Quem sou eu

Belém/Ribeirão Preto, Brazil
Amazônida jornalista, belemense papa-xibé. Mãe, filha, amiga... Que escreve sobre tudo e todos há décadas. Com lid ou sem lid e que insiste em aprender mais e mais... infinitamente... Até a morte

Aos que me visitam

Sintam-se em casa. Sentem no sofá, no chão ou nessa cadeira aí. Ouçam a música que quiser, comam o que tiver e bebam o que puderem.
Entrem...
Isso aqui está se transformando em um pedaço de mim que divido com cada um de vocês.
Antes de sair me dê um abraço, um afago e me permita um beijo.

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segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

Escrevendo pra Danuza Leão

A coluna da Danuza Leão de ontem, na Folha, foi simples, abordou uma temática bem pessoal, mas mexeu muito comigo tanto que resolvi, num impulso de fim de tarde de domingo, escrever pra ela este texto aí embaixo.
E para a minha surpresa recebi hoje uma resposta. Curta, mas que me sensibilizou muito :
Ruth, o tempo, só o tempo. E se possível, muito trabalho. Um beijo carinhoso, Danuza
A minha mensagem :
Olá Danuza !!
Há muito não me identificava tanto com um texto como o que você escreveu hoje na Folha. Eu estou vivendo, pela primeira vez com muita intensidade, essa sensação da partida definitiva. Ainda não consigo digerir a morte do meu marido, dia 2 de agosto, de leucemia. Uma história cheia de idas-e-vindas, muitas lágrimas e surpresas. Resumidamente: descobri um câncer de mama em setembro do ano passado e surtei, afinal essa palavra nos leva ao atestado de óbito. Morava em Belém (PA) e fui para Campinas em busca de um tratamento mais digno e com maior chance de qualidade de vida (não só de tempo de vida !). Ele, que tinha 50 anos, ficou cuidando dos nossos dois filhos. Saudável, trabalhava cerca de 10 horas por dia,bom cervejeiro e grande apreciador das delícias gastronômicas da nossa terra, no dia 29 de abril teve um febre muito alta, grande indisposição e foi em busca de atendimento médico. Nunca mais saiu do leito de um hpsital. Ainda o trouxemos a Sampa, mas a leucemia já tomara conta dele e há quatro meses ele se foi.Mais do que a dor da separação – hoje tão banal entre casais – o que mais tenho dificuldade em aceitar é que nunca mais o verei, que nunca mais vou ouvir a sua voz, que jamais brigaremos ou nos abraçaremos de novo. Que aquele pai tão presente não poderá mais dividir comigo as aflições de quem cuida agora sozinha de um filho de 17 anos e de uma filha de 13 em uma cidade quase desconhecida, já que optei por deixar Belém por inúmeros motivos. Ter opção de tratamento para um câncer inicial, é o principal.
Quando o vi morto, antes de ir para o caixão, me perguntava: por que ele não fala comigo ? Por que não reclama do incômodo dos aparelhos ? Por que não repreende ou elogia mais os filhos ? Por que ficou tão calado ? Ele estava ali, mas não era mais o meu companheiro de 18 anos.De fato seria muito mais fácil aceitar que ele resolvera ir morar em outro País (Japão, Rússia, Alasca, China tanto faz) e que nunca mais eu o veria. Pelo menos eu saberia que um telefonema agora em dezembro por ocasião das festas me permitiria pelo menos perguntar como ele está (como ele está agora ? Ou não está ?).
Tudo que era dele permanece aqui: o óculos, as roupas, os cds, livros, fotografias, vídeos, documentos, o perfume, SÓ ele não existe mais. Não aceito, não entendo, embora saiba que a morte é a nossa única certeza.
Não quis ser cremada junto com ele, não fiz escândalos, mas tenho chorado muito, mesmo continuando a viver e querendo ainda viver muito.
Ainda é difícil aceitar meu atual estado civil. A imagem da viúva esquálida (estou até muito gorda !!), pálida (uso blush), cabelos brancos (vou semanalmente à cabeleireira) e infeliz (entre as lágrimas tenho sempre muitos sorrisos) nada tem a ver comigo.
Assim como você, sei que será muito difícil meu primeiro Natal sem ele. O primeiro Natal dos meus filhos sem o pai, que coincidentemente ano passado se vestiu de Papai Noel para a alegria da criançada da periferia de Belém...
Abraços Danuza e desculpe por aumentar a sua tristeza.
Ruth Rendeiro(São Carlos, SP)

