Quem sou eu

Belém/Ribeirão Preto, Brazil
Amazônida jornalista, belemense papa-xibé. Mãe, filha, amiga... Que escreve sobre tudo e todos há décadas. Com lid ou sem lid e que insiste em aprender mais e mais... infinitamente... Até a morte

Aos que me visitam

Sintam-se em casa. Sentem no sofá, no chão ou nessa cadeira aí. Ouçam a música que quiser, comam o que tiver e bebam o que puderem.
Entrem...
Isso aqui está se transformando em um pedaço de mim que divido com cada um de vocês.
Antes de sair me dê um abraço, um afago e me permita um beijo.

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terça-feira, 19 de agosto de 2008

Longe de Belém...Em São Carlos

Há exatamente dois meses deixei Belém sem direção definida, sem ter a mínima noção do que me aguardava. Apenas 60 dias, mas que parecem um século. Olho pra trás e não compreendo e busco explicações que antecipadamente sei que só o tempo me dará.
Já não moro mais em uma ampla casa, reformada para as nossas necessidades, que tinha a nossa cara, que permitia as nossas valiosas reuniões com os amigos quase semanalmente, com cada quadro comprado ou presenteado com carinho, com cada móvel com a sua história. Os meus queridos vizinhos ficaram no passado. Agora tenho ao meu lado pessoas que nunca vi, que não sei o nome, o quê fazem, com quem não posso trocar quitutes aos domingos por cima do muro. Grande parte dos meus livros e cds permanece na estante quase fantasma que ficou em Belém. Saudades das manhãs em que o único compromisso era comprar meia dúzia de cerpinhas, temperar o tambaqui e escolher os cds que ouviria enquanto cozinhava e aguardava os que viriam naquele dia. Sinto falta até do estresse da vida corrida dividida entre a Embrapa e as aulas na Faz mesclada de providências no supermercado, compras nos shoppings ou discussões com o Manoel pelo atraso.
Estou em um outro mundo. Renascendo aos 51 anos em quase tudo. A casa é diferente, o clima completamente oposto (aqui não se sua), o bairro nada lembra Canudos, os vizinhos, a cidade, a unidade da Embrapa onde estou vindo, ainda sem compromisso, pela manhã, nada lembra Belém. Ainda não sei se melhor ou pior, por enquanto apenas muito diferente. Procuro, até para não desabar em comparações que só levarão ao sofrimento, identificar o que constato de bom e há muito a ser valorizado.
São Carlos tem cara de cidade de interior (e o é. Está a mais de 300 km da capital), mas nada que lembre as cidades interioranas da Amazônia. São dois universos antagônicos. Aqui é evidente que as pessoas têm outra qualidade de vida, que estão no Estado mais desenvolvido do País, da América do Sul. Tudo (ou quase tudo!) funciona. Os ônibus passam nas paradas exatamente na hora pré-determinada. Uma das diferenças mais marcantes. Dez para as horas ou horas e vinte ou qualquer hora a mais ou a menos. É assim que se apanha o ônibus em São Carlos. Cada linha tem um horário em cada parada. É chegar e apanhar. Se perder, só daqui a uma hora. Ainda não conseguimos dominar todos, mas Raul e Anaterra já se movimentam com desenvoltura do colégio para casa e eu de casa para o centro. A tranqüilidade é outro grande atrativo da cidade. O que para nós de Belém parece inadmissível nos dias atuais e só vivenciados pelos mais antigos, ainda predomina em São Carlos. Casas sem grades na janela, carros com o vidro aberto enquanto o proprietário vai ao banco, jovens caminhando à noite conversando no celular ou andando de ônibus depois das 22 horas. A cidade tem cara de um grande campus universitário. Jovens estudantes ou senhores professores são os predominantes nos supermercados, restaurantes ou paradas de ônibus. Gosto de observá-los. Nos carrinhos de compras muito embutido, leite em caixa, sucos em garrafa, iogurtes, biscoitos, refrigerantes. Nada de arroz, feijão, carne fresca ou frutas que precisem de algum tipo de processamento. Vestem-se despojadamente. Jeans, mochilas nas costas, camiseta e um agasalho que começa o dia no corpo, vira cinto na cintura no meio e volta a ser peça de vestuário quando a noite se aproxima e volta a esfriar.
Esse novo ambiente tem me permitido um dos exercícios mais sofridos pra mim: deixar que Raul e Anaterra tornem-se mais independentes, menos apegados a mim. Um processo doloroso, mas necessário. A partida rápida do Manoel, que ainda estamos nos adaptando, tem me levado a muitas reflexões, tem me deixado horas e mais horas de olhos abertos de madrugada tentando entender a efemeridade da vida, ao que deixamos como legado, o que levamos e que só a nós pertence e sobretudo como somos perfeitamente substituíveis, mesmo quanto tão amados, mesmo quando acreditamos ser tão essenciais. Os meninos perderam o pai e precisam agora começar a viver menos dependentes de mim. Sofro porque gosto de tê-los sempre por perto, de mostrar o mundo pra eles. Mas esse mundo é o meu, visto sob a minha ótica, a partir da minha experiência, da minha história, das pessoas que por ela passaram. O deles ainda precisa ser descoberto e o máximo que posso fazer é abrir a janela para que o sol entre e eles possam ter uma visão nítida, clara e objetiva, mas a compreensão, percepção e avaliação do certo e do errado será exclusivamente deles. Eles farão a sua escolha, eles vão optar pelo que mais possa atrai-los. Errar, acertar, retomar o rumo, assim como eu fiz diversas vezes. Assim como estou fazendo agora. Ou pelo menos tentando.
Um dos compromissos que assumi comigo foi a de buscar a felicidade onde ela estiver. Em uma boa leitura, um bom papo, um novo lugar, um (re)encontro, os olhos brilhantes do filhos, a felicidade deles... Estar no Sudeste me propiciará mais ter acesso a viagens, a me deslocar com mais facilidade e no último sábado eu e a Anaterra iniciamos justamente por um dos meus mais antigos sonhos: a Bienal do Livro. Mais de quatro horas andando entre estandes e prateleiras e um enorme dilema sobre o que levar. Alguns para mim, outros escolhidos por ela e os mais caros, os mais raros, para o Raul : musculação, nutrição para quem pratica exercícios de força e uma sutil declaração de amor da Anaterra para ele: um daqueles livrinhos com frases curtas resumindo afetos, amores intitulado para o meu irmão. No dia anterior fora obrigada a percorrer novamente o hospital ACCamargo, rever pessoas, ir em busca de documentos que a burocracia exige e foi muito doloroso. Um filme passou na cabeça e as lágrimas desceram incontroláveis. Vi e revi o Manoel naqueles quartos, subindo e descendo para os exames e depois já morto, mudo, pálido, imóvel. Sei que os dias serão assim durante muito tempo: alternância entre dor e alegria, sofrimento e felicidade. Idas e vindas de uma vida que se renova, de alguém que reaprende a caminhar e que experimenta, pela primeira vez, a dor da partida definitiva, aquela que não permitirá reencontros materializados e que, mesmo assim, ainda crê, que quer viver, que acredita na felicidade.

