Quem sou eu

Belém/Ribeirão Preto, Brazil
Amazônida jornalista, belemense papa-xibé. Mãe, filha, amiga... Que escreve sobre tudo e todos há décadas. Com lid ou sem lid e que insiste em aprender mais e mais... infinitamente... Até a morte

Aos que me visitam

Sintam-se em casa. Sentem no sofá, no chão ou nessa cadeira aí. Ouçam a música que quiser, comam o que tiver e bebam o que puderem.
Entrem...
Isso aqui está se transformando em um pedaço de mim que divido com cada um de vocês.
Antes de sair me dê um abraço, um afago e me permita um beijo.

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segunda-feira, 19 de maio de 2008

A radio, enfim !

Hoje finalmente fiz a primeira, de 33 sessões, da radioterapia na mama. De novo saio do hospital com uma profunda tristeza, a alma reage e o intelecto se nega a aceitar que uma cidade com cerca de um milhão e meio de habitantes, cantada em verso e prosa como a Metrópole da Amazônia ainda apresente cenários tão grotescos como só os que estão no Ophir Loyola têm a infelicidade de ver. Tento não me impressionar, mas não dá.
Além das pessoas que aos poucos vão entrando em minha história, como a senhora com câncer na garganta que mora em Açailândia; o senhor que faz radio para afastar uma recidiva na próstata e que já espera pelo jornal que sempre levo ou a velhinha que tem um tampão na cabeça, hoje de manhã conheci duas em especial. A Regina Célia, magra demais, de cadeira de rodas que chorava em silêncio com uma toalha no rosto. Fui conversar com ela, tentar confortá-la. Sentia dor e estava aguardando uma consulta.
Especial mesmo é a Thamires. Também magra demais, mas com um olhar bonito de uma criança que em seus 5 anos ainda não entende o porque de tudo isso (alguém entende ?). Começamos a amizade brincando de jogo da memória que estava à mão e depois ficamos conversando. Soube muito dela e ela pouco de mim, mas o suficiente para dizer à mãe que eu era sua amiga. Sabe tudo sobre a sua doença e parece conformada, esperançosa que um dia poderá correr novamente, comer tudo o que gosta (sardinha, ovo, mortadela... ) As duas ficariam até à tarde no hospital porque não tinham como ir e voltar para o distante e periférico bairro do Tapanã onde moram. O máximo que pude fazer naquele momento foi providenciar algo para que comessem: iogurte, biscoitos, suco, leite. Ao final um beijo no rosto e a certeza de que nos encontraremos outras vezes.
Fiquei emocionada demais hoje. Estou frágil e desabando, embora a Sula, em seu depoimento aqui, tenha feito uma leitura desses sentimentos como uma derrota. Não entregarei os pontos nunca ! Tenho dois filhos, mãe, irmãos, sobrinhos, amigos e muita gente torcendo por mim. Pessoas que entendem o quanto é difícil segurar a barra, chorar sozinha à noite enquanto os filhos estão adormecidos bem ao lado. Com a saída do Manoel da cama eles invadiram o pequeno quarto, inconscientemente vieram para debaixo de minhas asas e também sentem que me confortam. Mesmo o Raul que já fala grosso e se acha um homem pede colo e me dá colo do seu jeito. Um no colchão improvisado abriga um e o outro dorme do meu lado. Raramente presenciam meu choro, meus desabafos, minhas incontáveis preces.
Estou com medo sim. Muito medo ! Medo do Manoel não suportar a agressividade do tratamento, ter alguma complicação e vir a falecer. Impossível ? Pessimismo ? Não... apenas possibilidade real. Basta ler um pouco sobre a doença, seu índice de óbitos e os efeitos colaterais que as fortes quimioterapias provocam.
Tenho medo de perder o companheiro e amigo, o pai que qualquer mulher escolheria para seus filhos. O cara que entrou em minha família como se sempre tivesse feito parte dela. Meus irmãos não são seus cunhados, mas irmãos também. Minha mãe é mãe dele também. Meus amigos também são seus.
