Quem sou eu

Belém/Ribeirão Preto, Brazil
Amazônida jornalista, belemense papa-xibé. Mãe, filha, amiga... Que escreve sobre tudo e todos há décadas. Com lid ou sem lid e que insiste em aprender mais e mais... infinitamente... Até a morte

Aos que me visitam

Sintam-se em casa. Sentem no sofá, no chão ou nessa cadeira aí. Ouçam a música que quiser, comam o que tiver e bebam o que puderem.
Entrem...
Isso aqui está se transformando em um pedaço de mim que divido com cada um de vocês.
Antes de sair me dê um abraço, um afago e me permita um beijo.

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terça-feira, 27 de janeiro de 2009

O Fórum... a casa... os exames ...os vestibulares ...

O Fórum... a casa... os exames ...os vestibulares ...
Hoje eu queria estar em Belém. Além do desejo de matar a saudade da minha terra, queria poder abraçar o meu irmão Rulton que pela primeira vez não está ao meu lado em seu aniversário e ainda participar do Fórum Social Mundial que transformou a cidade, que está mexendo com meio mundo e levando muitos a refletir sobre o seu papel como amazônida.
Nascer naquela região só se tem consciência da enorme responsabilidade quase sempre quando, por algum motivo, somos obrigados a nos afastar de tudo o que já nos é tão familiar que nem conseguimos mais ter um olhar diferenciado.
Sinto-me assim agora que estou distante, longe da cultura que está entranhada em mim, dos costumes que nos fazem perceptíveis por onde andamos. Do sotaque carregado de sssss e o tu conjugado corretamente, aos hábitos alimentares, o jeito de ser extrovertido, tão natural como se conhecêssemos todos os estranhos há muito tempo.
O Raul, mesmo um homem tão grande, ainda mantém o : - Oi tia ! Quanto é tio ? surpresa ou revolta para muitos. No mínimo muita estranheza. A Anaterra sempre sorridente e educada, encanta com o seu típico físico quase singular nesta região mais abaixo da linha do Equador.
Mas ser amazônida não é só isso. É acompanhar diariamente o noticiário pela Tv ou internet e continuar se sentindo impotente. É constatar que para a maioria não fazemos parte do Brasil. Somos exóticos, diferentes, muito estranhos. Quando digo que sou de Belém o espanto me parece maior do que alguém que acaba de chegar do Japão ou da Índia para ser global. Um outro mundo, um outro planeta que está sendo devastado. As manchetes de ontem denunciam mais uma fraude na comercialização de madeira no Pará. Documentos esquentados para justificar um fogo maior, aquele que não tem fim e que estão dizimando uma floresta inteira sem lei, sem punição. Uma doença crônica e sem cura como tantas que matam a (e na) região. Fazem companhia à malária, câncer, leishmaniose, tuberculose sem que ninguém consiga freá-las. O mundo hoje está conhecendo o que nós, que nascemos e vivemos na região, sabemos há tanto tempo mesmo que apenas estejamos assistir tudo se agravar, os problemas se agigantarem e a região ser pauta só de tragédias, corrupção, devastação ou de índios ameaçando brancos.
Ser também pode ser um romântico, crédulo que acredita no amanhã, que consegue olhar a chuva com carinho como se a bênção viesse do céu. Sinal de uma temperatura mais amena, menos suor no rosto. Tão diferente da recepção dos que vivem no Sul e Sudeste, principalmente. Explicitamente eles manifestam quase pânico diante das nuvens mais escuras e maldizem as gotas, os trovões, o vento. Quanta diferença ...
Queria estar em Belém, mas estou em São Carlos. Agora é aqui a minha casa. E há poucos dias uma que é minha de fato e de direito. Já não estou mais de aluguel. A que deixarei para o Raul e Anaterra e que aos poucos vai tendo a minha cara, com as fotos pretas e brancas na parede com tijolos expostos; tapetes e mais tapetinhos; Chico Buarque em todos os cantos, lembrancinhas de Fortaleza, Belém, Pirinópolis, Brasília, Outo Preto, Cuiabá, Manaus, ... Muitas lembranças. Meu cantinho que está me transmitindo uma tranquilidade que estava buscando há muito tempo.
Os desgastantes exames de controle do câncer também já passaram. Mais tranqüilidade. A semana passada foi de inferno. O medo descontrolado que me impede de dormir, me faz comer mais, me angustia e me enche de fantasmas estiveram comigo na maca onde fiz a citilografia óssea, na cama onde fiz a ultrassom vaginal e abdominal, na sala do raio x do tórax ou nos consultórios do oncologista e do mastologista em Campinas. Pânico de imaginar uma nova cirurgia ou a necessidade de uma quimio. Descobrir que produzi mais um tumor. E se assim fosse como os meninos ficariam ? E a mamãe ? Não tenho mais o Manoel pra dividir. Sinto-me quase sempre muito só. Mas felizmente tudo (ou quase) tudo estava dentro da normalidade. A novidade ficou por conta da pressão arterial altíssima. O estresse, a falta de exercício físico, ansiedade, a dificuldade de adaptação no novo ambiente de trabalho, a péssima alimentação uniram-se todos e resolveram se manifestar na velocidade sanguínea. Ouvi tudo o que já estou habituada há anos: tens que relaxar, deixar as coisas acontecerem, não se preocupar demais... Ahhh tão fácil de dizer, mas tão difícil de colocar em prática. Agora a preocupação é com o coração, com a dieta que terá que ser mais rigorosa do que nunca, com um personal trainer que terá que ser mais do que isso pra não me deixar desistir e com o resultado dos vestibulares que o Raul fez e que em breve começará a ser divulgado.
Relaxar, mas como ?

quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

Belém: aniversariante distante

Dia 12 passado lembrei do aniversário de Belém. Acho que nunca passara um longe. Impossível esquecer, mesmo estando tão longe, afinal a sobrinha mais velha, Thaís, também faz aniversário.
Escrevi de saudade. Sem pretensão nenhuma apenas para aliviar a perda. Essa mistura de necessidade de estar longe com a vontade de voltar.

Um abraço de longe
Queria poder te abraçar neste dia
Sair andando sem rumo
De São Braz a Nazaré
Suando a bicas e esperando uma manga cair
Visitar o Colégio Gentil, esperar os filhos na calçada
Como antes do meu mundo ruir
Entrar na pequena capela
E como sempre, me emocionar
Humildemente, aos pés da Virgem de Nazaré,
Agradecer, pedir, rezar, chorar
Queria estar aí e no sábado bem cedinho
Ter como único compromisso
Comprar fruta-pão,jambo, camarão
Farinha torrada, jambu e peixe fresquinho
Planejar o almoço de domingo sempre uma festa
Tambaqui na brasa, caranguejo e feijão
Cerpinhas na geladeira e tira-gosto de mexilhão
Enquanto o Chico cantava na sala
Queria beijar teu chão molhado. Tuas mangueiras ...
Teu cheiro inconfundível, meu cheiro de tanto tempo
Tomar sorvete na Cairu, pupunha com café
Tapioca em Mosqueiro ou bacuri do “seu” André
Mas não estarei em teu aniversário
Deixei minha história pra trás
Abandonei você porque me abandonaste antes
Nada fará eu voltar. Nada mais.
Quis tratar um câncer de mama. Não consegui.
Descobri, entre tantos pacientes,
O quanto és frágil e tive que partir
Te abandonar significou viver
A violência que mancha de sangue tuas pedras de liós
Também pesou demais
O risco nas esquinas, em casa, no carro
Adeus Belém bucólica. Belém em paz
Queria estar aí pra te desejar sorte
E marcar a hora da volta
Quem sabe um dia eu volto
Nem que seja, em pó, depois da morte

domingo, 4 de janeiro de 2009

Ano Novo ?? Novo Ano ???

