Pretendia escrever antes, mas viajar por um período mais longo é sempre complicado. São preparativos intermináveis que complicam nossos dias, reduzem nossas horas. O final de semana também foi movimentado com almoço em família e mais a Ieda e a tia Jorgete, como convidadas especiais. Uma festa com gosto de despedida embora ninguém falasse essa palavra. Mas ela estava no ar. Ontem à noite a colega e atual chefinha, Renata Baia e o Jorge, seu namorado, também foram em casa. Um gesto delicado e gentil para me desejar boa viagem, bom tratamento e breve retorno. A alma agradece.
Neste momento estou a sei lá quantos mil pés do solo, no vôo 3539 da Tam, Belém direto Congonhas, pouco mais de três horas de viagem. Tento passar o tempo, não pensar demais, embora os olhos ainda estejam vermelhos, ardendo. Não deu pra segurar as lágrimas na partida. Raul, Anaterra e Manoel ficaram e eu estou sozinha aqui. Disse aos filhos que estou fazendo tudo isso principalmente por eles. Quero viver mais e ter uma qualidade de vida boa para acompanhar seus próximos anos, vê-los mais maduros, mais seguros, mais felizes. De preferência andando com os seus próprios pés. Acho cedo para partir definitivamente.
Eles têm reagido bem a tudo isso, demonstrado uma grande maturidade e compreensão às limitações que agora me são impostas. A prioridade que a doença tomou em minha vida. Não escondi nada, sempre falei aberta e sinceramente da doença, dos meus medos, do tratamento, da esperança, da fé, dos temores. Várias vezes me viram chorar. Como há pouco antes do embarque. Não foram lágrimas sutis e silenciosas. Mas um choro demorado, doído, explícito. Viajei com muita coisa nova na cabeça, muitos pensamentos que deixariam Alfred Hitckok fascinado. Desde passar mal e ter que me hospitalizar até morrer e o corpo ter que ser transportado para Belém. Devaneios de uma mente doente, criativa e ainda perplexa pelo inusitado, pelas descobertas. Elucubrações que até Deus duvida, mas que povoam meus silêncios, as conversas solitárias que me acompanham e me perturbam.
Já tive muito medo de avião. Medo não, pânico. Chorava desde à véspera e me desesperava com a decolagem, aterrissagem, qualquer barulhinho estranho. Até o semblante das aeromoças tinha uma leitura especial para mim: bastava uma ausência de sorriso para eu achar que elas estavam apavoradas e que algo de ruim estava acontecendo. Hoje, ainda tenho medo, mas já é controlado. Consigo até escrever e cochilar.
A cabeça se ocupa em tentar imaginar como serão esses próximos dias, como vou suportar tanto tempo longe de casa, dos meninos, da mamãe, do Leonardo. Ele fez a minha alegria nesses dias recentes. Parecia, em sua inocência, saber que eu ficaria ausente mais do que o habitual. Tivó pra cá, tivó pra lá e um chamego sem precedente. Estava me abastecendo de carinho.
Agora não tem volta Sei que é o melhor pra mim, sei que não há outra alternativa e que se não agisse dessa forma não me perdoaria pelo resto da vida. Posso ir, é preciso ir. O meu mastologista é um dos meus maiores incentivadores e tem certeza que tomei a decisão mais correta.
Temo apenas não ter estrutura suficiente para segurar a barra, manter-me firme quando os dias se tornarem longos demais, não deprimir, não entristecer demais. Uma semana, dez dias de afastamento são comuns em minha vida e sempre por motivos mais prazerosos, quase sempre relacionados ao trabalho. Agora é diferente. Vou pra me tratar, não sei como meu organismo reagirá, quais os efeitos colaterais que terei que enfrentar e não lá não estará a Anaterra para me trazer água no quarto ou o Raul para ir apanhar uma sacola mais pesada. O Manoel não irá ao supermercado comprar minhas frutas nem a mamãe ou a dona Lúcia farão meu cafezinho a qualquer hora. Vou sentir muito essas ausências. Alia-se a tudo isso o temor de deixar os filhos e eles terem algum problema sem que eu esteja perto. De novo a presunção de mãe. Assaltos, brigas, acidentes, uma doença qualquer, uma desilusão mais dolorosa, uma frustração que eu pudesse amenizar, mas estarei longe. Bem sei que a minha presença não impedirá quaisquer desses acontecimentos, mas a proximidade parece nos transformar em super mulheres a que tudo impedem, tudo evitam de acontecer de mal as nossas crias. Sei que não é assim...
