Há algum tempo, quando estava no olho do furacão, alguém me disse que o pior viria depois. A perda seria sentida mais intensamente bem mais tarde. Diante de tanta dor, tanto pesar, não acreditei. Tinha certeza que o velório, o enterro eram as piores fases. Hoje já não sei.
Estou vivendo uma fase de turbilhão de sentimentos, de lamentos, de percepções de perdas que vão além da morte. Não perdi só o Manoel. Não sinto falta apenas dele, do cara brincalhão, pai que dividia comigo tudo o que se referia aos filhos, amigo que segurava a escada pra eu subir e que quando eu chegava lá encima já estava me esperando pra brindar.
Perdi mais... muito mais... Perdi uma vida em toda a sua plenitude.
Deixei pra trás os amigos, aqueles que eu podia telefonar a qualquer hora da noite e dizer que queria tomar uma cerveja e que estariam em poucos minutos na minha porta. O telefone está aqui ao lado, mas não é a mesma coisa.
Abandonei meu trabalho que durante mais de 30 anos me deu prazer, realização, status, satisfação. Não só o trabalho na Embrapa, mas o que comecei construindo em A Província do Pará e que passou pelo O Estado do Pará, Prefeitura Municipal de Belém, Cesep,. Ficom, Conselho Regional de Química, Conselho Regional de Psicologia, Cikel Brasil Verde, Faz...
Deixei pra trás a minha casa que durante dez anos foi nosso canto encantado (re) construído, planejado ou não e que tinha como maior patrimônio os vizinhos em seu entorno.
Larguei pelo meio do caminho a D. Lúcia, que durante 12 anos me compreendeu e me ajudou, junto com a mamãe, a criar meus filhos sem reclamar pelo excesso de trabalho, pelo monte de coco dos cachorros e gatos que cada dia aumentava.
Ficou no passado a chuva nossa de cada dia, a manga que cai e assusta, o tacacá fumegando na cuia, o caranguejo toc-toc aos domingos, o Ver-O-Peso aos sábados, os fins de tarde na Estação, os passeios nas praças, os sorvetes na Cairu, os encontros à porta do Colégio Gentil, as cerpinhas (até isso tive que deixar!).
Parece que me arrancaram de mim...
Eu sei porque parti. Não me rebelo, não maldigo, apenas lamento e como hoje, sinto-me perdida, confusa, sem prumo.
Mais do que agir diante de tanta mudança, dói o que não é perceptível. Apunhala pensar, decidir ser exageradamente responsável e não ter com quem dividir os medos, as angústias, as tristezas, as dúvidas e até mesmo as pequenas alegrias.
Não quero pensar na morte como se ela estivesse aqui, à sombra. Mas este talvez seja o maior de todos os legados. Já não tenho medo dela. Hoje me permito apenas tentar não enxergá-la tão próxima, mesmo sabendo que não tardará. Procuro, mesmo sem nenhuma paranóia, conviver com a sua presença. Não.. não é o câncer que me motiva. Ele desapareceu. É a proximidade das despedidas que são mortes fracionadas, mas nem por isso menos morte.
Há dias, como hoje, que me pergunto por quê, como conviver com tantas mudanças e tão radicais. Os que nunca tiveram nunca saberão o que vivencio. Os que apenas sobrevivem desde que nasceram jamais compreenderão.
Paralelamente às perdas, das mais aparentemente singelas como tomar um sorvete de tapioca numa tarde quente ou comprar pupunha na feira àquela que é irreversível como a morte do Manoel, tento me adaptar à visão distorcida que a maioria dos que estou convivendo tem da Amazônia, do Norte ou como preferem generalizar, dos nordestinos.
Venho exercitando toda a minha compreensão, algumas vezes presunção em perdoá-los pela ignorância, pela soberba, mas nem sempre fico imune a pérolas como as que ouvi recentemente de um grupo de senhoras de classe A que argumentaram que a vitória do PT deve-se à preguiça dos nordestinos que ADORAM uma bolsa família, bolsa gás, bolsa cachaça. Ou quando confundem a sigla do Pará com o do Paraná e na tentativa de acertar escrevem PB e ainda perguntam: mas PB não é perto do PA ? por isso a gente se confunde !
Preciso me estabilizar, reencontrar o prumo perdido, fortalecer o que de bom tenho sido presenteada e de alguma forma aprender a viver com as perdas. Enquanto não consigo, mergulho na merda e retorno. Vivo, rio, comemoro até o próximo mergulho...
Quem sou eu
- Ruth Rendeiro
- Belém/Ribeirão Preto, Brazil
- Amazônida jornalista, belemense papa-xibé. Mãe, filha, amiga... Que escreve sobre tudo e todos há décadas. Com lid ou sem lid e que insiste em aprender mais e mais... infinitamente... Até a morte
Aos que me visitam
Sintam-se em casa. Sentem no sofá, no chão ou nessa cadeira aí. Ouçam a música que quiser, comam o que tiver e bebam o que puderem.
Entrem...
Isso aqui está se transformando em um pedaço de mim que divido com cada um de vocês.
Entrem...
Isso aqui está se transformando em um pedaço de mim que divido com cada um de vocês.
Antes de sair me dê um abraço, um afago e me permita um beijo.
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