Quem sou eu

Belém/Ribeirão Preto, Brazil
Amazônida jornalista, belemense papa-xibé. Mãe, filha, amiga... Que escreve sobre tudo e todos há décadas. Com lid ou sem lid e que insiste em aprender mais e mais... infinitamente... Até a morte

Aos que me visitam

Sintam-se em casa. Sentem no sofá, no chão ou nessa cadeira aí. Ouçam a música que quiser, comam o que tiver e bebam o que puderem.
Entrem...
Isso aqui está se transformando em um pedaço de mim que divido com cada um de vocês.
Antes de sair me dê um abraço, um afago e me permita um beijo.

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sábado, 12 de julho de 2008

Desnorteada

Eu tenho tentado escrever nesses últimos dias até porque escrever, ler e assistir os noticiários de TV são para mim quase um vício. Dependo disso pra viver. Mas o tempo tem sido escasso, a concentração quase inexistente. Só agora apareceu a oportunidade de eu me doar às palavras e através dela arrumar as emoções, tentar entender o mundo desconhecido que se estampa à minha frente.
Nem sei por onde começar. Talvez pela visita a São Carlos, a cidade que em breve se tornará nosso endereço definitivo, nosso lar, meu trabalho, a escola dos meus filhos. Lá tentarei refazer nossas vidas. Uma cidade com características que apaixonam: organizada, desenvolvida e ao mesmo tempo pequena. A pouco mais de 300 km de São Paulo, próximo a Araraquara, rumando em direção a Ribeirão Preto, um canto que respira conhecimento, estudos, tecnologia. Gostei do ambiente e uma casa confortável e pequena deve ser formalmente alugada nesta próxima segunda-feira e com a inestimável ajuda da Dóris na terça começaremos a arrumá-la.
Na quarta quero estar de volta pra SP. Precisamos ficar perto do Manoel. Mais do que nunca! A conversa franca e objetiva que tive com os médicos esses dias me deixou arrasada, sem chão, sem saber onde me apoiar, como agir. Segundo eles, o quadro é muito grave. A infecção que estava no pulmão alcançou o intestino o que os obrigou a suspender qualquer alimentação via oral. Toda alimentação agora é por via intravenosa. Um emaranhado de cateteres se mistura em seu pescoço. Um conduzindo a alimentação, outro os antibióticos, outro a plaqueta quando necessária. Para a equipe médica há pouco por fazer. Um mês, dois meses talvez seja o prazo máximo. A doença é incontrolável.
Nunca pensei que viveria algo semelhante. Ele está aqui ao meu lado, rindo, vendo TV, chamando a atenção dos filhos, fazendo planos para a nossa casa em São Carlos, procurando detalhes sobre a distância SP/São Carlos ou já se programando para passar as datas festivas com o meu irmão Ruy em Leme. É quase impossível segurar as lágrimas ao ouvi-lo dizer que quando estivermos de volta a Belém ou quando a minha mãe chegar com as cachorras que ele tanto gosta. Apenas uma vez me descontrolei, chorei abraçada a ele e porque o vi chorando primeiro. Ele disse que não era nada em especial, não estava triste ou pensando na morte, mas apenas sentiu uma vontade incontrolável de desabafar. Também desabafei, também dei vazão a esse turbilhão de novas emoções. Nossos filhos nos olhando e as lágrimas correndo, inundando nossas almas.
Tento não pensar demais, mas como fugir das palavras dos médicos ? Como esquecer que eles chegam a dizer que ele nem irá para o cti simplesmente porque para lá vão as pessoas que têm alguma chance ?
Meus filhos estão comigo, aqui perto, participam, acompanham, sofrem, amadurecem, mas sem desespero, num nível de compreensão que me surpreende, me orgulha e me dá a certeza de que como pais agimos certo. Temos dois jovens amigos solidários e que não se desestruturam, mesmo diante de tantas mudanças. O novo está em todo canto.
Tento, não sei se inutilmente, de um jeito mais sutil, mais leve, prepará-los para o que não queremos, mas que é uma hipótese e irreversível para a Ciência.
O Raul já tem conhecimento suficiente para entender. Sabe o que é uma septicemia, uma parada respiratória, uma paralisação dos órgãos vitais. Não quer acreditar. Prefere ver tudo isso como uma fase, um momento necessário para a retomada ao tratamento definitivo e o transplante que trará a cura.
Dizer à minha filha de apenas 12 anos que o pai dela em poucos dias pode vir a falecer, dói muito. Mas eu disse. É preciso. Não usei os mesmos termos que os médicos, tentei uma metáfora com as plantas, principalmente neste momento em que ele aparenta estar tão bem. Está lúcido, consciente. Lê, entra na internet, mas como uma frágil plantinha está em uma estufa sendo preservado. As medicações são todas para lhe fortalecer. Não recebe vento, gotas de uma chuva forte ou excesso de sol. Tudo monitorado para que esteja bem. Até quando ? E quando voltar ao seu habitat ? E quando as células desobedientes avançarem ? É um tratamento paliativo que ameniza o sofrimento, prolonga a vida, mas não a preserva.
Os médicos se surpreendem com a força que ele tem de viver, com a esperança inabalável que demonstra em cada ação. Os exames refletem um paciente terminal, mas aqui no quarto tem um homem que, embora visivelmente esteja fraco, careca, pele enrugada, seca, pernas inchadas, hematomas nos braços, está vivo e inserido em nossas vidas, participando ativamente das decisões, sugerindo soluções que variam do desconhecimento com a grande cidade às questões financeiras que têm sido amenizadas pela boa vontade dos amigos que se unem em Belém para passar uma rifa e levantar um dinheiro que amenizará os gastos com passagens e hospedagens.
Quero crer que essa imagem de um homem doente, mas cheio de vida que apenas enfrenta uma etapa difícil de um complexo tratamento, em breve será ratificado nos novos exames. Os exames precisam retratar esse quadro !
Ontem passei na frente da bela igreja de Santo Agostinho, às proximidades do hospital. Entrei e com fé, muita fé, rezei, pedi, agradeci. Coloquei nas mãos de Deus, orei silenciosamente ao pés da cruz de Jesus pelo Manoel, por nós, pelos médicos. Fragilizada roguei que um milagre aconteça e que a infecção desapareça, que ele volte a comer normalmente, que se recupere para receber a nova quimio e dessa forma possamos sonhar com o transplante.
Não quero me entregar à tristeza, mas basta chegar a noite para que minha aparente força se esvaia. Fecho os olhos e revejo momentos importantes de nossas vidas em comum, sobretudo o nascimento dos filhos e sinto-me impotente diante da doença. Não tenho mais o que fazer. Só esperar, rezar, torcer e dar a ele essa companhia. Nós quatro dentro desse quarto de hospital. Na TV os programas que assistíamos em Belém num sábado qualquer, de um ano qualquer. Tanta mudança em tão pouco tempo.
Não consigo controlar minha mente. Ela parece que vai estourar ao misturar o passado, esse presente e um futuro que me parece agora mais sombrio do que imaginei quando fiz tudo para trazê-lo para este hospital. Cenas de nossos peixes assados ou caranguejadas em casa ao lado dos amigos e parentes cedem lugar a entrada e saída de enfermeiras. Elas saberão da gravidade ? O que fazem é só paliativo ? Na cama o amigão de tantos anos está débil, dependente, sonolento, envelhecido. O nariz sangra e a toalha manchada de sangue denota que ainda há dificuldade de coagulação. Vou ao futuro e vejo nossa casa sem ele, nossos filhos sem o pai.
Há alguns dias conversei com o Raul sobre isso. Disse-lhe que se esse for o momento da partida do Manoel, será dolorido, mas antes de tudo precisamos ver o quanto fomos privilegiados por ter convivido com ele. Não teriam um pai melhor. Quero apenas que tenha uma morte digna, sem dor, com os filhos ao lado. Se este for o momento, irá com a certeza do dever cumprido. Foi bom filho, bom irmão, bom marido, bom amigo, bom genro, bom cunhado, bom vizinho, bom colega e principalmente bom pai.
Ainda é cedo para despedidas, mas sinto que me preparo para a hora do adeus. Com lágrimas que escondo, com imagens que me perseguem, com lembranças que nunca se apagarão. Não quero que se vá, mas não tenho o poder de impedir.
Em outros momentos sinto-me uma gigante da fé que acredita no milagre, que espera por ele, que sabe que os médicos sabem muito, mas apenas Deus PODE TUDO !

