Quem sou eu

Belém/Ribeirão Preto, Brazil
Amazônida jornalista, belemense papa-xibé. Mãe, filha, amiga... Que escreve sobre tudo e todos há décadas. Com lid ou sem lid e que insiste em aprender mais e mais... infinitamente... Até a morte

Aos que me visitam

Sintam-se em casa. Sentem no sofá, no chão ou nessa cadeira aí. Ouçam a música que quiser, comam o que tiver e bebam o que puderem.
Entrem...
Isso aqui está se transformando em um pedaço de mim que divido com cada um de vocês.
Antes de sair me dê um abraço, um afago e me permita um beijo.

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domingo, 6 de julho de 2008

Enfim uma casa, um lar

A última semana foi uma experiência intensa e muito diferente. Novamente eu não pensei muito antes de agir, apenas fiz, fui, acreditei e felizmente tudo saiu bem ao final. Seis dias como uma família de camioneiros. Um dia em cada cidade, uma noite em cada hotel e muitas horas na estrada. Agora, finalmente, em uma casa, a casa do meu irmão em Leme.
Tudo tão diferente... tudo tão mais acolhedor.
Tantos acontecimentos, emoções, lágrimas, esperas, medos, alegrias, alívios que começaram na segunda-feira quando tive a informação de que deveria estar, na terça, bem cedo, na clínica de Campinas para começar o tratamento. A braquiterapia não é uma técnica muito usual, apenas alguns tipos de câncer fazem uso dela e por isso poucos conhecem como ela acontece e eu não fugi à regra. Não tive tempo de pesquisar na Net ou conversar com alguém que conhecesse esse tipo de radioterapia. Fui às escuras. A primeira surpresa foi a anestesia geral. A ignorância me levou a deduzir que seria algo bem mais simples, uma anestesia rápida, local para colocação de um cateter igualmente simples. Na clínica atendimento perfeito, hospitalidade, atenção, explicações e um anestesista bem jovem, bonito que disse que eu ficaria em torno de 40 minutos na sala de cirurgia para receber os "tubinhos" que dariam acesso à radiação concentrada em parte da mama. Anaterra e Doris estavam comigo. Fui calma, tranqüila e já acordei na sala de recuperação, uma hora e meia mais tarde, sem nenhuma indisposição. Só muita fome. Na mama esquerda um quadro assustador: ao contrário dos cateteres que já conhecia (a Rosanne, "amiga do peito" e o Manoel implantaram para facilitar a quimio), tinha nove "canudinhos" verdes que atravessavam minha mama de um lado a outro. Um cenário que me apavorou muito mais pela cena do que pelo incômodo. Do lado próximo à axila, umas espécies de torneirinhas que me ligavam a uma máquina barulhenta duas vezes ao dias, durante 12 minutos, cinco dias seguidos.Até sábado teria que estar, por duas vezes ao dia, na clínica de Campinas. Não podia racionalizar demais ou encontraria todos os obstáculos possíveis para de novo desistir. Era a quarta vez que tentava. A primeira em Belém, a segunda nessa mesma clínica, mas que tive que interromper para retornar urgente a Belém. Depois de novo o Ophir Loyola e a farsa da radioterapia que hoje sei, serve apenas como placebo. Não cura ninguém, não serve pra nada. Ajuda apenas psicologicamente os portadores de câncer. Precisava acreditarque dessa vez daria certo. A Anaterra em São Paulo; o Manoel hospitalizado e o Raul chegando na quinta-feira. Como ir e voltar tantas vezes ? Não importava. Iria fazer, lutaria. Eu e a Anaterra ficamos em Campinas de terça para quarta-feira. Chegamos na rodoviária do Tietê já tarde da noite. Onde escondi meu medo ? Que fim eu dei naquele temor de andar sozinha à noite ? Nem percebi que estava na maior cidade da América Latina, na maior rodoviária da região. Automaticamente fiz o que tinha que ser feito. Um táxi e já estávamos no hotel, dormindo cedo pra acordar no dia seguinte e ir esperar pelo Raul no aeroporto de Guarulhos. Não fui visitar o Manoel. Os "canudinhos" poderiam ser uma entrada de infecção e mais do que nunca preciso me preservar, ficar longe de doenças oportunistas. Os contatos foram só por telefone.
Madrugada de quinta-feira, dia 3, em breve a família se reuniria de novo. Agora em São Paulo. Pela primeira vez o Raul viajando sozinho. Mais de três horas de vôo direto. Também me mantive tranqüila, acreditando sempre que tudo sairia bem. Um mundo tão novo, tão profundo, tão intenso que só depois que acontece tomo consciência que de fato vivi.
Minha vida tem uma outra dimensão, tem uma paisagem que vai além do que vejo, do material, concreto. Muitas pessoas queridas talvez não se vejam nessa paisagem sombria, conturbada, insegura. São emergências, urgências que têm me levado a agir muito rapidamente, quase como um robô. Não esqueci ninguém, não alijei ninguém da minha vida, principalmente os que me são caros, os que de fato amo, os que tanto quero bem e que às vezes cobro colo, carinho, atenção, afeto mais do que aqueles que apenas passam na minha estrada, mas que não fizeram parada, que deixarão poucas lembranças, poucas marcas. O que de fato eu preciso é dividir esses momentos, compartilhar com os que realmente me querem bem esse turbilhão de novos sentimentos, novo lar, novos dias. Preciso demais daqueles que um gesto simples tem uma conotação gigantesca, me fazem feliz ou muito triste com um simples aceno ou falta dele. Uma frase, um abraço, uma mensagem, um telefonema e meu dia passa a ter um outro significado. Estou carente, sensível e frágil, mesmo quando pareço tão forte. Brigo e digo o que não devo (ou não queria dizer dessa forma), mas continuo amando, querendo bem, apenas demonstrando de forma diferente e às vezes incompreensível. Aos que tentam me poupar e não comentam seus problemas, uma aviso: eu quero permanecer na vida de vocês, só assim terei certeza da minha relevância. Esconder de mim o que por acaso possa estar acontecendo de ruim, não me preserva, apenas me distancia e sinto-me bem em continuar sendo solidária, amiga, companheira, mesmo que com um tempo tão escasso.