Tenho muito medo, mesmo não estou me entregando ao sofrimento. Imagino ele ultrapassando o período mais difícil e aos poucos nossa vida voltando ao normal. Em Belém, no Rio, em SP, não importa. Mas também temo em ficar sozinha e ainda mais com o fantasma do câncer me rondando.
O que vivo não é banal, nem estou exagerando. Apenas quero ter o direito de também fraquejar, de também chorar, me desesperar e se possível ter amigos de verdade me dando colo, carinho, compreensão, enxugando minhas lágrimas para que eu possa voltar a caminhar.
Não quero piedade nem comover ninguém com minhas palavras. Se alguns choram é porque se emocionam com o que o destino me pregou. Se outros lamentam a minha fragilidade sinto muito decepcioná-los. Felizmente há muito mais os que compreendem e sabem que sou humana e que com muito desprendimento e fraternidade conseguem se colocar no meu lugar, só assim é que se pode ter a nítida proporção do que é ter o marido a mais de 3 mil km lutando pela vida e mesmo querendo não posso estar com ele porque também tenho que cuidar de mim, fazer a radio e rezar, como rezei hoje na câmara de radiação, para que esse tratamento seja eficaz e que caso restem células cancerígenas elas sejam definitivamente debeladas.
Talvez seja difícil para as pessoas que não têm um companheiro tão presente, que divide responsabilidades tarefas, decisões sobre os filhos e uma relação de cumplicidade e amizade acima de tudo, de repente ver o carro dele parado ali na garagem ou ir à Embrapa e saber que não o verei. É complicado não saber exatamente o que faremos nos próximos meses, se eu ou ele estaremos em tratamento. Ou de novo os dois ?
Complicado demais saber que ele não virá roncar ao meu lado na cama, que não vai reclamar da água que não está tão gelada como ele gosta ou se estressar com a demora das crianças enquanto ele buzina lá fora.
A rotina do dia-a-dia é que constrói as relações, mesmo que elas não sejam as ideais, mesmo as que têm problemas às vezes mais graves do que aparentemente se apresentam. Mas quando o respeito e a amizade sobrevivem, a dor da partida é sempre dilacerante. Como agora ...
Enquanto isso pago contas, vou ao supermercado, resolvo detalhes sobre a licença-saúde dele, tento acompanhar o andamento dos filhos no colégio, caminhar um pouco e conversar aqui com as pessoas que me acompanham ao longe. Aqui falo tudo sem censura, abro minha alma e assim vou continuar a fazer. Sei que não posso agradar a todos. Cada dia é um dia e nem sempre estarei sorrindo, brindando à vida. Minha realidade é outra. Não posso me esquecer que eu estou tratando um câncer de mama descoberto no início e com grandes chances de alcançar a cura, mas também com riscos de metástases, recidiva, mastectomia e tudo de mais ruim que podem essas células desobedientes causar.
Mas como tudo na vida eu estou vivendo tudo isso intensamente. Amo e sofro com intensidade. Vivo com intensidade até as dores, dissabores e medos.
Passarei por essa vida deixando rastros...
Felizmente amanhã é outro dia ...

2 comentários:

Anônimo disse...

Ruth,
Mesmo chorando e se emocionando com suas palavras e com toda essa tortuosa jornada pela frente, o que de mais forte bate no nosso coração é o orgulho de lhe conhecer e de ter como amiga um pessoa tão sincera e tão intensa.
Seu texto de hoje foi mais lindo ainda que de outros dias. Obrigado por suas palavras e por sua coragem.
Um beijo,
Robinson - Brasília

RENATA disse...

Querida amiga..este seu ultimo texto foi emocionante..me trouxe ate lagrimas nos olhos..vc 'e uma verdadeira guerreira..deus te abençoe..se sinta abraçada..bjs!!