Quem sou eu

Belém/Ribeirão Preto, Brazil
Amazônida jornalista, belemense papa-xibé. Mãe, filha, amiga... Que escreve sobre tudo e todos há décadas. Com lid ou sem lid e que insiste em aprender mais e mais... infinitamente... Até a morte

Aos que me visitam

Sintam-se em casa. Sentem no sofá, no chão ou nessa cadeira aí. Ouçam a música que quiser, comam o que tiver e bebam o que puderem.
Entrem...
Isso aqui está se transformando em um pedaço de mim que divido com cada um de vocês.
Antes de sair me dê um abraço, um afago e me permita um beijo.

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sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Cara a cara com o passado

De cara com a minha história
De novo a ansiedade antecipatória tomou conta de mim. Desde que decidi ir a Belém e homenagear o Manoel no dia em que ele completaria 51 anos, os dias ficaram pesados, a sensibilidade à flor da pele.
Fiquei horas e mais horas, durante à noite, acordada tentando imaginar como reagiria ao entrar em casa e me deparar com ele entranhado em cada canto, em cada parede, em cada prego afixado para segurar um quadro.
Mas antes havia a burocracia me esperando que de alguma forma ajudou a afastar um pouco o foco da dor.
De fato é preciso viver pra entender em toda a complexidade as situações mais esdrúxulas e até pouco conhecidas da rotina da vida. Ficar frente à frente com a morte nos mostra um mundo que, inteligentemente, negamos enquanto ela não se apresenta.
A caixinha metálica, cor de cobre que durante esses últimos meses despertava em mim diferentes sentimentos e que estava em casa como que me seguindo e lembrando-me que ali dentro estava o que restou do Manoel, o pai dos meus filhos, o amigo e companheiro de todas as horas, para ser transportada via aérea precisava de várias autorizações, documentos da Polícia Civil e da Anvisa, caixa específica que inexplicavelmente não é a mesma que o crematório entregou.
Malas pra arrumar, medo do reencontro com o passado recente e cheio de saudade e ainda as exigências legais (?) para que o pó chegasse a Belém. Só mediante a contratação de uma empresa, especializada em esfique, localizada em Guarulhos – que nunca imaginei que existisse ! – permitiu que as cinzas seguissem como carga.
Mas havia ainda muitas etapas a serem vencidas. Quem seria tão importante para mim que se disporia a ir ao aeroporto de Val-de-Cans, na madrugada do dia 9 receber aquela carga tão indesejável ?. Pensei em muita gente. Alguns eliminei pela indisponibilidade de transporte, outros pela fragilidade nesse contato com a morte e outros porque a amizade não seria suficiente nem mesmo para eu ter a coragem de fazer o pedido. Optei pela Ieda Jucá, a incansável amiga que nesta trajetória cheia de percalços da minha vida tem sido mais do que amiga. Aquela que junto com a Consuelo Castro tem resumido em gestos tudo o que já foi escrito sobre a amizade.
E assim foi feito...
Na viagem as lágrimas incontroláveis do pânico do embate. Ao meu lado Raul, Anaterra e mamãe. Solidários no silêncio ou no aperto demorado no braço ou na mão. Como protagonistas dessa história também temiam pelo retorno. Iríamos rever lugares, pessoas, objetos familiares e que poderiam ainda guardar até o cheiro do Manoel. Teríamos que repetir inúmeras vezes a mesma história, reviver os momentos no hospital, relatar detalhes da doença, da cremação do corpo, da nossa opção em permanecer em São Carlos... Temia não suportar...
Contudo, era preciso ir, mostrar-me novamente forte, reagir diante dessa situação inusitada e dilacerante.
E fui ...

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

As lembranças que chegaram de caminhão

Quando voltei do Paraná encontrei a casa, até então espaçosa, entulhada de caixas, móveis e objetos familiares.
A mudança chegara de Belém !!
Não tudo... impossível colocar a casa de quatro quartos, duas enormes salas, cozinha de 60 metros quadrados dentro de uma casa moderna, funcional, mas pequena. Veio o que, com a impagável ajuda do Rulton e da minha cunhada Socorro, considerei mais importante, aquilo tudo o que tenho dificuldade de dar, vender, me desfazer.
Cada caixa aberta uma lembrança...
As dezenas (ou quem sabe até uma, duas centenas) de Cds fizeram com que eu voltasse ao passado instantaneamente. Chico Buarque (minha grande paixão!) cantado por ele mesmo ou por tantos outros, MPB-4, Rita Lee, Milton, Caetano, João Bosco, muitos regionais (Waldemar Henrique, Nilson Chaves, Lucinha Bastos ...) e os do Manoel. Boleros, chorinhos e muitos da década de 50 me levaram às tardes de domingo quando, depois de várias latinhas de cerveja, ele se isolava pra ouvir as suas músicas preferidas. Sempre tristes, chorosas, saudosas...
Em outras caixas fotos, muitas fotografias. Momentos inesquecíveis perenizados no papel. Nosso namoro, passeios sozinhos ou já com os filhos, o nascimento do Raul e da Anaterra, seus (e nossos) aniversários, as incontáveis reuniões com os amigos e a alegria estampada das idas aos igarapés, às praias, principalmente em Mosqueiro onde passamos muitas férias. Mas tem também em Marudá, Alter do Chão, Ajuruteua, Salinas...
Caixas e mais caixas contendo meus inseparáveis livros. Cada um com a sua história, cada um com a sua contribuição em mim. Poesias, crônicas, romances e os incontáveis sobre Comunicação. Tenho uma compulsão a comprar livros sobre Comunicação e jornalismo. Talvez explicável pela limitação de acesso em Belém. Quase nada disponível nas livrarias. Não consegui deixa-los pra trás. Não tenho ainda um lugar adequado para alojá-los, mas agora estão aqui, do meu lado. Disponíveis. Sinto-me mais segura e acompanhada. Loucura ? Não ! os livros sempre foram para mim uma excelente companhia.
Rever, tocar os artesanatos e enfeites foi outro momento doloroso. Meus sapos, minhas recordações de viagens (Santarém, Cuiabá, Pirinópolis, Brasília, Acre, Rondônia, Manaus, Rio de Janeiro e muitos outros de Belém) reavivaram em mim cenários que não lembrava mais e novas lágrimas foram inevitáveis.
Roupas pessoais (algumas camisetas do Manoel), de cama, mesa, banho deixadas em Belém na esperança de que lá estariam esperando a nossa volta .
Ahhh como tudo mudou em tão pouco espaço de tempo. São apenas três meses. Parecem três anos ... 30 anos ...O meu mundo em Belém parece-me tão distante...
Como a vida é frágil, como as lembranças machucam, como somos tão insignificantes...