Fiz tudo o que manda a tradição: encarando os preços exorbitantes da alta temporada fui à praia com os filhos; tomei o banho de descarrego no dia 31 e o de abre caminho no Ano Novo; pulei sete ondas; ofertei duas rosas a Iemanjá; comi lentilha, vi a beleza dos fogos iluminando o céu de Santos, mas de pouco adiantou. A alegria tem que vir de dentro e a minha está adormecida. De nada adiantou a Ivete Sangalo cantar na tenda ou o hino da Globo anunciando “Feliz Ano Novo. Adeus Ano Velho” ser entoado. Não consegui sequer ensaiar um braço levantado ou um passinho discreto de carnaval.
Tinha quase tudo, mas me faltava quase tudo.
Estava longe de tudo o que mais amava. Distante de todos os que fizeram a minha história. À meia-noite nós três nos abraçamos e choramos. Só nós três. Mamãe foi para Leme, ficar com o Ruy e família. Um trio forte, mas solitário.
2008 foi de fato um ano pesado, cheio de surpresas e muitas pedras no caminho. Sim... não tinha uma pedra, mas várias) pedras no meu caminho. Pedras que quando tento entender como foi possível pelo menos erguê-las, afastá-las pedindo passagem percebo o quanto o ser humano é forte. Mesmo diante da maior adversidade ele reage, luta, briga pela vida. As catástrofes estão aí pra ratificar. É a lei da sobrevivência.
Relembrei com saudade a passagem de 2007 para 2008 quando imaginávamos que tínhamos um enorme problema A ser enfrentado E ele era tão pequenino diante do que 2008 nos reservava. Choramos, eu, Manoel e a Sula na praia de Ajuruteua, em Bragança, temendo o que estava por vir diante da descoberta do meu câncer de mama. Nos abraçamos e silenciosamente tememos pela minha vida, pelo que me esperava na cirurgia que se aproximava. Mas não era eu que estava vivendo o último réveillon. O aparentemente saudável Manoel que tomava cerveja enquanto eu me resguardava com uma taça de vinho orgânico, comia caranguejo e mexilhão e eu peixe fresco cozido, sem fritura, tinha poucos meses de vida. Era ele quem se despedia de nós.
Os primeiros minutos de 2009 me levaram de volta a Belém onde abracei cada um dos que deixei pra trás. Irmãos, cunhada, sobrinhos, sobrinho-neto e os amigos, muito amigos. Rezei por cada um deles. Pedi que nunca me falte a amizade que hoje sei, mais do que nunca, ser fundamental na alegria, quando queremos ver a casa cheia nos aniversários ou outras comemorações, mas são em momentos como os que vivemos em 2008 é que temos a dimensão do que é um amigo. Ele não precisa estar aqui do meu lado, basta ele existir. É suficiente ter seu telefone e poder ligar a qualquer hora, sorrindo ou chorando, mal conseguindo falar, mas sabendo que estão do outro lado da linha ou no computador, com tanto por fazer, mas ouvindo, acalentando, confortando ou rindo das bobagens que dizemos, lembramos....A existência de pessoas tão queridas, algumas que eu já tinha certeza do carinho, da solidariedade, da forte amizade e outras que se revelaram nessa trajetória de incertezas e lágrimas, tem adoçado os dias e ajudado a torná-los menos pesados.
É verdade que há o antônimo de tudo isso. Os que acreditei durante anos e até décadas em uma amizade, um amor, um sentimento forte que de fato não existia. Ele era frágil demais para resistir a uma tempestade mais forte. Eram sentimentos movidos a alegria, sem alicerce resistente e sucumbiram. Também relacionei mentalmente os rostos de pessoas que até pouco tempo habitavam intensamente a minha vida, eram importantes (ou achava isso!). Chorei por mim, pela perda do que talvez nunca tenha existido e por eles porque talvez ignorem o que seja solidariedade, companheirismo, gratidão, proximidade, fraternidade, reciprocidade. Não perdi nada eu sei, apenas conheci de fato quem são os amigos verdadeiros, as pessoas que de fato me amam entre copos de cerveja ou entre lágrimas. As que eu posso contar em todos os sentidos. Vi