Quem sou eu

Belém/Ribeirão Preto, Brazil
Amazônida jornalista, belemense papa-xibé. Mãe, filha, amiga... Que escreve sobre tudo e todos há décadas. Com lid ou sem lid e que insiste em aprender mais e mais... infinitamente... Até a morte

Aos que me visitam

Sintam-se em casa. Sentem no sofá, no chão ou nessa cadeira aí. Ouçam a música que quiser, comam o que tiver e bebam o que puderem.
Entrem...
Isso aqui está se transformando em um pedaço de mim que divido com cada um de vocês.
Antes de sair me dê um abraço, um afago e me permita um beijo.

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sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

ADEUS A UM GRANDE AMOR

Eu adoro a minha cidade. É lá que está meu umbigo, lá perdi a virgindade, tive meu primeiro emprego, dei meu primeiro beijo, comprei meu primeiro imóvel, nasceram meus filhos, conheci meu marido, fiz dezenas de amigos, tenho centenas (ou alguns poucos milhares talvez) de conhecidos.
É lá que me encontro e me reconheço quando cai uma manga tirando o fino da minha cabeça, na cuia de tacacá que aumenta a sensação térmica já tão abafada, mas que a todos encanta e que faço questão de tomar sem ajuda de palitos ou colheres elegantes de madeira.
Naquela terra de chão úmido me vejo criança e adolescente na Conselheiro ou jovem entre diferentes apartamentos alugados ou já mãe na Pedreira, de volta à Conselheiro e depois em Canudos.
Tudo me é familiar. O que hoje persiste como a Yamada, Armazéns Kawage ou as feiras dos sábados pela manhã no Ver-o-Peso para comprar peixe fresco (filhote, pescada amarela ou pratiqueira pra comer bem fritinha com feijão), jambu a R$0,50, bacuri (alguns abertos na feira e degustados ali mesmo), farinha torradinha, cupuaçu de lote, pupunha de cacho.
Há o que já passou como a “Quatro e Quatro” e o Jangadeiro, no comércio (ou como dizia a minha avó: lá embaixo). Tem o Dedão, a Cairu, a irresistível praça da República aos domingos.
Sempre amei minha terra. Esse amor não é latente agora porque fui obrigada a partir. Meu perfume há muitos anos é o cheiro-do-pará misturado com a Priprioca da Natura. Minha casa sempre teve artesanato marajoara, tapajônico. Sempre guardei minhas revistas em cestas indígenas. O amor não é recente, é antigo e existe desde quando estava perto. Não foi a distância que o fez surgir.
Sempre acompanhei tudo de bom e de ruim que se referem a esse amor. As novidades, a política, as conquistas, as desgraças, os fracassos, as tragédias, as belezas sistematizadas à espera dos turistas.
Falar de Belém sempre foi para mim um grande prazer. Muitos colegas da Embrapa foram conhecê-la de perto. Fazia questão de apresentá-la. Deixava todos encantados com o açaí “quase papa” com farinha de tapioca, uma paradinha no Bar do Parque para uma cerpinha gelada, um sorvete de bacuri ou uxi na Cairu, uma foto em frente ao Teatro da Paz ou um pôr-do-sol nas Onze Janelas ou Estação.
Acabo de chegar de lá. Foram 20 dias entre Belém e Mosqueiro (outra velha paixão !) e volto triste. Tenho certeza agora que não mais voltarei a andar tranqüila pela avenida Nazaré ou sair sem rumo pela Presidente Vargas em busca talvez da brisa da Baía do Guajará na Escadinha.
É a certeza do adeus a um grande amor.
Brindei e me maravilhei com tudo o que faz de Belém uma cidade única. Comi tudo o que há tanto sentia saudade, senti o cheiro da terra molhada, fui ver a Catedral da Sé recuperada, juntei manga na rua, perambulei pelas areias do Chapéu Virado, Paraíso, Farol e Ariramba (saudades do Manoel !), reencontrei amigos queridos como a Ieda, Márcia, Consuelo, Mirtes, Afonso, Ana Laura, Célio, Graça,Lilian, Eloisa, Mano (Luiz) ... abracei minha irmã, minha sobrinha, meu sobrinho-neto, meus sobrinhos. Comprei mais artesanato, biojóias amazônicas, mais aquarelas, mais cheiro-do-pará, uma nova rede.
Mas sinto uma dor profunda ao constatar, agora com uma nitidez nunca sentida, que Belém já não me faz bem. Um amor que maltrata, que magoa, que aniquila.
O pânico que toma conta das pessoas é contagiante. Todos estão atrás das grades, com cercas elétricas, portões eletrônicos, vidros dos carros travados. No salão de beleza é preciso confirmar o agendamento antes de entrar; o táxi à noite só se já for cadastrado; no consultório médico fica-se antes enjaulado para então ter acesso à porta principal; no banco olhares desconfiados, na rua temor ao primeiro contato, nas feiras bolsas abraçadas, coladas ao corpo.
Vi nas ruas do centro a polícia de choque com coletes e metralhadora. Presenciei assustada três carros com sirenes ligadas com policiais e suas armas apontadas para a população que andava calmamente pala avenida Generalíssimo. Acompanhei, de perto, o seqüestro de uma mulher e a morte de um policial e do ladrão próximo a um dos locais mais belos e emblemáticos de Belém, o Museu Emílio Goeldi.
O grande amor persiste, mas eu preciso abrir mão dele definitivamente. O pior é sentir que a violência está banalizada. Olham-se as fotos no Diário do Pará ou em O Liberal com naturalidade. Cabeças esmagadas por balas, barrigas abertas por facadas sem disfarce, explícitas e que depois vão embrulhar o camarão salgado ou pirarucu na feira. Comentam-se “quantas” vezes foram assaltados, quantos celulares foram roubados, quantas agressões já presenciaram , tudo com enorme naturalidade. Essa sensação de impotência, de cotidiano violento foi o que mais me incomodou.
Quando deixei Belém há um ano e sete meses em busca de um tratamento digno para mim (câncer de mama) e para o Manoel (leucemia) talvez intimamente alimentasse a esperança de um dia voltar. Aposentadoria, filhos formados e o reencontro com o passado, com o amor visceral. Mas hoje sei que não voltarei. O amor será eterno, indestrutível, mas assim como outros amores, terá que sobreviver à distância. Não nos veremos com tanta freqüência, não mais nos amaremos todas as manhãs ou nas tardes chuvosas. Preciso (e quero !) viver mais alguns bons anos e em Belém ou morro de câncer por falta de atendimento ou de uma bala qualquer em um assalto qualquer no ônibus, no banco, na rua, na loja, no cabeleireiro, no restaurante, na farmácia....