domingo, 7 de dezembro de 2008

Obrigada Edgar !!!

O colega Edgar Macêdo é único. Todos os que têm o privilégio de conhecê-lo sabem de seu talento, de sua maestria em dominar as palavras e arrumá-las de uma forma que consiga traduzir tudo o que sentimos, mas nem sempre conseguimos verbalizar.
Já homenageou muita gente, muitos lugares, já nos fez chorar várias vezes.
O Manoel foi também homenageado pelo Edgar. Ele nos deu um dos mais belos presentes: o reconhecimento em verso por tudo o que ele fez em prosa, em vida.
Foi mais uma forte emoção. Durante a Missa na Capelinha do Ariramba o próprio Edgar declamou o que batizou de “A VOZ DE UM SER FELIZ – in memoriam Manoel Dantas simplesmente Mano.
Foi demais ...
Ei-la :

“Essa é a Vila que eu quis
Aqui fui muito feliz
Chapéu Virado, Prainha, Farol ...
Porto Arthur, Marahu, Baía do Sol ...

Mas caramba ! O Ariramba
Sempre foi meu Paraíso
Não preciso nem falar
E pedi para que um dia
Sobre as águas dessa baía
Eu pudesse repousar

Entre pétalas e marés
Pescadores e banhistas
Barcos ao sabor do vento
Sem ter pressa de chegar
Já que o tempo é uma aquarela
Cada instante nova tela
Nós iremos contemplar

Meu legado é a alegria
Música ... festas ... poesias ...
Minha inabalável fé
Em Deus e Nossa Senhora
Virgem Mãe de Nazaré

Ruth, quero ver no seu semblante
O sorriso radiante
Que sempre me iluminou
Do Raul e da Anaterra
quero ouvir o grito de guera
Mamãe o papi chegou !

Aos parentes e ao amigos
Peço o abrigo da oração
E por favor, não chorem mais
Saibam que estou em paz
Já cumpri minha missão

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

Rememorando ...