Os dias têm se atropelado, o tempo é curto para tanto a fazer, resolver. A semana mal começou e já terminou. Estou confusa com datas e situações. Às vezes me perco nas lembranças e tento identificar determinada situação sem saber exatamente se estava em São Paulo ou Campinas; se foi na quarta ou na quinta-feira. Tenho certeza apenas que na última quinta-feira bati todos os meus recordes. Depois de receber o Raul, mal o dia nascia em Guarulhos, fomos para São Paulo descansar um pouco. Às 10h os deixava na porta do ACCamargo para passar o dia com o pai. Muita emoção nesse encontro. Lágrimas dos dois. A incerteza de um reencontro certamente se desfez no abraço apertado. Como uma autêntica paulistana, segui do hospital para o metrô. Deixei a estação de Vergueiro rumo ao Tietê e de lá um ônibus para Campinas onde fiz, às 13 horas, a primeira aplicação. Um sono quase incontrolável. Entendi as pessoas que dormem em qualquer lugar, basta se encostar para cochilar. Telefonei para a Vera, colega da Embrapa que já me hospedara antes e sem cerimônia pedi uma cama pra dormir. De novo a recepção calorosa de sempre, agora, além da filha Júlia, a mãe Verena, me dando atenção, um edredon cheiroso, um bilhete na cama para que tivesse bons sonhos. Descansei e renovada voltei para clínica e só deixei Campinas à noite. Bem tarde cheguei à rodoviária do Tietê e mais tarde ainda apanhei os filhos.
Na sexta-feira saímos os três de São Paulo e aproveitamos para passar dois dias em Campinas. O sábado estava lindo, ensolarado e a proximidade do final do tratamento me deixaram até feliz. Fomos à lagoa do Taquaral onde famílias inteiras se divertiam. Uns liam, outros corriam ou apenas apreciavam a natureza exuberante. A nuvem escura que minava o nosso belo dia ficava por conta da certeza de que o Manoel não poderia estar conosco. Nem sei quando estará. Se um dia estará novamente. Temo tanto por ele. Sei da gravidade do seu quadro. Os médicos já não têm mais certeza de nada. Estão colocando todo o seu conhecimento à disposição, mas o organismo não reage, os blastos continuam presentes na medula, o que exigirá nova quimioterapia, provavelmente mais agressiva ainda. Ele vai suportar ? Não sei... não sei... Sei apenas que a cada dia ele fica mais debilitado. Além do pulmão que exige oxigênio em período integral, há suspeita de algo no intestino que pode estar causando o sangramento, que por sua vez exige maior quantidade de sangue e plaquetas, maiores dosagens de antibióticos e um mal estar generalizado que ele tenta amenizar todas as vezes que falamos com ele pelo telefone. Não quero pensar no pior. Tento me respaldar nos casos anteriores de pessoas que sofreram muito, que passaram por momentos delicadíssimos, mas que superaram tudo e hoje levam uma vida quase normal. Preciso acreditar para passar essa crença a ele, aos nossos filhos. Quero crer que um dia ele sentirá o que sinto agora quando acabei o tratamento que pode ter eliminado as células cancerígenas que porventura ainda insistiam em permanecer anônimas em minha mama esquerda. A retirada dos "canudinhos" foi menos dolorosa do que imaginara, do que a minha doente cabeça me preparou. Um a um foi puxado e no lugar pequenos buraquinhos que devem ser tratados até a cicatrização completa. Retornarei somente no final de julho para outra avaliação. Enquanto isso, tentarei rearrumar a nossa vida. Não podemos ficar muito tempo em São Paulo, embora seja o nosso desejo. Os custos com hotel são muito altos. É preciso que tenhamos nosso canto o mais breve possível. Ontem chorei muito quando parei pra pensar e vi nossas vidas resumidas a um amontoado de malas. Não temos camas, cadeiras ou mesas. Um laptop, mochilas e muita esperança é o nosso patrimônio maior neste momento.
Amanhã iremos a São Carlos pela primeira vez. Espero me apaixonar pela nova morada. Um lugar que acredito será de renovação, de alegria, de retomada de vida. Quero preparar cada cantinho com um jeito especial pra receber os que nos visitarão. Espero poder abraçar muitas pessoas queridas em breve. Um lugar que será simples, pequeno, mas que vai representar muito para nós. Raul e Anaterra felizmente estão aceitando todas as mudanças com naturalidade. Deixaram amigos de longos anos pra trás, mas em nenhum momento reclamaram ou insinuaram que não gostariam de ter me acompanhado. Sinto-me orgulhosa de ser mãe deles.
Estou menos só hoje. O Ruy se desdobra em brincadeiras e atenção, mesmo que as lágrimas desobedientes muitas vezes se manifestem. A Dóris tenta nos agradar de todas as formas. Incansável, companheira, amiga e que tem me ajudado muito a entender cada dia dessa tragédia que se abateu sob nós. A Ana Júlia com a sua calma e doçura só nos dá mais segurança. Tudo o que precisamos neste momento: mais do que um lugar para dormir ou comer, um lar para deitar e descansar o corpo e a alma, reabastecer as energias e os sonhos. Renascer das cinzas e acreditar que viver vale a pena e que a felicidade está sempre nos aguardando. Basta querer vê-la.

