Até meus textos preferidos foram substituídos por informações médicas. Acho que estou mais compulsiva do nunca. Livros que em outra época eu já teria devorado, jazem na estante ou às proximidades clamando pelo toque que os desvendem. Amanhã talvez ...
Há oito meses leio, converso e tento entender tudo (ou quase tudo!) sobre o câncer de mama. Por que ele me atingiu, o que eu tenho de responsabilidade sobre isso como o fumo há mais de uma década abandonado, mas que ainda me deixa seqüelas escuras no pulmão. Álcool deliciado nas noitadas da solteirice ou nos encontros molhados na maturidade. Pouco exercício físico e muito estresse. Até onde eu me permiti esse câncer. Leio sobre os tratamentos, recidivas, metástases ...tudo me interessa.
Agora divido esse tempo com intermináveis horas tentando entender o que o Manoel está vivendo. Por que as células leucêmicas tomaram conta de seu sangue e o deixaram assim tão fragilizado quase sem glóbulos brancos e vermelhos e plaquetas, extremamente suscetível a doenças, correndo risco por um simples resfriado.
Ambos são câncer, mas tão diferentes entre si que só têm em comum a produção acelerada e desordenada de células teimosas que desafiam a ciência e que matam milhares de pessoas a cada ano.
A leucemia linfóide aguda que foi diagnosticada em Belém é grave. Muito grave, mas tudo ainda é uma grande incógnita. Só o tratamento poderá dizer como o organismo dele está respondendo às bombas que estão sendo injetadas em seu corpo, agora através de um cateter implantado em seu pescoço para não ter que furá-lo quase por inteiro. São medicamentos fortes que trazem apreensão e muita debilidade e que pretendem eliminar, pelo menos do ponto de vista do exame de material da medula as células leucêmicas. É que o chamam de remissão. Um período de cerca de um mês em que não prometem nada, que não diz muito, mas que decidirá o que será nosso futuro em breve.
Estar em um hospital referência no tratamento de câncer, com evidentes diferenças do que estava recebendo em Belém, uma equipe médica especializada e atenciosa; medicamentos modernos e equipamentos disponíveis 24 horas sem depender de transporte aéreo ou de uns poucos que saibam fazê-lo nos dá uma pouco mais de segurança, mas nossa vida está em suspense.
Não sei o que fazer, não tenho planos, apenas espero e prossigo na luta árdua e já sem muito levante de fazer a minha radioterapia e de alguma forma me prevenir de um novo câncer no futuro. Estou cansada de brigar por esse direito e o farei apenas por não tenho outra opção. Sem confiança, sem crença, sem apoio. Não há nenhum tipo de acompanhamento psico-social para os pacientes do Ophir Loyola. A sensação que me dá é que tudo é feito porque assim alguém determina. Não há compromisso com a cura. São tratamentos apenas paliativos para pessoas sem chances de viver como viveram um dia.
Quero, porém, mudanças e mudanças profundas. Não sei esperar, deixar que as coisas aconteçam espontaneamente, preciso acompanhar, provocar, ousar. Tenho pensado muito em deixar Belém e permitir que eu e o Manoel tenhamos uma qualidade de vida melhor nos anos que nos restam e que exigirão monitoramento constante e sistemático do câncer em nossos corpos. Talvez nossos destinos já estivessem traçados e São Paulo seja nosso fim da linha.
Uma hipótese, um caminho...
Justo eu que sempre cantei em verso e prosa a minha Belém...
Quanta ironia !
Mas meu tacacá, maniçoba, açaí, pupunha e bacuri já não me bastam. As minhas praias de água doce e morna de Mosqueiro já não são suficientes para minha qualidade de vida nos próximos anos. Meus peixes, meus rios, minha chuva de todos os dias, esse calor abafado terão que ser deixados para trás em troca de vida, de tecnologia, de uma medicina que não temos direito, que ainda não está disponível em nosso Estado.
Deixar amigos, colegas, parentes (ahhh nem quero pensar em não poder ver o Leonardo com freqüência), alunos, ex-alunos e recomeçar aos 50 anos. Uma nova vida, cheia de limitações, privações, obstáculos, medos e sustos, mas uma nova vida.
Preciso também me preocupar com meus filhos. Raul e Anaterra necessitarão de acompanhamentos preventivos específicos, afinal devem ter uma carga genética oncológica muito forte.
Mãe e pai portadores de câncer é demais !!!
Um futuro incerto e cheio de fantasmas...
Quem sou eu
- Ruth Rendeiro
- Belém/Ribeirão Preto, Brazil
- Amazônida jornalista, belemense papa-xibé. Mãe, filha, amiga... Que escreve sobre tudo e todos há décadas. Com lid ou sem lid e que insiste em aprender mais e mais... infinitamente... Até a morte
Aos que me visitam
Sintam-se em casa. Sentem no sofá, no chão ou nessa cadeira aí. Ouçam a música que quiser, comam o que tiver e bebam o que puderem.
Entrem...
Isso aqui está se transformando em um pedaço de mim que divido com cada um de vocês.
Entrem...
Isso aqui está se transformando em um pedaço de mim que divido com cada um de vocês.
Antes de sair me dê um abraço, um afago e me permita um beijo.
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10 comentários:
Ruth.
