Quem sou eu

Belém/Ribeirão Preto, Brazil
Amazônida jornalista, belemense papa-xibé. Mãe, filha, amiga... Que escreve sobre tudo e todos há décadas. Com lid ou sem lid e que insiste em aprender mais e mais... infinitamente... Até a morte

Aos que me visitam

Sintam-se em casa. Sentem no sofá, no chão ou nessa cadeira aí. Ouçam a música que quiser, comam o que tiver e bebam o que puderem.
Entrem...
Isso aqui está se transformando em um pedaço de mim que divido com cada um de vocês.
Antes de sair me dê um abraço, um afago e me permita um beijo.

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domingo, 29 de junho de 2008

Pelas estradas de SP

Eu que sempre fui tão medrosa,uma criança cheia de medos bobos e agora me descubro tão corajosa. Tinha medo de avião, de escuro, dentista, de médicos e exames, de barata (ainda tenho!) e até do apito do guarda-noturno ou de ligar um ferro de passar na tomada. Nem me reconheço nesses últimos meses.
Tenho circulado com relativa facilidade entre Leme, Campinas e São Paulo. Andado de metrô, a pé pela cidade que tanto me metia medo. Simplesmente irreconhecível.
A descoberta do câncer de mama em setembro do ano passado, depois do susto, do medo de morrer no dia seguinte,de não ver a Anaterra fazer 15 anos, de não sentir a alegria do Raul em ser aprovado em um vestibular, uma força inexplicável se apossou de mim. Uma vontade de viver que nunca tive, uma esperança inabalável, um futuro que não parece tão longo, mas que estou procurando viver intensamente.
Muitas vezes, principalmente nas longas horas de insônia, paro pra avaliar a metamorfose. Deixar Belém, a nossa casa, animais, minha mãe, irmãos,sobrinhos, amigos, meus alunos e tudo mais que são marcas registradas na minha história, não fazia parte de meus planos. Tínhamos uma vida tão arrumadinha e de repente o que era tão relevante é agora secundário. Quero só viver, quero apenas que o Manoel viva e que nossos filhos estejam conosco, felizes. Independente de onde e como.
Ontem estava mal. Pela primeira vez conversei com a chefa da equipe multidisciplinar que está cuidando do Manoel desde que ele chegou há quase dois meses. Não me escondeu nada e deixou claro que a pneumonia, difícil de ser debelada,está alterando toda a programação. Está necessitando de máscara de oxigênio o dia todo, fazendo fisioterapia pulmonar, tentativas de reabilitação do pulmão, agora sua grande fragilidade. As plaquetas estão baixas e os sangramentos são freqüentes. Sangra o nariz onde estavam os cateteres do oxigênio, sangra nas fezes, sangra depois que tira a máscara da fisioterapia. Sente-se cansado com facilidade e o inchaço das pernas e braços o deixa ainda mais debilitado, quase impossível caminhar.
O quadro que se agravou fez o transplante ser suspenso. Precisa antes se fortalecer, curar a pneumonia. Provavelmente a medula da Dé será congelada e implantada nele no momento oportuno.
Mas nem tudo é ruim. Temos que comemorar cada vitória, cada conquista e a uma das maiores agora é autorização que foi dada para que o transplante aconteça pelo plano. Não sei bem como foi a negociação com a Embrapa, sei apenas que a colega Jandete nos deu a boa notícia que será oficializada nesta segunda-feira. Não precisaremos entrar na justiça. Uma preocupação a menos.
Hoje, um telefonema de manhã cedo, antes do horário de visita quando podemos entrar no hospital, indicava que ele estava melhor. Aprendi a sentir pela voz como ele se encontra. Decidimos então, eu, a Anaterra e a irmã-doara, a Dé, sair um pouco. Aproveitar o sol que brilha lá fora. O primeiro dia quente desde que chegamos a SP. A feirinha da Liberdade nos encheu os olhos e a boca. Um pedacinho do mundo oriental a nossa disposição. O tempo passou rápido e o melhor foi encontrar o Manoel mais disposto e ouvir da médica que ele melhorou muito. Ouviu os pulmões e o som indicou que está com menos chiado. Comeu mais e está falando até em tomar um bom banho.
A nossa presença o deixa mais feliz, mais disposto. Imagino que muita coisa ruim passa pela cabeça dele quanto tem tempo de sobra pra pensar. O Pedro, irmão dele, tem sido incansável, um ajuda e tanto e nós tentamos complementar o que ele lhe oferece. Fazemos massagem, damos a comida na boca, incentivamos para que saia da cama e isso lhe dá uma injeção de ânimo incontestável.
O meu pessimismo de ontem, liberado em um telefonema para a amiga e paciente Ieda, felizmente me abandonou hoje. Estou mais confiante de que isso tudo são fases e que teremos que saber enfrentar, tentar minimizar para não desanimar, acreditar que será possível vencer, que não vamos sucumbir por mais difícil que esteja sendo.
Quero muito que a nossa vida recomece, que possamos estar todos juntos em breve em uma casinha ensolarada e florida em São Carlos, vindo a SP só para passear e eventualmente para realizar exames de controle.
Preciso acreditar que essa mudança radical é um jeito estranho que Deus encontrou de podermos oferecer melhores oportunidades para os nossos filhos. Sempre gostei de estudar, sempre acreditei que ir além, que progredir tem relação direta com o conhecimento. Não pude estudar tudo o que queria, mas quem sabe meus filhos conseguem. O Raul está levando a sério o terceiro ano do ensino médio e comentou que deverá fazer vestibular para educação física e motricidade humana e quer se especializar em fisiologia do exercício na Universidade de São Carlos. Um sonho impensável em Belém.
Não sei o que o futuro me reserva (ninguém sabe...), sei apenas que continuarei buscando a minha felicidade onde ela esteja.
Hoje estou feliz. Mesmo dentro do Hospital do Câncer, mesmo ouvindo o barulhinho da máquina que leva ar para o pulmão do Manoel, mesmo distante da minha Belém e dos meus familiares, mesmo sabendo que irei dormir mais uma noite em um hotel, mesmo não tendo um lar neste momento.
Estou feliz porque estou viva, o Manoel está melhor, a Anaterra está aqui do meu lado e logo logo o Raul se juntará a nós. Uma família fragilizada pela doença, mas que está acreditando no dia de amanhã, no novo dia que nascerá.

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