O vôo prossegue. O lanche já foi servido (melhor que as barrinhas de cereais da Gol) e a maioria dorme. Procuro ocupar-me lendo e escrevendo e tentando arrumar mentalmente esses primeiros dias em Campinas. Ficarei em princípio na casa da Vera, uma colega da Embrapa que como outros, gentilmente me ofereceram alojamento. Vamos procurar com calma um local onde possa ficar o restante dos dias.
Tenho tido sorte nos meus planejamentos e nas oportunidades que têm surgido. Não precisarei ir de mala e cuia de Sampa para Campinas. Como a Vera foi passar o feriado na capital, poderá me apanhar no aeroporto de Guarulhos e viajaremos juntas para Campinas. Um problema a menos, já que estou com três volumes: a mala grande com as roupas, sapatos e alguns apetrechos que acredito possam ser úteis no flat a ser alugado. Uma caixa especial para o Ruy, Dóris e Ana Júlia com farinha d’água, farinha de tapioca, pimenta-de-cheiro, prato de parede e caneca com motivos belemenses enviados pela mamãe, cuias e bombons de cupuaçi. Uma valise leva os agasalhos mais pesados, livros e material (provas, relatórios, textos ...) da FAZ que preciso concluir e enviar por e-mail e ainda uma peça de cerâmica a ser entregue a Vera, como agradecimento pela hospitalidade, carinho e presteza. Impagáveis nesse momento.
Ainda falta cerca de 1:30h de viagem e, embora calma (os lexotans fizeram efeito total hoje), não sinto sono ou não consigo relaxar o suficiente. Tentarei não pensar demais e descansar um pouco e continuar contando os minutos que faltam para o pouso. O dia promete ser cansativo e tenho que, desde hoje, tentar agilizar os trâmites burocráticos para que a radio tenha início de imediato e assim possa retornar antes do previsto pra Belém, para os filhos, para o marido, mãe, irmãos, sobrinhos, amigos, alunos .... Pra minha terra !
Isso tudo foi escrito durante o vôo. Amanhã complemento já em terra firme.
Quem sou eu
- Ruth Rendeiro
- Belém/Ribeirão Preto, Brazil
- Amazônida jornalista, belemense papa-xibé. Mãe, filha, amiga... Que escreve sobre tudo e todos há décadas. Com lid ou sem lid e que insiste em aprender mais e mais... infinitamente... Até a morte
Aos que me visitam
Sintam-se em casa. Sentem no sofá, no chão ou nessa cadeira aí. Ouçam a música que quiser, comam o que tiver e bebam o que puderem.
Entrem...
Isso aqui está se transformando em um pedaço de mim que divido com cada um de vocês.
Entrem...
Isso aqui está se transformando em um pedaço de mim que divido com cada um de vocês.
Antes de sair me dê um abraço, um afago e me permita um beijo.
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3 comentários:
Ruth,o Ruy ta fazendo musculação pra carregar o que tiveres de mais pesado,Ana Julia traz um copo com água da cozinha pra quato,pra sala,numa rapidez incrivel,eu to melhorando meu café,não como da D.Janete,mais ta melhorando,e o Ruy adora,adora comprar frutas no mercado,agora então...amora,uvaia,uva rosada e verde,pessego,ata.Faremos uma gostosa limonada de quantos limões azedos aparecerem e daqui a pouco será mais uma página virada do teu livro da vida,do nosso.Beijo querida.
Oi Ruth!!!
Estou contigo, viu?!
Posso imaginar sua agonia, sei bem como é ficar longe de tudo e de todos em momentos delicados da vida. Masssss...não fique triste não...logo logo você estará de volta! Estamos te esperando!
Beeeeejo GRANDE!!!!
Ué foi como anônimo!
Mas eu coloquei meu nome...
Enfim...é a Vanessa!
Bjbjbjbjbj
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