9 comentários:

Unknown disse...

ah minha querida Ruth...Deus pode tudo,sim...sinto nas tuas palavras a força e a fe que nos move como familia,como seres nesse mundo de provas e espiações,entender a vontade do pai,da força que rege o mundo e a vida de todos nos,aceitar sem discutir,mais não sem brigar e tentar o melhor,tem a certeza que estamos vendo o teu melhor pro nosso Mano MANOEL,mudastes tua vida e da dos filhos mais sempre pensando no melhor pro teu companheiro de jornada,sim jornada,entendo que estamos aqui de passagem e que devemos fazer o melhor que pudermos por nos e os nossos.Que o cansaço que te toma ao anoitecer seja sempre fortalecido com o clarear de um novo dia,tão pequenos que somos,não entendemos os designeos de Deus...queremos e queremos,por nos ,pelos nossos,e não entendemos que temos nosso tempo,mais ainda temos muito a aprender,somos egoistas sim,sem maldade,por amor,por quem amamos...peço a Deus que te de força suficiente pra cada novo dia,que nosso querido Manoel fique e fique conosco,temos tanto a compartilhar...a casa nova,a cidade,a viagem de trem,o vestibular do Raul,os 15 anos da doce Anaterra,o teu sucesso profissional,simplismente comemorarmos a VIDA e podermos estar juntos.Tem fe Ruth,e deixa que Deus guie as mãos desses medicos que cuidam do nosso Mano,estamos alertas e vigilantes ,em orações e força,fe,que a cada um de nos sera dado o que merecemos,e viveremos o nosso tempo.Tem fe,tem fe.E muita gente pedindo e pedindo por vcs,pela familia ,pela vida.