Nem sempre gosto de ler teu blog. Por vezes preciso. Não gosto de ler pq te vejo sempre derrotada, quando não é essa a tua realidade. Não és uma derrotada. Se olhares ao teu redor, perceberás que estás deixando de olhar o quanto és uma pessoa iluminada, por tudo que tens e dispõe. Mas, quando digo que não gosto de ler teu blog, é pq me passas uma sensação mórbida, por vezes! Patética até! Olhe a sua fotografia com o Manoel! Olhe seus filhos! Sua casa! Seus amigos! Todos os recursos que vc tem dispostos, sejam material, humanos ou financeiros. Contabilize tudo isso a seu favor. Não veja além do que a Vida já prega, Ruth! Um abraço Sula Maciel.
Se a sua amiga pensou em levantar o seu astral com esse comentário, vc não precisa dela. A situação é grave sim, com recurso ou sem recurso, com amigos, filhos parentes por perto, não importa, é uma situação que ninguém quer pra si.
Desejo que vc tente, e muito, ser forte, procure passar tranquilidade aos seus filhos, mesmo não estanto tranquila, e tenha fé, muita fé, que tudo isso vai passar e vc e o Manoel terão tranquilidade e qualidade de vida. Beijos. Lúcia
Ruth,gosto de pensar na figura da "mulher maravilha",prefiro ,pq apesar de saber do momento delicado,sei que tudo esta sendo conduzido para um fim positivo,então tenta,tenta mesmo,que o desanimo e a incerteza não tomem conta dos teus pensamentos,não vamos quebrar essa corrente de positividade que teus amigos estão fazendo em torno de vcs.O medo,a tristeza,a angustia,são sentimentos que não controlamos,eles vem e pronto,e são uma porta aberta para que o desanimo e a derrota se instalem na alma,por isso cunhada,troque esses sentimentos,esses pensamentos negativos,escreva sim sobre eles,se te fazem bem escrever,mais em seguida corta-os e faça planos sim,de um futuro bem proximo,de passeios em familia,na comemoração da vida,nas conquistas dos filhos ,tanto que ainda ha de vir.As adversidades fazem parte da vida e devem servir pra fazer de nos pessoas melhores.A distância do Manoel e temporaria,ele esta sendo bem cuidado,tu bem sabes,esta tendo tempo de repensar na vida,se fortalecendo pra seguir do teu lado e das crianças,ele precisa dessa tua serenidade,da tua saude,por isso cunhada,te cuida,te cuida muito,na hora que ele voltar estaras mais fortalecida pra caminhada que vcs vem fazendo juntos.Fica em paz.
Ruth, nem de longe tentarei aqui, por conta de um problema de saúde, sério e preocupante, sem dúvida,criar polêmicas.
Te amo de coração, como se ama uma irmã. Minha história de vida, contigo, com as nossas famílias, vão além de conhecimentos das "Lúcias" da Vida.
Como visitei teu Blog e vc pede, logo no início que deixe comentário, eu apenas deixei o que penso. Fui sincera! Sou sincera, sempre fui!
Sou solidária, amiga, parceira. Você sabe disso! A Lúcia não, ela não é minha amiga, não me conhece, nem eu desejo conhecê-la. Mas, quanto a você QUERO QUE REAJA, que não deixe o desânimo tomar conta de você, que as informações para uma MULHER intelectualizada e guerreira como tú és, pq a tua história de vida é de uma guerreira, sejam informações que te levem a derrubar com todas as forças, que tens que tirar das tuas entranhas, uma doença.
Só isso Ruth!
Não te quero derrotada.
Só isso Ruth!
Mas, a mim talvez falte a competência sim para entender teu sofrimento, tão profundo. A minha experiência de vida, sobretudo a de CRIAR MEU FILHO, tomar conta da minha casa sozinha, administrá-la sozinha, chorar sozinha, correr sozinha, lutar tbm contra uma doença, um diagnóstico cruel que transforma a cada dia meu pulmão em cinzas,é muito menor que a sua, com certeza!
Isso tudo no entanto, não faz de mim em nenhum segundo sequer, alguém fria e distante. Você sabe, seus irmãos, sua mãe, suas tia que hoje está aqui comigo, todos os nossos amigos e familiares sabem o quanto vc pode contar comigo. Com minha amizade, meu afeto, minhas orações.
Mas eu não te quero DERROTADA, SOFRIDA. E ponto!
Essa doença não pode ser maior do que você, do que a sua vontade de vence-la, maior do que tudo que vc conquistou. E ponto!
Sula Maciel.
Ruth, fiquei feliz ao ler que a sua amiga, que no primeiro comentário, me pareceu tão cruel, refletir e demonstrar sensibilidade com a situação que vc e Manoel estão passando. Tenho certeza q vc não deseja a comiseração de ninguém, mas o carinho, o aconchego, o colo. Isso faz um bem danado. Saúde, pra sua amiga tb. Beijos da Lúcia
Sula não é só o teu pulmão que vira cinzas o teu cérebro a muito que já se desfez e não sobrou nada de massa cinzenta, tá meu bem?
Irmã da Lúcia
Ah, eu tbem quero mandar um recado prá Maciel;
DOIDA!!!!
há muito é com H
Euzinha da Lúcia
E ponto, ponto, ponto!
Taí gostei,
Poxa Maciel quando eu tiver coceira, frieira, curuba, pereba e comichão passo um e-mail prá ti pedindo uma força prá cura, a´liás acho que estás perdendo tempo deves de pronto começar a redigir um livro de auto ajuda, tenho certeza que vai virar best seller. Que tal, meiguinha?
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