5 comentários:

Unknown disse...

Pois é amiga, infelizmente, vivemos a máxima de Vinicius, que dizia que "os amores são eternos enquanto durem"...e agora, com a violência assolando o país inteiro, qause não podemos mais contar com a sorte de vivermos amores eternos! Mas, que bom que você veio e ainda nos foi possível passsar uma tarde juntas, todas maravilhadas e maravilhosas com tão sonhado reencontro... Revivermos os anos 80 de UFPA e dar boas risadas com certeza nos renovou para este ano que se inicia!
Vou torcer pra que momentos mágicos dessa natureza sejam eternos em nossas vidas! beijo grande!

Anônimo disse...

Puxa ainda bem que tu contaste a ação da polícia estadual para debelar os que se benficiam da corrupção que assola todo o país e não só o Pará, e que é também consequência de doze anos de governo tucano sem nenhum investimento na segurança. tá mana?

webeatriz disse...

Ruth, comungo desse amor por Belém, minha segunda cidade e também desse temor de viver em Belém, em constante sobressalto, que nem no RJ, vivi temor igual!
E isso, já me roubou um sonho, o do doutorado no NAEA. Mas os amigos e familiares que lá deixei ainda são o motivo pra me fazer voltar, para esse amor, só que fortuito, pra ver, rever relembrar de tudo de bom que Belém tem!

Herbert Marcus disse...

Oi Ruth,
Então é por aí que andas te "escondendo". Final de março tô passando por RP, a trabalho, mui rapidamente, mas vamos botar as fofocas em dia, ok?
Herbert

Unknown disse...

lamento tmb que Belém esteja tão carente e desprotegida. coraçao fica apertado.

mas, ainda estou por aqui.ainda amomuitotudoisso.

saúde pra ti e pros teus.