5 comentários:

Unknown disse...

Olá Profª Ruth,
Enfim consegui parar um pouquinho para ler seu blog...é como valeu a pena. Assim aprendo como são valiosas as pequenas coisas da vida e como a cidade de Belém é tão linda.
Continue escrevendo. Ficarei esperando...
Bjssss e um forte abraço. Q Deus lhe abençõe cada vez mais!!!
Mary Ellen - Central de Estágios da FAZ

Soraya Pereira disse...

Oi,Ruth!
Que bom que você tá muito bem acompanhada!!!!! Tenho pensado muito em você e nos meninos! E fico feliz por sentir os sinais de renascimento e volta do humor com as pequenas coisas da vida!!!! Que legal!

Em outubro, eu estarei em Sampa. Vou visitar amigas em São José do Rio Preto e, se você estiver afim, gostaria de te encontrar em São Carlos pra gente tomar um chopp e botar a prosa em dia!

Me dá um alô ou manda um email!
beijocas,
Soraya

Anônimo disse...

oi professora Ruth.
OS alunos da Turma CIN522 da FAZ torcem muito pela senhora. Sabemos o quanto é difícil este momento mas guerreira como a senhora é irá superar..

beijoss

Anônimo disse...

olá amiga..Manoel só foi para outro plano, mas com certeza está vigilante. Mudar de cidade, é sempre dificil, o importante q vc está procurando através do q mais gosta de fazer ( escrever)..vencer as diversidades q a vida está lhe impondo.Força e coragem.
Graca Corteletti

Anônimo disse...

OI Ruth,
Seu semblante sereno sugere-me que as adversidades enfrentadas a pouco e no passado recente, não lhe tiraram a fé na vida e na felicidade. Manoel viajou e com certeza nos encontraremos um pouco mais adiante no tempo.
Envio beijos para Raul e Anaterra que estão tão crescidos e lindos.
Que Maria de Nazaré os abençoe,
Nina