seus sorrisos porque não conheci suas lágrimas. Talvez sejam fracos demais, egoístas demais para dividir. Nunca conhecerão o que só o amor ao outro é capaz de dar. Felizmente eles são poucos. Tenho um monte que posso desabafar, trocar e-mails, telefonar quantas vezes desejar como a Ieda, Erika, Dóris, Ana Laura, Rosanne, RenataS, Soraya, Robinson, .. ahh e tantos outros.... ou os que podem me ajudar na burocracia que atravanca a minha vida como a venda da casa em Belém, a compra de outra em São Carlos, a liberar documentos, a quitar contas, a ser minha procuradora e me ajudar a resolver tanta coisa na Embrapa, no Banco do Brasil, na Amazônia Celular, na Prefeitura, na farmácia, (como a incansável Consuelo), cuidar do meu parco patrimônio (como o Rulton e a Socorro). Acima de tudo me dando a certeza de que não estou só. Tem ainda os meus carinhosos e presentes eternos alunos.
Mas agora é outro ano... Tenho que pensar assim, mesmo tendo tanto medo de 2009...
É como se outras situações difíceis, surpresas desagradáveis estivessem à espreita me esperando em fevereiro, abril, agosto, outubro sei lá.... Em janeiro farei a primeira grande revisão de controle de câncer. Exames sofisticados que darão o rumo do tratamento para os próximos seis meses. Sei, racionalmente, que os meus prognósticos são bons, que a possibilidade de recidiva ou metástase é pequena, mas nada disso inibe o medo.
Tento me convencer de que nada acontece por acaso, que se tiver que morrer ou sofrer em 2009 nada impedirá. Nada impediu que o Manoel morresse. Estava determinado. Deixou Belém, foi para um dos melhores hospitais em tratamento de câncer do País (quiçá da América Latina), mas se ele nasceu no dia 15 de novembro de 1957, também já havia sido decidido que morreria dia 2 de agosto de 2008. Eu vi isso, presenciei o esforço de toda a equipe e a falência lenta e irreversível dos órgãos como se fosse um painel cheio de luzes que a cada dia uma apagasse, mas a luminosidade permanecesse. Até que um dia apagaram-se todas e ele ficou ali inerte. Somos ainda, visualmente, as mesmas pessoas. Como se estivéssemos dormindo, mas sem nenhuma luz acesa. Tudo parou... desaparecemos...
Tenho muito medo das mudanças que sei se operaram em mim. Estou mais cética, mais fria, mais decidida, mais ousada, mais corajosa e menos generosa. Reavaliando quase tudo, buscando ainda mais explicações para o que talvez seja inexplicável.
Penso muito nos meus filhos, na enorme responsabilidade que agora é só minha. Mas ao mesmo tempo sei que tenho que pensar em mim, em buscar prazeres adormecidos, a (re)construir minha vida em diversos sentidos. Estou uma recém-nascida em quase tudo. Os amigos próximos ainda tateiam em meu íntimo, minha casa é nova, meu bairro desconhecido, meus colegas de trabalho uma incógnita. Mudei tudo: a cabeleireira, a cama e até meu estado civil. Não me vejo mais a mesma paciente de antes, a generosa de poucos anos atrás. Endureci nos sentimentos e na forma de ver a vida, a entender que ela é de fato passageira e que nada adiará essa partida definitiva.
Assim mesmo tenho sonhos, acalanto intimamente a esperança de voltar a ser feliz. Uma felicidade que venha de dentro, que seja real, verdadeira, autêntica. Não para que os outros me vejam feliz, mas para que eu me sinta feliz e eu já fui feliz muitas vezes. Já experimentei o sabor do não ter nada pra fazer e que o único compromisso era nem levantar da cama; do rir do que nem é engraçado, mas apenas porque a vida está bela; de andar sem rumo por estradas desconhecidas se perdendo a cada rotatória e ainda comemorando pela demora em voltar pra casa. Feliz por estar bem, por estar com quem se quer, apenas vivendo.
Preciso acreditar no que diz a música Sentimental do Chico Buarque: Geminiano este ano vai ser o seu ano.... Ahh.. eu hei de ser, terei de ser, serei feliz!!!”