Estou sem escrever no blog há alguns bons dias. Postei há pouco o que já estava escrito, meio perdido nos rascunhos...
Há muito por fazer, resolver e como descobri, pela Isto É, que escrever dessa forma pra mim é uma terapia, devo estar bem, sem muita necessidade de extravasar, de misturar letras, costurar palavras, explicitar o que ferve internamente em mim.
As emoções são cada vez mais intensas, muito rápidas, desconhecidas. Uma das mais marcantes aconteceu em Mosqueiro, dia 15 de novembro. Foi um presente de Deus. Precisávamos daquela cerimônia, daquela imersão nos sentimentos mais íntimos, mais nossos. Remexemos tudo que nem lembrávamos mais, imagens como as quedas da Anaterra quando aprendia a andar; as idas do Raul ao hospital para costurar o pé, a boca; o encontro com o timão, o cachorrinho esquálido, sem rabo que adotamos e que agora mora com a Ruthlene.
A pequena e bucólica ilha faz parte da minha história desde quando ia passar férias com a tia Jorgete, ainda criança. Travessia de balsa, demorada, mas sempre repleta de alegria, de proximidade com a água, com os peixes, camarões, siris...
Na juventude foi local de namoros, festinhas, férias de julho em companhia de muitos amigos e na maturidade, ao lado do Manoel e dos filhos, reduto familiar,lazer. Uma casa na passagem São João corou nosso sonho. Simples, mas nossa. Nunca havíamos sonhado com tal possibilidade, mas Raul e Anaterra, durante 9 anos usufruíram do privilégio de acordar na praia, de passear cedinho no Ariramba e no final da tarde, na praça da Vila tomar sorvete, tomar tacacá, comer bolo de macaxeira ou unha de caranguejo com muito molha de pimenta no tucupi. Ou de manhã cedo ir comprar O Liberal ou Diário do Pará e peixe fresco no mercado, mas sempre parando pra uma tapioquinha feita na hora com coco ou manteiga. Nossa história está registrada nas areias da praia do Bispo onde caminhávamos quando a maré estava seca; na praia do Paraíso, onde o Raul quase se afogou e onde passamos nosso lua-de-mel; no Marahu, a nossa preferida...
Era preciso que o Manoel ficasse lá para sempre.
E assim foi feita a sua vontade.
A Consuelo, novamente a amiga a quem nunca poderei retribuir tanta generosidade, organizou tudo. O padre, a missa, os detalhes com o Marquinho, o piloto do ultraleve indicado pela outra querida amiga Érika Siqueira, a encomenda das pétalas de rosa, enfim, os detalhes que fizeram daquela manhã de sábado um dia inesquecível para todos os que presenciaram a grande e merecida homenagem ao Manoel.
Rever pessoas tão queridas que desde que deixamos Belém de forma tão atabalhoada sabíamos apenas que nos acompanhavam e torciam por nós à distância, ao mesmo tempo que elas traziam de volta lembranças adormecidas, nos confortavam. Certamente não lembrarei todos, mas ali estavam os muitos colegas que se transformaram em amigos no longo período que ele passou na Embrapa como a Noemi, Sonia Helena, Osmar, Milton, Zezé, Ana Mirtes, Gisele....Os familiares (meus e dele) tão abalados como nós, em especial o Pedro. O cunhado que nunca foi muito presente em nossas vidas, mas que nos últimos meses do Manoel foi seu anjo da guarda, seu amigo, seu irmão em toda a concepção da palavra. Os vizinhos queridos de Canudos : “seu” Dico, D. Ernestina, Sérgio (ou o Enjoado como ele chamava), Telma, os filhos deles ....A Graça, dona da creche Lar do Curumim onde Raul e Anaterra ficaram quando bebês. Alguém muito especial, amiga querida que muitas vezes participou das caranguejadas e cervejadas em nossa casa em Mosqueiro.
Após a bela e emocionante missa na pequena capela próximo ao tradicional bar Pastel do Oliveira, todos se dirigiram para a praia do Ariramba. A chegada do ultra-leve sobrevoando nossas cabeças trouxeram de volta as lágrimas. Em minutos as águas barrentas do rio Pará se encheram de pétalas de rosas e junto com ela uma leve fuligem que todos sabíamos eras as cinzas do Manoel. Ali ele repousaria, para sempre, o velho companheiro de copo, de planos, de sonhos, de bons desejos aos nossos filhos.
Impossível não soluçar, improvável não recordar os inúmeros momentos que passamos ali. Um filme desconexo, sem edição se misturava à imagem dos amigos nos degraus que dão acesso à praia.
Olhei para o Raul e a Anaterra e fiquei feliz pela sorte que tive de presenteá-los com um pai como o Manoel. Nunca esquecerão que aquele homem às vezes rude, encrenqueiro, mas predominantemente alegre, brincalhão, amoroso, orgulhoso deles a cada conquista, era também muito amado pelos amigos.
A referência de pai que eles levarão para o resto da vida é bem diferente da minha...

Enfim Belém !!