Webeatriz disse...

Ruth querida, quando tudo o mais parece perdido, a inabalavel permanência da fé é muito importante. E desde o primeiro momento desta tua luta , lembra quando pedi ( manda teu endereço que quero te mandar algo) eu estava com essa idéia de te enviar um livrinho da Misericórdia Divina, devoção que me transmitiu minha mãe .

Então sempre que me encontro diante de situações ditas irreversiveis, eu me lembro de um testemunho publicado no tal livrinho.
Não sei se já conheces, se não procura o site na internet e/ou numa Livraria Paulinas.

Faça a novena, leia o depoimento e fortaleça ainda mais essa tua fé.
Beijos
VB

Anônimo disse...

Ruth querida,
procurei textos ou mesmo palavras certas, mas a única coisa que consigo pensar é que esta nossa jornada nos traz muitos aprendizados e que mesmo a dor nos faz evoluir. O momento agora é de passar por esta dor, independente do que acontecer hoje, amanhã ou depois.
Sinta o carinho de Deus neste aprendizado e do quanto vc e sua família estão unidos. Com certeza existe uma aura de amor em volta de vcs...
Grande beijo,
Katia

Ana Cláudia Pinheiro disse...

Querida professora!!
Você será sempre essa professora forte, nos ensinando até mesmo nos problemas como não perde-mos a FÉ e a CORAGEM. È isso ai não vamos perder a FÉ, DEUS é o maior médico da humanidade e sabemos que nas mãos dele não é impossível, continuamos nossa corrente de oração e Nossa Senhora de Nazaré será nossa intercessora sempre.
Sinta-se abraçada por todos os seus alunos.
Mil bjokassssssssssssss

Anônimo disse...

Minha querida amiga:
São muitas as palavras que me vêm despertadas pelo desamparo (e, no entanto, quanta força armazena) do seu desabafo. Li seu texto para a Regina, que chorou. Tenho, talvez, a desatinada esperança de que você, amiga, exagere a gravidade da doença pendular, quem sabe pelo desalento que nos acomete nas horas vazias em que nos atira a dor, o desamparo, o espanto, a incredulidade diante das peças que a vida nos prega e nos obriga a encenar, assumindo um papel que não esperávamos para já.
Que personagem então emergirá desse torvelinho em que nos debatemos?
Não quero navegar nessas palavras à deriva.
Não quero aceitar a sentença que desce, implacável, com horas contadas, sobre o Manoel.
A vida, à vida, vamos adiante. É terrível, mas pode, sim, rever-se o que já parecia esmaecido, embaçado.
Se à sentença, no entanto, não caber recurso (quantos dias a mais?), é aprender esse difícil ofício, o triste privilégio de poder se despedir, aos poucos, de quem se ama, da pessoa amada. Aprendemos todos na dor e até o lugar-comum se ilumina.
Minha amiga, me diga do que você precisa, me diga quem ou que pessoas estão à frente da rifa, me diga alguma coisa que possamos fazer, e faremos, ainda que seja apenas o que seja...
Beijos,
Elias

Anônimo disse...

P.S. E o "não caber recurso" me recorda o "faz caber", lembra?, brincadeira com uma frase comum em redações, quando um texto excede o espaço da página.
Então, querida Ruth, "faz caber" a esperança.
Beijos,
Elias

Anônimo disse...

Ruth Rendeiro

Querida, gostaria de ser um anjo da guarda para poder estar aí apagando todas as dores que estás sentido, mas como simplesmente eu, quero dizer que te amamos muito e lembre-se que a Misericórdia Divina é infinitamente sábia e nada acontece sem que Deus esteja nos abraçando no seu grande Amor. POIS SINTA O ABRAÇO DE DEUS, e o nosso.
Beijos para todos
Célia Libardi

Anônimo disse...

Ei Ruth...
há uma grande corrente ao seu redor! Estamos todos unidos, torcendo por vocês!
Não deixe essa fortaleza desabar, mas permita-se chorar também...desabafar é bom mesmo...saiba que somos só ouvidos!
Um grande abraço amiga!

Patrícia Ledoux disse...

Ruth, que Deus possa abençoar vcs confortando seus corações com força, fé e alegria. Vc disse tudo: Para Deus nada é impossível! Creia e receberás o q for da vontade Dele. Lembre-se apenas que a vontade Dele pode não ser a sua, mas q com certeza Ele lhe dará o conforto necessário. POlhe além das circustâncias e tente ver um Deus q chora com a dor de seus filhos, mas q está tão próximo para nos acalentar o coração com uma canção de ninar.
Força sempre!
Abraços
Patrícia Ledoux
ANT - Embrapa Amazônia Oriental