma “diferente”. Acreditava que sabia o que encontraria. Ledo engano ! Não queria ter visto aquele senhor com a traqueotomia aberta ou a velhinha que esperou horas para ser atendida, mas esquecera de um documento. Amanhã voltaria, sabe Deus como !
Tentei disfarçar, mas, pela atitude dos atendentes, eles perceberam que eu conhecia meus direitos, queria ser atendida e fazer uso do tratamento como qualquer outra pessoa. Não usei conhecimentos, sequer procurei minha sobrinha Thaís que trabalha lá. Nenhum privilégio. Esperei mais de duas horas para ser recebida pela assistente social que antes ameaçara ir embora porque já tinha cumprido seu horário, embora estivessem, marcados e ali aguardando, quatro pessoas. Uma, com câncer na garganta, chegara de madrugada com a filha, de Açailândia (Maranhão) e tinha que voltar ontem mesmo. Não tinha dinheiro nem onde dormir. Eu e outros fomos educadamente reclamar. Dizer que queríamos ser atendidos porque estávamos esperando há horas. Quase 14 horas, a profissional me fez sentar, perguntou onde era meu câncer, se estava sozinha, escreveu a data na carteirinha e me despachou. Dois, três, cinco minutos talvez. Essa foi a minha avaliação. A que eu aguardara por cerca de duas horas.
Ainda estou me sentindo cansada, inconformada, revoltada e buscando forças para encarar as 33 sessões de radioterapia e, obviamente, 33 idas a cenário que bem sei, não difere da maioria dos hospitais públicos do País. Mas que só os insensíveis não se abalam.

3 comentários:

Unknown disse...

Ruth! ai q vontade me deu, de tomar um raspa-raspa de qualquer fruta que fosse da nossa terra. Olhe só, pelo q li, vc nunca estivera em um lugar semelhante a este q vc foi. Deu para perceber. Este é o retrato do nosso PAÌS. Eu, trabalho como voluntária, em um bairro aqui, muito distante, em uma casa de apôio a criança com cancer, e vejo diariamente todos estes quadros, e muito mais, maes q dormem nas calçadas, cujo filho muitas vezes em fase terminal.....assisto, quando da para fazer alguma coisa se faz, quando nao da.Aguarda-se. As lojas C&A fez uma doação la para casa de apôio, cadeirinhas e mesinhas coloridas para as crianças, que até entao, comiam no chao. Um amigao meu de nome Renato, ajuda em remédios, fez uma boa doação la, para pagar as contas de luz atrazadas, enfim, muitas vezes falta alimentação, isto sem contar, com a crise dos hospitais em q estas crianças fazem quimio, muitas vezes elas voltam e remarcam um outro dia. É triste, mas, é nossa realidade deste país , com tantas diferenças sociais. Um bj anamaria Obs meu irmao Jotta adorou conversar com vc, viu! bjsssssssss

Anônimo disse...

oi,
Es muy duro leer eso. Comparto eso que dices sobre la sensibilidad. No todos miran ese problema, común en nuestros países, o si lo miran lo olvidan poco después. Fuerza y ánimo. Tu lucha es inspiración para muchos.
o

Anônimo disse...

Ruth, um relato desse tem que ser publicado em jornais. pena que os que mais precisam entender o vc relatou (que nao deixa de ser uma denúncia)são justamente os de olhares baixos. agora imagina o quanto é trágico aqui no Amapá, que nem tem tratamento hospitalar pra câncer, os pacientes de Aids morrem por falta de medicamentos e no decorrer de 1 ano e meio a Polícia Federal ja algemou 3 ex-secretários estaduais de saúde. por isso que eu digo Ruth, nada de diplomacia quando a gente encontrar esses FdP que têm algum poder de decisão nos governos e no Parlamento.

beijossss...ah, saudades de ti no MSN.....