Sair de São Carlos com destino a Belém não é tão simples como inicialmente pode parecer. A mais de 200 km da capital, a viagem começa no ônibus. Felizmente bons ônibus que circulam em boas estradas. Chegar ao aeroporto de Guarulhos é outra viagem. Tudo longe para os padrões de Belém. Por isso optamos em deixar São Carlos na véspera da viagem pela Tam. Eu, Raul, Anaterra e mamãe pernoitamos próximo do aeroporto e no dia seguinte prosseguimos com os trâmites para liberação das cinzas.
Muito cansaço, muito estresse, muita expectativa.
Antes de chegar a Belém havia, contudo,uma longa parada em Brasília. Desmembrar a passagem significava reduzir os custos, o que possibilitou um jantar com a amiga Ana Laura e o filho Vinicius. Um afago antes do desembarque na minha cidade natal.
Novo vôo e um atraso de mais de duas horas, finalmente pisamos de novo em solo paraense. No aeroporto Ieda, André e sua namorada nos aguardam com a caixinha com as cinzas. Tenho que pedir perdão à querida amiga pelo que fiz ela reviver, sentir. Justo ela que foi comigo, dia 10 de maio, levar o Manoel no aeroporto quando ele seguiu para o Hospital ACCamargo. Muito latente ainda para ela aquele adeus na ambulância quando apenas os exames laboratoriais indicavam a gravidade do quadro. Mas ele ainda era o mesmo menino grande, risonho, brincalhão, moleque. Seis meses depois ela carregava consigo o pó de um homem com quem tantas vezes tomou cerveja e comeu caranguejo. Perdão amiga!!!
Chegara o momento de chegar em casa e pela primeira vez não fora o Manoel que tinha ido nos apanhar no aeroporto. Avenida Júlio César, Almirante Barroso, Primeiro de Dezembro e finalmente o bairro de Canudos... felizmente o lexotan ainda estava fazendo efeito.
Em casa Rulton, Socorro, Marcela (dormindo) e o Leonardo (acordado por nós) e cada móvel, cada quadro, cada artesanato reluzindo o nosso passado.
Sempre soube que seria difícil, mas no dia seguinte, ao acordar e ter a exata e lúcida noção de que estava dormindo na mesma cama que dividi com o Manoel, que o banheiro ainda era o mesmo, que o Timão e a Dudinha (os cachorros), o Pretinho, gatinha e Floquinho permaneciam como antes, só o Manoel não existia mais, foi duro de maiss.
Felizmente a sensibilidade da minha cunhada Socorro e do Rulton diminuíram a nossa dor. Tudo o que tínhamos solicitado que fosse passado adiante não nos esperava mais. Havia pouco de pessoal do Manoel em nossa casa. Não precisamos arrumar o quarto de quem morreu, plagiando o Chico Buarque em Pedaço de Mim.
Se as lágrimas ficaram mais contidas nesse momento, caíram livremente quando abracei a dona Ernestina, vizinha amiga que ele tanto gostava. Outros abraços viriam, outras lágrimas seriam derramadas.
Além dos preparativos para a cerimônia da dispersão das cinzas, também precisava usar essa permanência em Belém para resolver assuntos pendentes como ir ao meu médico-guru, ter um encontro com a minha analista que há anos me acompanha, contatar com a corretora de imóvel para tentar vender a casa e assim apressar a compra de outra em São Carlos, passar na Embrapa...
Raul e Anaterra, mesmo saudosos do pai, reagiram de outra forma. A idade favoreceu que houvesse um misto de festa também nessa viagem. Eles estavam retornando a Belém e tendo a oportunidade de abraçar os amigos que deixaram tão apressadamente. A agenda deles ficou intensa. Mal paravam em casa. Mesmo incomodada, foi gratificante ratificar o quanto são queridos, o quanto têm amigos.
Eu também aproveitei a ocasião para rever pessoas queridas como os que acompanharam meu drama enquanto fazíamos a especialização na Unama, conversar com calma com a minha irmã Ruthlene e minha sobrinha Thaís.
Agora era nos preparar para ir a Mosqueiro.