3 comentários:

Anônimo disse...

Ruth,

Um outlook e uma memória inteira de celular perdidos depois, reencontro numa anotação o link do seu blog. Fiquei sabendo pela Erica da pegadinha com o "seu" Manoel. Mais seu do que nunca neste momento, "nénão"? Mas enfim,
agora que estamos próximos novamente (não falo de geografia, logicamente), quero saber notícias dos dois. Conte comigo pro que precisar. Qualquer coisa mesmo. Até apanhar as "maçãs anãs" no quintal.

Smacs
Alexandre Helmut
helmut@dc3unicom.com.br

PS: Mande novamente o número do celular.

Webeatriz disse...

Ruth, sempre com vc. em meus pensamentos e orações. Ainda ontem te vi subindo as escadas daqui de casa e pensei exatamente nisso, no medo de cair da escada e agora vc. superando medos muitos maiores e concretos.

Conheci São Carlos, vai ser uma mudança grande para os "meninos" , mas vão gostar!
Tenho um amigo também recém morador aí. Se precisar de um contato me fala. Bjs

Anônimo disse...

Ruth,
Td de bom p/ vc e muita força!!
Estou querendo ir p/ S. Paulo em agosto (td depende d uma promoção da tam/gol)e espero poder t visitar, se possível.
Bjos!
Juliana Rose